O Café com Mogi News desta terça-feira (11) entrevista Benedito Tiarga, ex-policial militar e idealizador do projeto itinerante Sonho Brilhante. A iniciativa, além de receber crianças e jovens do Alto Tietê, atende de forma itinerante outras cidades de São Paulo e do Brasil, incentivando a prática esportiva como uma opção saudável e inspiradora.
No projeto, crianças e jovens, com idades entre 4 e 17 anos, participam de modalidades esportivas como corrida, luta, boxe, judô, entre outras. Uma oportunidade para trilhar novos caminhos e não se envolver com drogas, segundo o idealizador da iniciativa: “As crianças esperam por uma oportunidade no esporte que não vem, mas aí vem alguém, apresenta o mundo das drogas e a sociedade ganha mais um viciado.
Os pais caem em desespero, e perdem os filhos para as drogas simplesmente porque alguém não mostrou para essa criança que ela pode ser um campeão”, destacou Tiarga.
Desde a criação do projeto, mais de mil crianças já participaram de competições em várias cidades, como Guararema, Suzano, Mogi das Cruzes, Itaquaquecetuba e outras cidades além da região do Alto Tietê. Três nova etapas da corrida Evangélica Infantil devem ser realizadas até o final do ano, sendo a próxima neste domingo (16), na Vila Urupês, em Suzano.
O programa, com apoio da Padaria Tita, e as gravações são realizadas pela empresa F-Studio - Comunicação Institucional formada pelos publicitários Felipe Claro e Carla Miranda. Saiba mais nesta entrevista especial.
Café com Mogi News: O que é o projeto Sonho Brilhante?
Benedito Aparecido Tiarga: Obrigado por essa oportunidade. É muito gostoso e prazeroso falar daquilo que a gente ama e gosta de fazer. O projeto é uma atividade para levar o atletismo para as crianças da periferia de Suzano. Ele é dividido em seis etapas e a cada dois meses, fazemos uma etapa num bairro diferente da cidade.
CMN: É um projeto Itinerante, como ele funciona? Tem algum professor de Educação Física para treinar as crianças?
Tiarga: Exato, um projeto itinerante. Quanto ao profissional de Educação Física, nós temos o Fausto Pizzolato que faz parte da equipe organizadora e é presidente da Adat (Associação dos Desportos do Alto Tietê). Nós temos a professora Kátia, que mora em Guararema, e temos um atleta que foi campeão brasileiro de decatlo que é o Euclides Francelino, o professor Alex, e um atleta olímpico que é o Jeff Sabino. Isso nos traz uma experiência muito grande para transmitir para as crianças e temos alguns outros professores de Educação Física que são voluntários e vão nos ajudar.
CMN: Você comentou que sempre gostou de esportes, a ideia de criar o projeto foi pela sua paixão pelo esporte?
Tiarga: Sim. Eu comecei a correr com 16 anos de idade, só que naquele tempo não tinha tantas corridas, você treinava o ano todo para correr na São Silvestre e não era o que é hoje, uma prova de 15 km. Naquele tempo era 7 mil e poucos metros. Eu entrei na Polícia Militar e fui para escola de Educação Física da Polícia Militar. Nos anos 70, os melhores corredores do Brasil, praticamente, pertenciam à Polícia Militar. Eu sabia que já estava no caminho e posso citar aqui o sargento Romão que foi recordista brasileiro de 5 mil metros, 10 mil metros, 3 mil metros rasos, 3 mil metros com barreira, e outros corredores, como o sargento Roque, que é daqui da nossa região.
O tempo foi passando e fui morar em Itaim Paulista (Zona Leste de São Paulo), onde organizava duas corridas de rua. Todas as corridas que eu organizava de rua tinha a categoria infantil. São duas coisas que dão um prazer imenso na gente: pendurar uma medalha no pescoço de uma criança e dar um troféu para uma pessoa idosa, com seus 70, 80 anos, que termina uma prova de 10 km de 15 km. É um prazer muito grande que não tem dinheiro que pague.
CMN: O projeto Sonho Brilhante, ele trabalha com crianças e adolescentes de 4 a 17 anos atualmente, qual o número de participantes?
