Os acontecimentos na vida das pessoas deixam não apenas marcas na alma, mas também à flor da pele, como em tatuagens que marcam o nome de pessoas queridas, mensagens motivacionais e declarações de amor à vista de todos. Em alguns casos, as marcas são da violência e da omissão em agressões, erros médicos, acidentes e tratamentos médicos. Com o intuito de ajudar mulheres de Mogi das Cruzes, do Alto Tietê e de outras regiões do Estado a superar momentos de trauma e dor, a tatuadora Fabiana Rosetti criou há dez anos o Projeto Recomeçar - iniciativa que ajudou mais de 200 mulheres vítimas de violência doméstica ou que passaram por procedimentos médicos a cobrir suas marcas, auxiliando a virar uma página dolorosa ou amarga de suas histórias. Saiba mais nesta entrevista do Café com Mogi News, em parceria com a Padaria Tita, que traz histórias de pessoas que fazem a diferença em nossa comunidade.

Café com Mogi News: O projeto atende a mulheres vítimas de violência doméstica, agressões, acidentes e tem um impacto na sua autoestima e imagem corporal. Como começou essa jornada?

Fabiana Rosetti: Começou em São Paulo. Morava em São Paulo, e apareciam muitas mulheres com determinadas cicatrizes, mas quando você fala do valor para cobrir essas marcas elas se assustam. Não é o mesmo valor de uma tatuagem simples. Elas não faziam, mas contavam um pouquinho da história. E, um dia, estava assistindo à TV quando vi a entrevista de uma tatuadora de Curitiba que tinha o mesmo projeto, atendendo apenas vítimas de violência doméstica. Então pensei: ‘Por quê não tentar atender uma pessoa por mês?’. Aí eu fiz um texto e joguei nas redes sociais: acabou chovendo de mulheres.

CMN: E como foi a primeira participante deste projeto? Podemos falar sobre essa história, dos detalhes, e como foi pra você?
Fabiana: Faz tempo, dez anos atrás. Não lembro exatamente qual era a cicatriz, mas lembro que era de uma cirurgia, de um procedimento que foi feito errado e ela ficou com uma cicatriz na barriga.

CMN: Erros médicos acabam sempre comprometendo a imagem e a autoestima, principalmente pelos padrões de moda.
Fabiana: Sim, ela já tinha essa cicatriz há mais de dez anos, não usava biquíni, não ia à praia, tinha vergonha. Era uma cicatriz bem profunda, afeta a autoestima, ela lembrava do erro. A pele necrosou, não foi uma cirurgia tranquila. Ela sofreu com a cirurgia.

CMN: O projeto atende vários casos, mas a maioria acaba sendo de vítimas de violência doméstica, com queimaduras ou cortes. E é um processo pesado para todos.
Fabiana: 80% das pessoas que me procuram são vítimas de violência doméstica, e são casos muito tensos, são coisas bizarras. Já peguei mulheres que foram queimadas com bituca de cigarros, e a última foi um tiro na coxa porque ela não quis servir a janta para o marido. Não é apenas a cicatriz, mas o porquê da cicatriz. A história em si, a história atrás da cicatriz. É horrível imaginar que no mundo que vivemos, no século que vivemos, ainda há pessoas que fazem essas coisas.

CMN: Você ainda mantém contato com essas pessoas?
Fabiana: A maioria ainda, algumas possuem medida protetiva, se mudaram e mudaram de vida.

CMN: O projeto completou dez anos em Julho. Vocês fizeram uma comemoração no final de julho, como foi essa reunião?
Fabiana: No começo não iríamos fazer nada, mas pensei: “são 10 anos, não são 10 dias”, e juntou com 20 anos da minha profissão. Me reuni com algumas clientes e amigas e resolvemos fazer. Até o momento fiquei com medo de não aparecer ninguém. O dono do bar que fizemos o encontro contou mais de 120 pessoas que compareceram, e dez clientes que passaram pelo projeto estiveram.

CMN: Você atende pessoas do Alto Tietê inteiro. Muitas pessoas tentam se aproveitar: como funciona a seleção?
Fabiana: Atendo vítimas de violência doméstica, queimaduras, câncer e cirurgias mal feitas. Mas algumas pessoas procuram. Acredito que estrias e cesariana impactam na imagem sim, mas é um outro processo. Há pessoas que contam histórias mirabolantes e, quando você pede… É triste.

CMN: Essa iniciativa é feita exclusivamente por você? Há outros estúdios?
Fabiana: Soube que alguns tatuadores estavam tentando iniciar um projeto, mas não sei se deu certo. Acredito que mulheres entendem mulheres, que é uma questão de autoestima e do sofrimento da pessoa. Não é só colocar a mulher na maca e começar a tatuagem: você vai escutar a história, ela vai querer começar, ela vai querer chorar, você vai acabar se emocionando, e o homem não tem esse “feeling”.

CMN: Para quem quiser participar como cliente, ou artista que queira colaborar com o projeto, como essas pessoas podem te encontrar?
Fabiana: Ela pode nos procurar em nossa página nas redes sociais, ou pelo telefone.