Na semana em que é comemorado o aniversário de Itaquaquecetuba, celebrado na próxima sexta-feira, dia 8 de setembro, o Café com Mogi News desta terça-feira (5) entrevista Rosemeire Graciano Iglesias Sanchez, presidente da Casa da Criança de Itaquaquecetuba, uma das instituições mais tradicionais da cidade. Atualmente são duas unidades, uma delas era um abrigo municipal, que acolhe crianças e jovens de zero a 18 anos em Medida de Proteção Judicial. 

Mais do que moradia, alimentação e educação, a equipe da instituição tem um papel transformador na vida dos jovens atendidos, como também daqueles que participam das atividades esportivas e culturais em polos da Casa da Criança na cidade.  Todos os professores dos polos são contratados pela Casa da Criança, assim como os cuidadores, psicólogos, nutricionistas, e demais profissionais. 

O sonho de Rosemeire é que o abrigo se transforme em um Centro Educacional. "A gente quer que as crianças não precisem estar lá porque não têm uma família, mas estejam para ter um futuro melhor, para aprender outras coisas", destacou. Saiba mais nesta entrevista especial, com apoio da Padaria Tita. 


Café com Mogi News: Como você chegou na Casa da Criança? Sua formação é advogada?
Rosemeire Graciano Iglesias Sanchez:
Na verdade, eu sou de Itaquaquecetuba. Minha mãe foi para lá quando eu tinha um ano de idade, e a gente cresceu lá. Quando eu terminei a faculdade, fui para a Europa, porque eu achava que precisava conhecer mais coisas. Ao voltar para Itaquá, em 2010, eu tive a oportunidade de conhecer o pessoal do Rotary Itaquá, e através deles, a Casa da Criança. É um grupo bastante ativo nas atividades da Casa da Criança. Começamos a participar como voluntário, íamos em todas as festas, ajudávamos as crianças e, um pouquinho antes de 2020, o Augusto César, que ainda é do Rotary e nosso vice-presidente hoje, me convidou para esse desafio.

Ele pediu para que eu me candidatasse à presidência. Eu fiquei um pouco apreensiva, porque na época eu morava em Bertioga, mas aceitei esse desafio. O pessoal acreditou em mim, ganhei a eleição para a presidência, mas foi uma época muito chata, porque foi bem no início da pandemia (Covid-19). A Casa da Criança vinha de fazer festas e eventos para a gente conseguir mais doações, e eu entrei naquela euforia toda e não fiz nada. O pessoal fala: 'Não, fizemos muito", mas não para mim.

Estávamos engessados, ninguém podia sair. As crianças ali 24 horas. Foi um período bem complicado, mas deu tudo certo, graças a Deus. Inclusive, na época tínhamos um projeto de ficar com a administração de um abrigo em outra cidade, mas por questões políticas não foi para frente. Continuamos com o abrigo e graças a Deus vai crescendo. Agora, nas últimas eleições, candidatei-me outra vez e fico até 2025. Estamos caminhando, queremos crescer. Claro que a nossa intenção não é abrir mais abrigos. O nosso sonho é que o abrigo vire um Centro Educacional e que as crianças não precisem estar lá porque não têm uma família. A gente quer que as crianças estejam lá para ter um futuro melhor, para aprender outras coisas.

É um sonho que a gente sabe que vai ser muito difícil de realizar, porque hoje isso não acontece nem em um país de primeiro mundo, imagina aqui, mas nós estamos caminhando para isso. Temos vários polos de aulas de balé, teatro, dança rítmica. Estamos dando um passinho de cada vez e espero conseguir atender as crianças de uma forma ampla, tanto as que estão no abrigo, quanto as que estão fora, para que não precisem entrar.


CMN: Como é o trabalho da Casa da Criança?
Rosemeire:
Hoje nós temos duas unidades. A Casa da Criança começou com a unidade do centro, lá em 1950, com a dona Zenaide e a dona Eunice, que inclusive recebeu o nome de uma creche subvencionada, em Itaquaquecetuba, e desde então segue no centro de Itaquaquecetuba. Ali são 20 crianças, do zero aos 18 anos. Dependendo da época, tem os maiores de 18 que continuam lá, porque não colocamos ninguém para fora. Nós queremos que essa pessoa saia um adulto responsável e com outra visão de vida.

