O debate sobre as inúmeras e profundas contradições da sociedade capitalista é muito antigo. Ele tem pelo menos três séculos. Por mais que o sistema capitalista seja praticamente hegemônico em todo o mundo, as mazelas sociais continuam se reproduzindo de forma ampliada. Ou seja, ele é um sistema que sempre atende aos interesses de uma pequena parcela da população.
No caso do Brasil, esse fenômeno é ainda mais intenso. A renda de 15 mil pessoas pertencentes ao topo da pirâmide social cresceu, nos últimos anos, até o triplo do ritmo observado entre o restante da população, elevando a concentração da riqueza ao fim do governo Jair Bolsonaro (PL). Entre essa elite, que representa 0,01% da população, o crescimento médio da renda praticamente dobrou (96%) entre 2017 e 2022. Enquanto isso, os ganhos da imensa maioria da população adulta (os 95% mais pobres) não avançaram mais do que 33%, pouca coisa acima da inflação do período (31%).
E, em grande medida, o que explica esse aumento da concentração de renda no Brasil é o lobby tributário dos muito ricos. Eles controlam uma ampla bancada no parlamento que sempre se opõe às medidas tributárias que contrariem os interesses dessa pequena minoria.
Hoje, o governo federal busca construir uma medida que é direcionada para os cerca de 250 mil brasileiros com renda anual de ao menos R$ 1 milhão, segundo dados da Receita Federal. O motivo é simples: eles pagam, na pessoa física, muito menos tributos do que poderiam. Proporcionalmente, um CLT pode arcar com quase oito vezes mais que um desses milionários, por exemplo.
O que se discute no âmbito do Ministério da Fazenda, é criar um imposto mínimo, entre 12% e 15%, sobre os rendimentos desse seletíssimo clube, que sequer representa 0,01% dos 102 milhões de brasileiros com alguma ocupação, de acordo com o IBGE. Se o imposto de 15% realmente vingar, a receita do governo pode alcançar R$ 90 bilhões anuais.
No atual cenário, um típico trabalhador de carteira assinada, de cada R$ 10 ganhos como salário, até R$ 4 podem ser descontados em pagamentos de imposto de renda e contribuição previdenciária. Ou seja, um empregado CLT pode recolher até oito vezes mais em tributos do que um dos 250 mil milionários do país.
Isso acontece por diversos motivos. O mais polêmico deles é a isenção de imposto de renda para os chamados "lucros e dividendos". Desde 1995, esses recursos são livres de tributação, o que coloca o Brasil na contramão dos países mais desenvolvidos do mundo.
E o Congresso Nacional, que supostamente é a casa do povo, não tem olhos e nem ouvidos para perceber como isso aprofunda ainda mais a estrondosa desigualdade social que tanto machuca nosso país.
Afonso Pola (afonsopola@uol.com.br) é sociólogo e professor