Tiarga: Nós não temos um núcleo de treinamento, quem sabe no futuro a gente vai conseguir ter isto. Nós só promovemos as competições e a cada competição nossa média é 150, 130 crianças. A última teve 189 inscrições, e infelizmente só 112 compareceram. Mas a gente pode explicar o porquê, como é um projeto itinerante, a criança não vai sair de um bairro para ir para outro, ela depende de condição, depende dos pais e nem sempre os pais têm disponibilidade para levar os seus filhos para participar de um torneio, de uma brincadeira dessa.
Eu falo brincadeira, porque a gente tem lanche para as crianças e medalha de participação para todos no final. Só tem um detalhe, não podemos perder o foco de competição, então nós temos medalha de ouro, prata e bronze para os três primeiros colocados por faixa etária, masculino e feminino, e por tempo de chegada. Nós temos algumas pessoas que ficam o cronômetro, algumas estão até aprendendo a mexer, mas tudo bem, é apenas para incentivar mesmo as crianças a praticar atletismo.
CMN: Você acha que o atletismo ele é uma porta de entrada para as crianças começarem no esporte, como propõe o projeto?
Tiarga: O esporte tem várias portas, e infelizmente no Brasil, só tem uma porta que é o futebol. Se você tem uma escolinha de futebol e vai levar seus garotos para participar de um torneio, vai colocar os 11 melhores em campo porque ninguém monta time para perder. Há crianças que ficam na cerca esperando uma oportunidade que muitas vezes não vem. Mas alguém chega nessas crianças e conta para elas as maravilhas das drogas e logo a sociedade ganha um viciado. Os pais caem em desespero e perdem os filhos para as drogas simplesmente porque alguém me mostrou para essa criança que ela pode ser um campeão, correndo, lutando, fazendo boxe, judô, natação ou qualquer outra modalidade, porque, nem todos nós nascemos com o dom de jogar bola. Eu mesmo não nasci com dom de jogar bola, ainda bem que com 16 anos eu acordei, comecei a correr e esqueci do futebol.
CMN: Você já participou de alguma competição?
Tiarga: Já participei de várias, como a São Silvestre, mas como eu falei naquela época a São Silvestre não era que é hoje, hoje é um glamour participar da São Silvestre.
CMN: O projeto inicialmente tinha outro nome, Sonho Olímpico, e mudou para Sonho Brilhante. Como foi essa mudança e a escolha do novo nome?
Tiarga: O projeto Sonho Olímpico surgiu de um texto que eu escrevi em 2002, que foi publicado no jornal e foi muito elogiado, muito comentado, mas nunca foi colocado em prática. Em 2019, numa reunião com o Sabino e o Euclides conhecemos uma pista. Tinha um evento para crianças, eu fui levar meu neto, nós começamos a conversar e resolvemos fazer algo para as crianças.
Como o próprio Sabino fala: “estamos indo embora, tendo que deixar algo para nossas crianças”. Aí nós começamos, marcamos uma reunião e eu levei o texto, eles gostaram e fomos colocar em prática. Só que lá na frente, depois de algumas etapas, recebi uma carta do Comitê Olímpico Brasileiro dizendo que nós não poderíamos usar a palavra “olímpico”, porque é de uso exclusivo do Comitê Olímpico Internacional. A Adat tem um projeto Futuro Brilhante, eu coloquei Sonho Brilhante e o pessoal da equipe gostou da ideia. Foi através da vereadora Gerice (Lione) que o Sonho Brilhante virou lei na cidade, e faz parte do calendário oficial de Suzano.
CMN: Vocês têm parceria então com as prefeituras nos locais onde acontecem as corridas?
Tiarga: Nós temos o apoio logístico da prefeitura. Se a rua está esburacada, a Operação Tapa-buraco vai lá, é notificado com antecedência, e a Secretaria de Manutenção Urbana faz a limpeza, pinta as vias, deixa o local bonito e no dia o trânsito vai, a GCM (Guarda Civil Municipal), ambulância. Temos também o apoio da Sabesp que manda água e a gente só fornece um ponto de energia e um ponto de água para que eles possam fornecer água às crianças e para quem está presente também. Em todos os eventos temos uma viatura da Polícia Militar no apoio.
CMN: Recentemente vocês realizaram a terceira etapa da Corrida Evangélica Infantil, no Jardim Boa Vista, em Suzano. Como foi, quantas crianças participaram?
