Criar oportunidades para que pessoas surdas possam ocupar os mais diferentes espaços é o foco do trabalho realizado pelo Instituto Rita para Surdos, que tem sede no bairro Itaim Paulista, na Zona Leste de São Paulo, e o Núcleo de Estudos em Libras, em Poá. A entrevistada do novo episódio do Café com Mogi News é a presidente da entidade, Gilda do Carmo Dionízio de Souza. Destaque também para a participação especial da intérprete de Libras, Andrea dos Santos Souza. 

Faz uns dois anos e meio que eu recebi o convite. A partir do momento que recebi o convite, eu comecei a trabalhar, conhecer o projeto e ver onde que eu poderia ajudar. Nessa caminhada eu fui vendo o quanto o surdo sofre, o quanto eles já foram esquecidos por todos. Eles não têm uma voz própria. Para ir numa consulta médica precisam de um parente, que não pode ter um trabalho fixo porque tem que acompanhar o surdo”, contou a entrevistada.

As dificuldades, segundo Gilda, também ocorrem no momento do processo para adquirir a carta de habilitação, e na conquista de uma vaga no mercado de trabalho. “As empresas abrem vagas para PCDs (pessoas com deficiência), mas que não é surdo. Dificilmente você encontra um surdo em uma empresa, você encontra qualquer outro tipo de PCD, surdo não. Então, eu vi quanto que eles sofrem, eu me agarrei a essa causa para que eles tenham uma vida amena, uma vida mais feliz, uma vida de oportunidade, de mostrar para eles que eles são capazes sim, que a inclusão existe, entrei pra fazer isso acontecer”, ressaltou Gilda. 

Enfermeira aposentada, a presidente do Instituto trouxe sua experiência e empatia com o próximo para este novo desafio. “Não tenho nenhuma experiência. Eu sou aposentada da área da enfermagem, e juntei meu profissionalismo e a capacidade de ver que qualquer um é capaz de qualquer coisa, independentemente do problema que se tenha. Todo mundo é capaz, é só ter oportunidade e o olhar diferenciado para abrir porta pra esse campo. Tudo é possível”, disse. 

Famílias 

O trabalho da entidade tem como base as famílias. “A família inclui as crianças, adolescentes e idosos, porque o surdo também tem problema dentro de casa, não são todos os parentes que falam em Libras. Essa comunicação não é efetiva dentro de casa. Se ele já tem problemas dentro de casa, a vida dele se torna pior. Tem famílias que não têm condições de pagar uma escola para que essa criança surda cresça alfabetizado numa escola bilíngue. Ele vai numa escola onde tem uma intérprete, e ele já perde alguma coisa do ensino. A inclusão não é efetiva para surdo”, avaliou a presidente da entidade. 

Para Gilda, deveriam existir mais escolas apenas para pessoas surdas. Na cidade de São Paulo, por exemplo, segundo ela, são apenas duas. “Não atende a demanda, porque quem mora em outros municípios, vai para uma escola de inclusão. e só chamar algumas mães e perguntar se o filho está aprendendo. Então são coisas que precisam ser direcionadas só para eles. É o mundo deles, a língua deles, a língua de sinais (Libras)”, defendeu. 

Capacitação e parcerias 

No Instituto, as famílias e demais interessados são capacitados gratuitamente para interagir com a pessoa surda, aprendendo Libras. “Seus parentes, sejam primos, tios, quem quiser aprender gratuitamente, o Instituto Rita dá o curso de libras. Não só para famílias, mas para a população que queira aprender. E qualquer empresário que queira abrir vaga para um surdo, é só nos procurar. Você não precisa contratar o intérprete, nós vamos capacitar seu funcionário para que abra mais vaga para esse surdo estar trabalhando, e a equipe estar preparada para receber o profissional. E qualquer problema que tenha, nós damos um apoio e suporte para qualquer um que queira ajudar o Instituto Rita a tornar a vida desse surdo melhor”, convidou Gilda.

O Instituto busca empresas para essa parceria, com abertura de vagas e capacitação de colaboradores. “Se tem uma empresa que tem dois, três ou um funcionário capacitado, ele consegue lidar com esse funcionário que é surdo. E isso vai multiplicando, porque não tem limite de vagas para a gente atender as empresas. Eu estou abrindo portas para que esse surdo seja bem-atendido e tenha uma vaga dentro da sociedade, porque eles são capazes”, explicou. 