Eles entram por ordem judicial, primeiro o Conselho Tutelar vai na casa, passa por um processo judicial e vão para a Casa da Criança. Nessa gestão, o prefeito Eduardo Boigues, graças a Deus, entrou com um olhar diferente. A primeira-dama (Mileide Queroz, a Mila) também é uma pessoa assim, com uma visão mais amorosa com as pessoas. A gente vê que é dela mesmo esse amor. Conseguimos através de um chamamento público trazer as crianças do Abrigo Municipal para a Casa da Criança também. Como cada unidade só pode ter 20 crianças, foi aberto uma segunda unidade para trazer essas crianças que estavam no Abrigo Municipal. Isso foi em fevereiro do ano passado. 

As crianças vão desde pequenininhas. Tem muitas que saem do Santa Marcelina (hospital) e vão direto para lá, muitas vão para a fila de adoção e outras continuam ali. O nosso trabalho, primeiro, é tentar inserir a criança na família, ver o que aconteceu. Não deu certo com pai e mãe, vemos se dá certo com avô, com tio, com alguém da família. Às vezes algumas pessoas entendem que o processo de adoção é muito demorado. Não é demorado, é relativamente rápido, o problema é que a gente precisa inserir a criança na família dela. Primeiro tentamos colocar na família, e se realmente não der certo, ela vai para adoção.


CMN: Para isso vocês têm equipe com assistente social, psicólogos?
Rosemeire:
Assistente social, psicólogos, junto com o Fórum, todo um processo judicial para inserir na família ou que seja destituído o poder familiar. Ela vai para adoção e é feito todo esse trabalho. Claro que as crianças que vão para adoção, menores de 2 anos de idade, são as que têm mais facilidade. A gente tenta colocar esse olhar nas pessoas, que você não precisa de um bebê. Se você quer um filho, você precisa de uma criança e as crianças maiores de 5 anos são as que mais necessitam de carinho, tanto que tem um trabalho psicológico muito grande quando elas passam dos 5 anos e veem entrando os bebês, que são adotados muito rápido, e  elas continuam lá.

Quando eles entram nessa faixa dos 16, 17 anos, nós, através de parceiros, fazemos esse trabalho de jovem aprendiz com eles. Nós ensinamos a fazer entrevistas, concursos, oferecemos capacitação. Eles entram como jovem aprendiz e têm o dinheiro deles, que a gente gere na poupança deles para quando tiver um valor suficiente, com 18 anos, eles consigam ter a vida deles. Tanto que são vários que já chegaram nessa idade, aos 18, com trabalho, casa alugada, com o seu cantinho.

Mesmo saindo, ele continua sendo assistido pela Casa por mais dois anos. Caso precise de apoio psicológico, da assistente social, qualquer tipo de apoio, ele é acompanhado para que saia de lá um adulto melhor, responsável, que sabe cuidar das suas finanças, da sua casa, sabe que tem responsabilidade para ir trabalhar. A gente tenta criar pessoas melhores para a comunidade.

CMN: Como vocês mantêm essa estrutura? Vocês tiveram a festa junina, realizada no centro?
Rosemeire:
Olha, a festa junina, na verdade foi uma coisa assim inacreditável. Nossas festas juninas, geralmente aconteciam na rua da Casa da Criança, que é uma rua sem saída ali no centro e na própria sede. Nós ficamos toda a pandemia sem fazer festas, então foi um desafio muito grande. A gente tem uma gratidão enorme pela Prefeitura de Itaquá, pelo prefeito, pela primeira-dama, pelos secretários que nos ajudaram muito. Foi uma festa que saiu completamente do padrão, foi uma loucura.

O pessoal que trabalha com a gente está de parabéns, porque suaram, trabalharam horas e viraram noites para que aquilo acontecesse. Foi uma festa muito legal, teve muita gente e ajudou bastante. Nós continuamos com outras festas. Na Festa Julina de Itaquá, que aconteceu na última semana de julho, nós tivemos uma barraca de milho. Nós temos essas ajudas, com eventos que a gente faz, empresas parceiras que nos ajudam, fazendo pagamentos mensais. Tem empresas que ajudam pagando a escola das crianças, porque a maioria está em colégios particulares de Itaquá.