Tiarga: Sim, a Corrida Evangélica Infantil teve a terceira etapa no Boa Vista, no dia 28 de maio e tivemos um total de 189 inscritos e a participação de 112 crianças, mas ali deu para provar que o objetivo do projeto é atingido, porque a nossa intenção é atender as crianças da comunidade local onde vai ser feito o evento. É um movimento muito gostoso e a igreja dá total apoio, o estacionamento cabe mais ou menos 40 carros, tem a cantina e os banheiros. A premiação é feita dentro da igreja para os três primeiros colocados por faixa etária e em cada modalidade.
CMN: Haverá mais alguma etapa durante ao longo deste ano?
Tiarga: Sim, nós temos mais três etapas esse ano No dia 16 de julho será na Vila Urupês, chamada Corrida Monteiro Lobato. Costumo falar que o projeto Sonho Brilhante também é cultura, enaltecemos o nome do Monteiro Lobato porque aquela região ali praticamente foi toda de Monteiro Lobato e Vinícius de Moraes. Várias ruas ali tem nome de obras deles, inclusive o próprio bairro Urupês é a primeira obra do Monteiro Lobato. Eu fico satisfeito, porque eu moro ali, é muito bom.
Depois nós vamos ter a quinta etapa, que será na Chácara Unidas, e a última etapa do ano vai ser em novembro. Essa etapa é a mais bonita, porque é feita dentro de uma praça esportiva, uma praça completa com pista, tanque de areia e salto a distância, onde dá para fazer todas essas modalidades. Essa última etapa leva o nome do nosso garoto-propaganda Jeff Sabino. Em todas as etapas nós damos medalhas, mas na última é troféu de primeiro, segundo e terceiro colocado.
CMN: Qualquer criança e adolescente pode participar, basta se inscrever?
Tiarga: Qualquer criança pode participar, não tem problema nenhum. Seja praticante já ou não.
CMN: Mas eles têm uma preparação antes para fazer essa etapa?
Tiarga: No dia há sempre algum voluntário, o Jefferson Sabino é um deles. Quando ele está presente, faz o aquecimento com as crianças para poder correr sem o risco de ter uma lesão.
CMN: Também participaram crianças e adolescentes da Apae de Poá, como eles estão envolvidos no projeto?
Tiarga: A gente manda o convite para as Apaes,inclusive para a APAE de Suzano. Estivemos lá pessoalmente entregando os panfletos. Eles participaram da segunda etapa e foi muito legal. A gente faz uma prova especial para eles, e alguém da nossa equipe que gosta de correr e esteja mais ou menos preparada, os acompanha para evitar uma queda ou coisa parecida, e para incentivar. Nessa etapa no Jardim Europa que eles participaram, foi eu corri junto com as meninas. Teve uma cadeirante que mora no bairro que quis participar e um colega empurrou a cadeira dela com a gente. Foi muito bacana, muito bacana.
CMN: O projeto Sonho Brilhante visa trabalhar com crianças e adolescentes de periferia. Houve algum caso que vocês tiveram que ajudar alguma criança ou a família que estava em alguma situação de vulnerabilidade social?
Tiarga: Olha, criança que participou do projeto ainda não tivemos esse conhecimento que esteja numa situação difícil, mas nós tivemos contato com dois garotos, que são irmãos gêmeos. Eles eram campeões paulistas estudantis de salto em altura, ficaram órfãos da mãe e o pai ficou doente pela mãe que tinha acabado de falecer. Praticamente quem cuida desses garotos é a própria professora. Eles iam participar do Campeonato Brasileiro Estudantil, no Rio, e ela falou que eles não tinham tênis. Nós pensamos o que poderíamos fazer, e conversamos com a Roger’s Sports, e eles simplesmente vestiram os dois garotos para ir para o Rio de Janeiro. Eles começaram a correr nas nossas corridas também, e foi muito legal. Mas as pessoas não sabem da dificuldade que um atleta de modalidades olímpicas tem para poder se manter e treinar. Às vezes não tem local próprio para treinar, não tem uniforme, não tem um tênis apropriado, não tem nem quem possa acompanhar numa competição. Essa professora, o nome dela é Edna, e ela está de parabéns pelo que ela faz com esses dois garotos. Ela se tornou técnica, professora e mãe desses garotos.
CMN: E como você pretende expandir o projeto para alcançar mais crianças?
