Quanto mais o ser é primitivo, tanto menor é o patrimônio de ideias que ele possui para se orientar e resolver os casos da sua vida. É assim que para ele os problemas da consciência são muito simples. O bem é, para ele, o que lhe traz vantagem ou satisfação; o mal, o que lhe acarreta prejuízo ou sofrimento.

O bem é só o seu bem; o mal é só o seu mal. Então, na sua mente simples não há razão para que ele não procure pelo caminho mais curto o seu bem, evitando o seu mal. Quanto mais o ser é primitivo, tanto mais ele está fechado e isolado no seu egocentrismo. Neste nível não pode existir senão a ética do próprio interesse.

A ética diz que se deveriam seguir os ditames da consciência. Mas para o primitivo, os ditames da consciência são exatamente os do seu interesse. E, se para atingir a sua vantagem, ele tem de fazer mal aos outros, nada o impede que o faça em plena consciência e convencimento de fazer o bem, mas que, no caso, para ele é só o seu bem, ou seja, o que constitui a sua exclusiva vantagem. Pela sua forma mental, isso representa a sua sinceridade e honestidade.

O problema é este: trata-se de egoísmos rivais, o que é bem para o interesse de um é mal para o interesse dos outros, os quais, encontrando-se em posição oposta, julgam seja mal e mentira, somente para eles, enquanto que para o ofensor é bem e verdade, pelo fato de que ele quer ganhar só para si sem se aperceber que está prejudicando os demais.

Explica-se assim, como, num tal ambiente de egoísmos opostos, tudo acabe na luta, que bem conhecemos, de todos contra todos. Uma vez um missionário perguntou a um selvagem porque é que ele não criava para si uma vaca, ao invés de furtá-la do vizinho. Não, respondeu o selvagem, porque dá menos trabalho furtá-la, ela já está pronta, não é preciso criá-la. Na sua lógica simples, que não entendia senão a sua vantagem particular e imediata, não existia razão pela qual ele não tivesse que escolher o caminho mais curto e fácil, de menor resistência ou menor trabalho. Por que, então, não fur tar em vez de trabalhar? 

Raul Rodrigues é mestre em Engenharia e ex-professor universitário.