Para os amantes do esporte ele dispensa apresentações. Considerado por muitos como o maior ídolo da história do Corinthians, Marcelinho Carioca fez história no futebol, desafiando as leis da física com a trajetória que dava às bolas com seu tão aclamado pé de anjo. O início foi no Madureira, time do Rio de Janeiro, e aos 15 anos, ele já estava no Flamengo, ao lado de Zico, sua maior inspiração. Seu primeiro grande jogo foi contra o Fluminense, com o Maracanã lotado, em 1989, entrando justamente no lugar do ídolo. Longe dos campos, hoje, Marcelinho é secretário de Esportes e Lazer de Itaquaquecetuba e oficializou a construção da primeira piscina pública do município. Saiba mais nesta entrevista especial ao Café com Mogi News.
Café com Mogi News: Como foi o início de sua carreira no Flamengo?
Marcelinho Carioca: Lembro que cheguei no primeiro treino, entrei no vestiário, coloquei o meião para treinar e a ficha caiu. Estava conversando com os outros dois jogadores dos Juniores e ficávamos nos perguntando se iríamos entrar no coletivo. Meu amigo Marquinhos me perguntou o que iríamos fazer se entrássemos, e eu respondi que jogaríamos bola, que eu iria driblar, ser ousado, ir para cima e não passar a bola para ninguém. Se fosse para entrar um minuto, que nesse minuto fizesse algo diferente para o Telê (Santana) ver. De jogadores bons o mundo está cheio, diferentes são poucos.
No decorrer do treinamento, o Zico foi fazer umas cobranças de falta com o Zinho e o Bebeto. Cheguei e falei: “seu Zico, eu posso ver o senhor cobrar as faltas de perto?” e ele falou que eu não iria só ver, mas cobrar as faltas junto a ele. Ele queria ver se o artilheiro do Juvenil dava conta no profissional. Ele faz as cobranças e depois foi a minha vez, eram três cobranças. O goleiro, que era o Zé Carlos da seleção brasileira, nunca iria imaginar que um menino de 16 anos iria fazer um arco no canto dele, ter essa ousadia.
Eu via a fita do Zico, sabia o que ele fazia e copiava. Quando fui para a bola, fiz o arco, o Zé Carlos saiu antes e a bola entrou. Eu abracei o Zico e falei: “Esse gol é para você! Esse gol é seu! Você lembra o gol que você fez contra o Náutico, em que o Marola ficou parado? Eu estava no Maracanã, eu vi esse gol! Eu queria fazer esse gol para você!”. Ele ficou assustado porque eu lembrava daquele jogo em específico. Depois disso, as outras duas cobranças bati até sem força. Ele me abraçou e me deu um beijo. Imagina você ser um menino e o seu ídolo te dar um beijo. Eu não tinha o pau para dar no gato, não tinha nada, mas tinha sonhos, esperança, pai e mãe, família, solidez e base.
CMN: Quem foi melhor nas faltas, você ou o Zico?
Marcelinho: Humildemente falando, o aluno superou o mestre. O Zico foi especialista próximo a área, ele sempre fala isso. Aí eu peguei as técnicas. Eu tenho a chapa do Zico, a alavanca do Didi Folha Seca, a batida de três dedos do Éder e do Nelinho e a rosca do Neto. Então eu tenho proficiência em curta, média e longa distância de qualquer lado do campo.
CMN: Seu primeiro jogo como profissional foi um Fla-Flu, com o Maracanã lotado e entrando no lugar do Zico. Como foi aquele momento?
Marcelinho: A escalação saiu na terça-feira e eu era o 18º da lista. Liguei para a minha família e avisei que iria ficar na concentração. Meu pai era gari, sempre tive orgulho de falar isso, e falei para minha mãe avisá-lo para trocar com um dos 18 garis que limpavam o Maracanã. Eu não sabia que ficaria no banco de reservas. Na quarta-feira, fui escalado com a camisa 16, o Marquinhos com a 13 e o Júnior Baiano com a 14, o Djalminha ficou fora desse jogo.
O meu pai foi trabalhar na geral do estádio e eu vou para o banco, vejo o Anel do Maracanã lotado, o Zico em campo, o Jorginho, o Bebeto, Aldair, o saudoso Zé Carlos. No Fluminense, estavam o Edinho, da seleção brasileira, e o Romerito, da seleção do Paraguai. Olho para trás e estavam a comunidade inteiro de onde eu morava, meu irmão, meus amigos, meu pai com a roupa cor de abóbora e a vassoura para cima.
