Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser a permanente reinvenção de mim mesmo, para não sucumbir soterrado pela poeira da banalidade da origem simples. Só por ela!
Com isso compreendi, num lampejo: Ah! então é assim! Apesar de todos os medos, convinha não ser por demais ousado, tampouco por demais acomodado, ciente de que às vezes é preciso pegar o touro a unha, mergulhar, para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.
Para se reinventar é preciso pensar: isso aprendi muito cedo, depois de ter passado pelo ver, ouvir, principalmente ler!
Apalpar no nevoeiro em que se está, tentar perceber no que se é, algo que pareça essência: isso, mais ou menos, sou eu! Ousadia à parte, isso é o que queria e acredito ser: tornar-me naquilo que ainda não fui.
Por isso ter de suportar muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria depositar a cabeça no travesseiro e adotar o lema reconfortante: Parar para pensar: nem pensar!
O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que, de surpresa, nos faz parar. Pode ser em meio ao shopping, coalhado de zumbis, no trânsito, na frente da tevê ou da tela do computador. Às vezes, tomando banho ou escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação, para poder escolher o mais conveniente! Longe de estar programado para tal, a gente jamais para de pensar!
Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor de mil possibilidades.
Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Outra, para uma noite além do cercado da autoestima.
Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliando-se!
Pensar, pede audácia, já que refletir é transgredir a ordem do superficial que tanto nos aporrinha no cotidiano.
Demasiado frívolos buscamos o atordoamento de mil distrações, corremos de um lado a outro achando-nos grandes cumpridores de deveres e tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar o que se é, o que se faz da própria vida, do tempo, dos desejos.
E com as obrigações também, é claro, pois não se tem sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado ao urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida.