Em 2012 a Rede Globo anunciou o fim da “Escolinha do Professor Raimundo”, programa de humor criado por Chico Anysio e exibido, só nessa emissora, por longos 38 anos. Foi uma pena, principalmente pelo fato de percebemos que o humor televisivo anda de mal a pior. Por sorte, ainda podemos desfrutar desse humor mais requintado em canais de TV fechados.

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Entre os inúmeros personagens travestidos de alunos e alunas, que foram criados pelo mestre Chico para o quadro, estava o Pedro Pedreira. Não sei se por uma questão visionária ou por obra do acaso, Chico Anysio deu características a esse personagem que acabariam sintetizando uma parte significativa da sociedade brasileira.

Pedro Pedreira sempre se apresentou como questionador dos fatos, aquele que apontava controvérsias estapafúrdias pela necessidade de negar o conhecimento e a história. Exigia contraprovas absurdas e esdrúxulas como critério para aceitar um fato como verdadeiro. “Não me venha com chorumelas!”, esse era o seu bordão.

Se no passado, a descarada audácia de seus questionamentos intransigentes reveladores da sua ignorância cega se resumia a uma cena cômica, hoje não é mais apenas isso. Hoje, o conteúdo exótico do personagem extrapola o espaço do humor televisivo e ganha vida como modelo para parte dos brasileiros e brasileiras.

Para esses, todo o conhecimento gerado por pesquisadores e estudiosos dos mais variados temas, estão equiparados em importância aos “conhecimentos” gerados e circulados nas redes sociais. E o pior, os Pedros Pedreiras estão em todos os segmentos, independe da origem social, do nível de escolaridade ou condição econômica.

Eles não apenas negam o que a ciência evidencia. Eles estão sempre prontos e dispostos a tomar como verdade algo que lhe convenha, mesmo sabendo se tratar aquilo de uma mentira. “A Covid não é tudo isso que estão falando” – “O aquecimento global não existe” – “A Terra é plana”, etc. Eles defendem a prática da mentira usando a máxima da “liberdade de expressão”. 

Esses Pedros Pedreiras tapam olhos e ouvidos para o evidente, destilando os seus sensos críticos sem qualquer lastro na realidade. Eis a nossa fatídica realidade. O Pedro Pedreira que está entre nós substitui o “não me venha com chorumelas” por expressões como: “é tudo mi mi mi”.

O Brasil de hoje não só deu vida civil ao personagem do Chico Anysio. O Brasil de hoje é a confirmação, pelo menos temporária e parcial do vaticínio do Nelson Rodrigues: “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”. 

O Brasil, país tão festejado pela leveza, pelo gingado, pela alegria e pela simpatia vai aos poucos evidenciando uma faceta agressiva, sisuda e rancorosa. 

 

Afonso Pola (afonsopola@uol.com.br) é sociólogo e professor