Não faz muito tempo eu escrevi um artigo nesse espaço, falando de um conceito chamado “cultura da violência”. 

Nele, eu buscava classificar a violência “como uma forma de afrontamento aos direitos considerados invioláveis na sociedade - direitos civis, sociais, entre outros – direitos esses que são fruto de um processo histórico que acompanha a humanidade desde a Antiguidade, manifestando-se de diversas maneiras, dependendo dos hábitos e costumes de cada grupo social”.

Mas essa intensa violência que tem nos caracterizado, não é um fenômeno que acontece da noite para o dia. É resultado de um processo que vai sendo construído cotidianamente, através de atos, omissões, impunidades e discursos.

No nosso caso, estamos falando de um país que foi moldado na privação da liberdade, com oligarquias privilegiadas ao extremo, com naturalização de práticas de torturas e discursos eugenistas. Nesse sentido, a violência é uma construção cultural-histórica cada vez mais enraizada em uma sociedade desumanizada, desigual e doente. A forma progressiva com que a violência tem se manifestado no Brasil permite a conclusão de que há a proliferação de uma cultura da violência social presente em nosso cotidiano.

Em que pese ser esse fenômeno uma construção histórica, em determinados períodos esse processo se acelera. Em vários momentos da nossa história assim foi. Como no nosso passado recente, quando uma considerável parcela de nossa sociedade se rendeu ao discurso de ódio, ao fake news e ao endeusamento da violência, quase sempre em defesa de um slogan “Deus, pátria e família’, portanto em defesa dos “bons costumes”.

Não por acaso, os dados sobre a violência no Brasil não param de nos surpreender. Em 2022, o Brasil registrou pico de feminicídios, com uma vítima a cada 6 horas. Segundo Monitor da Violência, mais de 1,4 mil mulheres foram vítimas do crime, o maior número desde a Lei do Feminicídio. Ou seja, mesmo com a sociedade desenvolvendo mecanismos legais para coibir esses crimes hediondos, eles aumentam.

E eles aumentam sustentados por alguns fatores e, entre eles, podemos destacar dois: a insistente impunidade e; o estímulo ao comportamento violento que é amparado por discursos misóginos, homofóbicos e de intolerância à diversidade, discurso esse tão propagado por uma extrema direita que não tem o menor compromisso com a verdade, a democracia e os legítimos interesses do povo. Eles alimentam e se alimentam de fake news.

Os dados em relação aos outros tipos de violência não são diferentes. Que país é esse, onde a violência encontra respaldo no discurso moral, ou muitas vezes na condição econômica de quem pratica a violência.

 

 

Afonso Pola (afonsopola@uol.com.br) é sociólogo e professor