O nó da crise parece longe de vir a ser desatado. Está claro que o governo investiu pesado numa operação-desmonte,
até aqui bem-sucedida, tendo como peça fundamental o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, cuja missão consiste em brecar o rito do impeachment: nem encaminhá-lo, nem negá-lo. Qualquer das duas opções -
encaminhar ou arquivar -
deflagra o processo, e a presidente Dilma levou a sério a advertência de Fernando Collor de que, uma vez iniciado, não há como detê-lo.
Não convém desprezar a voz da experiência.
Cunha, que integrou todos os governos petistas, refluiu de sua atitude hostil inicial quando assumiu a presidência da Câmara, e perfilou-se à estratégia, comandada por Lula e Jacques Wagner. Nada como o ronco de um camburão para desfazer arroubos de independência. Cunha luta para sobreviver e, mesmo sabendo que a hipótese de triunfo é remota, aceitou os termos da rendição. O governo aciona uma espécie de estratégia das tesouras: de um lado, blinda Cunha, prometendo defendê-lo na comissão de ética; de outro, orienta a militância - inclusive de aliados, como PSol e PCdoB - a exibir indignação moral contra Cunha. A tesoura está em movimento.
De um lado, Cunha é imobilizado pela esperança de ser salvo; de outro, faz o papel de boi de piranha, lançado separadamente ao rio, para o banquete das piranhas, enquanto o rebanho passa ao largo, livre do assédio. A delinquência de Cunha, comparada às denúncias da praticada por gente do PT e por pelo menos dois ministros de Dilma - Aloizio Mercadante e Edinho Silva, além do próprio Lula -, é pinto.
Mas, concentrando nele a fúria moralista, o governo atravessa o rio da impunidade sem problemas. As piranhas concentram-se no boi Cunha. Está funcionando e o fim do ano se aproxima. Vencido 2015, o próximo ano trará seus próprios desafios e novas ações táticas serão concebidas. Nisso, o governo é bom. Outro aliado é a espantosa inépcia oposicionista. À exceção de uns poucos discursos mais veementes de um ou outro parlamentar, a oposição nada de propositivo oferece à superação da crise, nem para derrubar o governo, nem para absorvê-lo.