Os desafios, segundo Gilda, também estão nos acessos aos serviços de saúde, educação e assistência social, por isso a importância da capacitação: “Em Poá, nós já estamos com a segunda turma de capacitação das assistentes sociais. Isso para mim é maravilhoso. Nós estamos capacitando o CRAS e o CREAS para que os surdos tenham um bom atendimento, queremos também capacitar todas as secretarias, quem esteja interessado, na Saúde, Cultura, Esportes. Nós estamos abertos para isso, estamos lá para isso”.

Todos os professores do Instituto são voluntários. “Nós não temos ajuda nenhuma, não recebemos emenda, dinheiro de parceria. Tudo que nós fazemos é do próprio bolso. Nós fazemos eventos para arrecadar e pagar o consumo e as despesas do Instituto”, contou Gilda. 

Atendimentos 

Além do curso de Libras, a entidade oferece oficina de artesanato. “A oficina é pensada para que essas queira aprender pessoas surdas, para que tenham um modo de ganhar dinheiro, com pintura, costura, crochê, tricô, pintura em vidros, trabalhos em latas. Esse é o nosso trabalho, capacitar quem não tem condições de ter um trabalho para aumentar sua renda”, disse Gilda. 

Entre janeiro e maio, segundo ela, foram atendidas 188 pessoas. “Para mim foi alarmante, e eu fico pensando até dezembro, como que vai ser? Se eu tivesse mais possibilidade e recursos, eu estaria proporcionando muito mais atendimento, capacitações. Nossos projetos e sonhos são enormes. Eu não me programei para estar dentro do Instituto, mas já que estou, eu vejo coisas grandiosas acontecendo na vida dos surdos”, salientou. 

Gilda contou que, semelhante a prova de vida realizada por aposentados e pensionistas do INSS, para manter Benefício de Prestação Continuada (BPC), conhecido também como LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social), as pessoas surdas precisam comprovar anualmente a deficiência. “Ele tem dificuldade de arrumar uma audiometria, um laudo de otorrino, de fonoaudiólogo. Eles são surdos, mas todo ano precisam provar que são surdos. É um absurdo, senão eles param de receber o LOAS”, explicou.  

Nos planos para o futuro, está contar na sede do Instituto com salas para atendimento de audiometria, consultórios médicos com otorrinolaringologista e fonoaudiólogo, para que os laudos possam ser facilmente obtidos. “Eu não quero que eles fiquem batendo cabeça, como eles estão fazendo a vida inteira, procurando o SUS, atendimento para pegar uma guia para otorrino, e não tem atendimento. Quero facilitar a vida dos surdos e fazer tudo isso dentro do Instituto. Esse é um projeto grandioso que nós queremos para o futuro, para o futuro bem breve. É muito difícil a caminhada deles, o que pudermos facilitar a vida para eles, nós estaremos lutando para isso”, destacou. 

A entidade busca também voluntários. “As portas estão abertas para qualquer tipo de voluntariado. Seja médico, seja você que queira conhecer o trabalho e nos ajudar com as oficinas. Precisamos de doação para oficinas, doações de lã, linha, agulhas para crochê e tricô, são coisas banais para uns, mas para a gente não é, porque tem custo e nós não temos dinheiro para isso”, afirmou Gilda. Os interessados também podem colaborar com doações via PIX pelo CNPJ 38.232.978/0002-32.

Para finalizar, Gilda contou mais um pouco de sua trajetória e convidou para que todos façam parte da inclusão: “Na minha profissão eu aprendi sempre a me colocar no lugar do outro. Quando eu me coloquei no lugar do surdo, me doeu demais, porque o silêncio dói. Eles vivem em silêncio a vida inteira, eu me sinto porta-voz deles. Eu gostaria que cada um se colocasse no lugar de qualquer deficiente, não só do surdo. O que a gente não quer para gente, também não desejamos para o outro. Então se eu posso fazer o dia de alguém melhor, estou fazendo isso. Que essa inclusão seja real, e que possamos dar condições para que eles entrem em qualquer lugar e sejam atendidos dignamente”.

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