CMN: Mas tem alguma restrição esse encaminhamento para a escola?
Rosemeire:
Não, o nosso foco é ter todas em colégios, e conseguimos pagar com doações, com padrinhos que ajudam, e a própria escola que tem um valor diferenciado para a Casa da Criança. Claro que uniforme, material escolar é a mesma coisa, só muda a questão da mensalidade, mas a gente tem várias ajudas nesse sentido. Tem ajuda da Prefeitura de Itaquá, ajudas do Governo do Estado de São Paulo, só que não é tudo que a gente precisa.
Por exemplo, da prefeitura, nós temos ajuda integral na unidade 2, porque era o Abrigo Municipal. Na sede temos ajudas, mas não engloba todos os gastos que a gente precisa, e são gastos muito grandes, porque imagina 40 crianças dentro de casa. Elas precisam comer, beber, divertir-se, passear e a gente quer que eles tenham uma vida normal, saudável, como qualquer outra criança que estivesse em casa. 

São gastos com fralda, leite. Imagina assim, na sua casa, com o filho você gastar uma caixa de leite por semana, ali é uma caixa de leite por dia, no mínimo, e fralda que está cara. A gente se mantém com as doações, com a ajuda dos empresários, como aqueles que nos ajudam quando já são adolescentes para o primeiro emprego e jovem aprendiz. Graças a Deus tem bastante gente engajada, de bom coração, que vem ajudando. Claro que a gente sempre precisa de mais ajuda, porque não vai acabar o trabalho, ele é constante, 24 horas, e demanda muito gasto.

CMN: Você falou da ideia de o abrigo virar um Centro Educacional. Você já tem algum projeto nesse sentido?
Rosemeire:
Nós hoje temos três polos culturais, com aulas de balé, teatro e dança rítmica. São para todas as crianças que queiram participar da cidade de Itaquaquecetuba. Nós temos um polo no bairro do Jardim Josely, um no Piratininga e um no centro, que é a sede. Hoje nós atendemos 400 crianças de Itaquá que participam desses cursos, inclusive agora em dezembro nós vamos ter a formatura e a apresentação dessa turma. Todos os anos, em todo mês de dezembro, nós temos essa apresentação. As crianças não pagam nada para participar dos cursos, é integralmente mantido pela Casa da Criança.

Claro que a gente precisa vender ingressos, vender alguma coisa e essas mães acabam ajudando, mas é de forma totalmente voluntária e as crianças não pagam para isso. Hoje nós temos esses três cursos, a nossa próxima ideia é reformar uma parte da sede da Casa da Criança que pegou fogo, infelizmente, há dois anos, destruindo toda a parte de administração. Foi uma marca muito grande, nós tínhamos arquivos de 1900 e pouco. Toda a história pegou fogo, foi muito triste, mas tudo está caminhando. Nós já fizemos uma nova área da administração e nessa área,  queremos colocar outros tipos de aulas, de atividades, como judô e xadrez. É a atividade mais próxima que a gente está caminhando para concretizar, e depois a gente vai vendo como consegue outras coisas.


CMN: Como você vê a evolução das crianças?
Rosemeire:
Olha, a maioria quando chega é uma coisa bastante triste e trabalhosa. As assistentes sociais e as psicólogas que ficam lá todos os dias, trabalham muito com essas crianças para inseri-las com as outras.
Muitas crianças que chegam, elas não sabem o que é um carinho, não sabem dar um abraço de boa noite. Muitas têm medo de tocar em você e que você responda com uma outra atitude que ela já está acostumada, infelizmente, no âmbito familiar dela, mas com o tempo você vê que muda completamente.

Todas elas adquirem hábitos de alimentação, de higiene, educação. É um trabalho bastante complicado, o pessoal lá trabalha muito, porque se você ver uma criança que acabou de entrar, e daqui dois, três meses você volta, você não reconhece. A criança muda demais, ela aprende a ser carinhosa, que existe amor, que outras pessoas e ela também podem dar amor.

