A jornalista Milly Lacombe, que tem coluna na UOL, fez um belo artigo, falando da atitude dos maiores rivais do Rio Grande do Sul no futebol, Grêmio e Internacional, que uniram, jogadores, torcedores, funcionários e dirigentes, para atuarem como voluntários, frente ao verdadeiro desastre natural que abate o estado e seu povo. Rivais históricos, que muitas vezes transformaram as ruas de Porto Alegre em praça de guerra, numa adversidade insana, dessa vez, as pessoas ligadas a esses dois times protagonizaram um belo exemplo. 

Da mesma forma, os estados do norte e nordeste do nosso país, tantas vezes hostilizados pelos sulistas, dão exemplos de solidariedade e ajuda ao povo gaúcho. No geral, o brasileiro, principalmente os mais pobres, é muito solidário e se mobiliza para ajudar a quem precisa.

Mas não temos só esse lado. Durante todos esses dias que nos aterrorizam com a catástrofe que castiga o Rio Grande do Sul, é possível perceber um outro tipo de comportamento que evidencia o grau de degradação de parte da nossa sociedade. Os produtores e divulgadores dessa peste chamada “fake news”. 

Já inventaram que o governo do RS estava impedindo que embarcações particulares fizessem resgate, o que foi oficialmente desmentido. Divulgaram que o show da Madonna foi financiado com verba do governo federal. Mentira também, pois o show da Madonna foi financiado pela iniciativa privada, várias empresas, e com aporte de R$ 10 milhões do governo do estado do Rio e R$ 10 milhões da prefeitura do Rio.

Além das fakes news, que atrapalham quem quer ajudar, pois até geram dúvidas sobre quem está mobilizando pessoas para doar alimentos, roupas e dinheiro para ser direcionados para o municípios mais atingidos, tem também o negacionismo de plantão, que insiste em negar aquilo que a ciência já demonstrou com muita propriedade. O que estamos fazendo com a natureza tem volta. 

Lembram do vídeo em que o ex-ministro Salles dizia que a pandemia era a oportunidade de passar a boiada? Pois é, a boiada passou e, as consequências disso estão sendo vividas por essa e por tantas outras tragédias provocadas pelas mudanças climáticas.  

Isso é tão sério que, em 1960, 39 desastres naturais foram registrados no mundo. Em 2019, esse número chegou a 396. Esse dado faz parte de um levantamento realizado pelo Institute for Economics and Peace. O negacionismo e as fakes news matam, empobrecem, causam fome e destruição. 

Mas o que o levantamento também revela, indiretamente, é que não há mais como classificar nenhum tipo de evento climático extremo como uma surpresa. Não há mais justificativa para não se preparar, para não ter um plano.

Nesse momento, eu torço muito para que exista o "inferno". Se ele existe, que essas pessoas ardam abraçadas com suas mentiras infames.

 

Afonso Pola (afonsopola@uol.com.br) é sociólogo e professor