Tiarga: Tem um amigo meu do Itaim Paulista, que leva o netinho dele para correr em todas as etapas. Tem alguns garotos que aparecem na hora, faz a inscrição e eu costumo anotar de onde é esses garotos que vem, para mim é importante saber de onde vem esses futuros atletas. Vem criança de tudo quanto é lugar para correr, mas o objetivo mesmo é atender aquela comunidade onde ele tá fazendo o projeto, é ver os pais saindo no portão e torcendo pelos seus filhos.
CMN: Como é a participação dos pais?
Tiarga: É ruim, deveria ter uma lei que proibisse a presença dos pais nas competições, porque fica torcendo para o filho, e tem briga com outro pai. Em Cabrália, na Bahia, nós organizamos o projeto duas vezes e em 2021 e 2022, fizemos dentro da aldeia da comunidade indígena Pataxó e foi muito legal levar algo novo para aqueles meninos. Muito legal, essa vibração também é importante. Na corrida de rua, quando a criança chega, o pessoal do cronômetro quer pegar o tempo da criança e o número para passar para o outro rapaz que vai levar para fazer a classificação, mas a criança está procurando os braços do pai. Tem pais que ficam na chegada e também atrapalha para pegar o seu filho. Vocês fizeram uma foto de um garoto que saiu na página inteira, vocês não tem noção de como a avó desse garoto ficou vendo a foto do garoto dela no jornal. Ela ficou superemocionada, tanto é que ela virou agora uma seguidora do projeto. Estivemos no bairro dela, ela se voluntariou para fazer os lanches com as amigas, só levamos os ingredientes. Ela estava na igreja com seu netinho e as outras crianças da vila que ela levou. Foram 10 ou 12 crianças para participar e foi legal.
CMN: Conta pra gente algum caso de sucesso ou alguma história inspiradora de algum participante do projeto Sonho Brilhante.
Tiarga: Esse projeto é novo, começamos em 2019, e ficou quase dois anos parado por causa da pandemia, ainda não deu para revelar ninguém, mas a gente vê o interesse das crianças em continuar participando, em correr. Os pais falam que quando está chegando perto as crianças ficam lembrando e isso é um caso de sucesso. Por exemplo, saber que a gente conseguiu motivar as crianças, isso é muito bom, mas quem sabe em uns 4,5 anos, a gente vai ver muitas crianças dessas dando entrevista, falando que começou no Sonho Brilhante.
CMN: Vocês têm a premiação Sabino?
Tiarga: É a última etapa, o Troféu Jefferson Sabino. Ele é o nosso garoto-propaganda, um cara muito humano e gente boa.
CMN: Quais são os planos futuros para o projeto Sonho Brilhante?
Tiarga: A meta era fazer com que esse projeto chegasse em toda cidade do Alto Tietê, para que no futuro pudéssemos ter um Torneio Brilhante, mas acredito que em outubro a gente já vai ter mais uma cidade com o projeto Sonho Brilhante, e será em Itaquaquecetuba. Nós fazemos parte do núcleo do Lions Clubes de Itaquá, e eu comentei sobre o projeto. Eles também ficaram sabendo através das mídias e mostraram interesse de fazer em Itaquá. Já tivemos uma reunião com o secretário de Esportes, que também achou interessante em outubro, e está reservada a data de 8 de outubro no Parque Ecológico. Esta vai ser a primeira etapa lá, e agora a gente pretende que seja como Suzano e fazer na periferia. Normalmente essas crianças que participam, elas dependem que o pai ou a mãe levem e às vezes não dá.
CMN: Como as pessoas interessadas podem fazer parte do projeto Sonho Brilhante?
Tiarga: O Sonho Brilhante é que nem coração de mãe, sempre cabe mais um. Tivemos dois rapazes do Jardim Colorado, onde a gente tem uma entidade. Eles viram pelas redes sociais e foram lá saber como é que funciona, quem eu era, quem era a Virginia, e nós apresentamos para eles. Já tivemos uma reunião com o grupo da Vila Urupês para a próxima etapa, eles participaram da reunião também e já se colocaram à disposição para ajudar naquilo que for preciso. Para os interessados, temos a rede social onde você vai encontrar o Sonho Brilhante no Instagram e também no Facebook.
*Texto supervisionado pelo editor.