Nosso país tenta sair de um terrível pesadelo que nos assolou por quatro anos. Tivemos que conviver diariamente com a intolerância, o discurso de ódio e falas chulas. Esses absurdos se espalharam por uma parte da sociedade, com o mau exemplo vindo do posto mais elevado da nossa hierarquia social. 

É bem verdade que parte dessas pessoas já carregava dentro de si esses horríveis sentimentos e esse tipo de fala. Mesmo que elas não demonstrassem, até mesmo por vergonha ou receio de uma postura de reprovação por parte dos outros. Mas esse período do governo passado acabou motivando a exibição desses atributos, como se fosse algo para se orgulhar. Essa intensificação da violência que tanto tem nos caracterizado, não é um fenômeno que acontece da noite para o dia. É resultado de processo que vai sendo construído cotidianamente, através de atos, omissões, impunidades e discursos. 

Aquele governo acabou, mas as sequelas deixadas por ele ainda vão nos incomodar por um bom tempo. Bolsonaro não está mais no poder, mas a parte da população que o apoiava e que se mantém fiel aos ditos (des) valores que ele representa, é o bolsonarismo que se espalha em nosso meio, alimentando a intolerância, o ódio e o pensamento rasteiro e negacionista, coisas que contribuíram de forma decisiva para que o Brasil sofresse tantas perdas durante a pandemia e para além dela.

Presenciamos um processo de normalização e institucionalização de algumas práticas, que antes eram socialmente reprovadas. E o que mais tem contribuído para isso, foi justamente o fato de pessoas que estavam em postos importantes, falarem e agirem daquela forma.

São tantas as situações proporcionadas por pessoas desprovidas de qualquer pudor, evidenciando todo o desrespeito e falta de empatia pelos outros. Em um país tão caracterizado pela diversidades, o preconceito e a discriminação provocam muitas feridas. 

É o caso do prefeito de Barra do Piraí que, durante a inauguração de uma estrada defendeu a “castração” de meninas, com a justificativa de que existem muitas crianças no município. Reproduzindo exatamente o que disse o prefeito:

"O que não falta em Barra do Piraí é criança. Cadê o Dione [secretário de Saúde]? Tem que começar a castrar essas meninas. Controlar essa população. É muito filho, cara".

Assim como nesse caso, tivemos ao longo dos últimos anos, incontáveis situações nas quais o ridículo e a crueldade marcaram presença. De onde saíram esses seres desprezíveis?

 

Afonso Pola (afonsopola@uol.com.br) é sociólogo e professor