E o que é muito triste, é saber que ainda existe muita criança hoje, às vezes do lado da sua casa e você não sabe, que ela não sabe o que é um abraço de boa noite, que não tem uma refeição completa, e lá ela tem tudo isso, tem todos os horários, então ela segue bem regrada. Tem um horário para tudo, para banho, para televisão, inclusive todas as manhãs elas saem para fazer caminhada no Parque Ecológico (de Itaquá) com as cuidadoras. Precisa fazer um pouco de exercício, queimar um pouco da energia, porque tem bastante.

CMN: Como você vê o futuro da Casa da Criança, ampliando esses polos que já existem?
Rosemeire:
Nossa intenção hoje é conseguir manter o que já está feito. Os nossos planos são ampliar o polo no centro, essas duas áreas, para isso a gente está contando com a Festa Junina e a Corrida da Casa da Criança (eventos já realizados) e com doações.

Um outro sonho que eu, pessoalmente, é a gente ter um polo em que sejam dados cursos para as mães carentes de Itaquaquecetuba, para que tenham cursos e onde deixar seus filhos, como uma creche comunitária. É uma coisa que precisa ser um pouquinho mais trabalhada, mas acho que uma ideia para nossa região que seria bem válida, porque você trata essa criança antes dela chegar no abrigo. A mãe tendo um emprego, uma geração de renda, uma atividade, sabendo que pode deixar a criança ali para ela desenvolver essa atividade, a gente vê que a o núcleo familiar muda.

É muito difícil. Às vezes a mãe sofre tanta coisa em casa, tanto abuso, não consegue trabalhar, não consegue fazer nada, e a criança está ali e acaba sendo um saco de pancada de tudo que a mãe está recebendo. Infelizmente é uma realidade muito triste, então eu acho que seria muito legal a gente conseguir até 2025, quem sabe ainda da minha presidência, um centro em Itaquá, um polo, onde a gente tem a creche, em que essas crianças fiquem ali enquanto a mãe está fazendo algum curso, prestando algum serviço para a própria comunidade. Assim, vamos minimizando esse risco da criança acabar indo para a Casa da Criança. A gente tenta dar todo o amor possível, mas não é a mesma coisa.


CMN: Qual é a demanda de vocês hoje, o que precisam?
Rosemeire:
É muito relativa, porque depende das doações que chegam. O que a gente pede para as pessoas é que antes de fazer uma doação, entrar em contato com a gente no WhatsApp, porque, por exemplo, hoje eu posso estar precisando de fralda, de leite, e muita gente acaba chegando com arroz e feijão, e a nossa demanda hoje é o leite e a fralda, mas na semana que vem pode ser que mude. 

Em dezembro, todo mundo lembra de doar brinquedos, mas em dezembro a gente também precisa de fralda. Não só fralda, outros itens que as pessoas acabam esquecendo são absorventes, escovas de dente, e coisas de higiene pessoal para os adolescentes, porque eles também precisam dessas coisas. Toda doação é bem-vinda, mas se você quiser direcionar, nós pedimos que entre em contato com a gente no WhatsApp para saber qual é a demanda dessa semana. O  número é o 4642-7251. 

Muito obrigada pela oportunidade de poder divulgar o nosso trabalho. Quem quiser ajudar, tanto com doações, como voluntário, empresas que queiram nos ajudar colocando nossos adolescentes no mercado de trabalho, nós estamos aí. Nós fazemos todo um trabalho psicológico com esses adolescentes que estão ingressando agora para que você não tenha problemas na sua empresa, e que a gente continue aí nessa trajetória.

Também queria agradecer toda a gestão pública de Itaquaquecetuba que tem ajudado muito, é incrível a ajuda deles. Não é puxando sardinha para ninguém, mas tem ajudado demais a gente lá na Casa da Criança, e agradecer vocês realmente pela oportunidade, foi muito bom estar aqui.


Serviço

Os interessados em colaborar com a Casa da Criança podem contribuir com o bazar realizado na sede na rua Benedito Fernandes Cruz, 60, no centro, onde é possível fazer doações e a compra de itens; também há os cofrinhos que ficam disponíveis em estabelecimentos comerciais da cidade, por meio da Nota Fiscal Paulista, e com a compra do panetone solidário que é vendido de forma personalizada com o logo da Casa da Criança e da empresa. Mais informações no site www.casadacriancaitaqua.org.br