No comecinho do primeiro tempo o Zico faz um passe para o Bebeto e sai o gol, explodindo o Maracanã. Com dez minutos o Zico sentiu a panturrilha e pediu para ser substituído. O Telê Santana falou para o preparador físico me aquecer. Me levantei para aquecer, borrado, travado, ouvindo o burburinho da torcida se perguntando quem eu era.
A minha referência era o meu pai. Olhei para a Geral do Maracanã, vi meu pai colocar a vassoura apoiada nele e levantando os braços para torcer. Ali eu não deixei o medo ser mais forte que meu sonho, que a esperança, que o medo frustrasse meu pai. Falei que faria de tudo, daria uma de Jackie Chan, Bruce Lee, usaria nunchakos, correria a mil por hora e faria da bola o meu prato de comida.
Quando fui entrar, o Zico bateu na minha mão e falou para eu me divertir, mas como iria me divertir daquele jeito, com 70 mil pessoas me assistindo? Não tinha como. Eu pegava a bola, passava e corria para alguém lançar para mim, aí os jogadores me xingaram muito, me chamaram de covarde, mentiroso, medroso e falaram que quem deveria fazer os lançamentos era eu, afinal esse era o papel do Zico. Pediam toda hora pela minha substituição.
No vestiário minha cabeça estava a mil, voltaram a pedir para que o Telê me tirasse. Ele chegou em mim, ponderado e calmo, me levou para o canto e me perguntou se eu era aquilo que eles estavam falando, porque se fosse, não tinha problema, era só falar que ele me tirava. Eu falei que não, então ele me disse que eu tinha mais 45 minutos, e perguntou onde estava o artilheiro do Juvenil, o craque, o cara que tem o lançamento perfeito, que dribla e faz gol de falta. Ali eu tive a força do meu treinador, do meu chefe, do meu gestor.
A partir dali aflorou tudo. Eu fazia lançamento de três dedos para o Leonardo do outro lado do campo, cerca de 20, 30 metros de distância. A torcida começou a gritar meu nome e fiquei assustado, porque no Juvenil quem grita seu nome são seus pais. Acabou o jogo e toda a Imprensa chegou. O diretor falou para eu trazer minhas roupas, que iria morar na concentração até o jogo de domingo, onde teria 100 mil pessoas e que eu vestiria a camisa 10, do Zico, e entraria como titular.
CMN: Como foi esse momento com seu pai, o que ele disse?
Marcelinho: A Imprensa perguntou de onde eu vinha, onde morava, de quem era filho. Falei que era muita coisa para responder e que era para eles olharam para a Geral do Maracanã e ver meu pai, pedi para o chamarem, pois eu precisava abraçá-lo, era o primeiro com quem eu queria conversar. Depois de uns 15, 20 minutos eles veio e eu falei: “eu disse para o senhor que iria vencer. Hoje dei um passo para a vitória” e ele me respondeu que não, que havia dado meio passo para a vitória.
Eu voltei de trem para casa. Lá, o meu pai me disse: “Está vendo? Você está dentro do trem. Alguém te conhece aqui dentro? Você já assinou seu contrato profissional? Já mudou a vida dos seus irmãos? Já comprou a casa com piscina para a sua mãe, que você prometeu que daria a ela? Já entregou o jaleco de torneiro mecânico que me prometeu?” e eu neguei tudo. Então ele disse que se eu não entregasse esse jaleco, tiraria a bola dos meus pés.
Para finalizar, o outro meio passo para completar esse passo para a vitória é estudar. Então por toda a persistência e cobrança do meu pai eu entreguei o jaleco de torneiro mecânico; de educação física; de comunicação social, sou jornalista diplomado; de gestão pública, que fiz aqui na Unopar; e uma pós-graduação em direito público.
Na próxima semana...
A segunda parte da entrevista com Marcelinho Carioca ao Café com Mogi News será lançada na próxima terça-feira. Venha com a gente conhecer mais sobre a história do craque no Corinthians e os projetos que vem fazendo na Secretaria de Esportes e Lazer de Itaquá.
*Texto supervisionado pelo editor.