Sabemos que existe um esforço muito grande de determinados setores sociais, para inflar o otimismo das pessoas em relação ao desempenho da economia brasileira demonstrado no passado recente. Mas creio que quando se exagera na dose, o resultado pode ser a desconfiança.

Então vamos lá ver essa questão de perto. Empreendedorismo é um conceito bastante amplo e, por isso mesmo, não é raro que as pessoas fiquem confusas ao utilizá-lo. Talvez, uma das melhores definições é aquela que diz o seguinte: “o empreendedorismo é a capacidade individual de identificar problemas e oportunidades e, a partir disso, encontrar as melhores soluções”. Ou seja, empreender consiste em ação para a promoção da inovação, por meio da criatividade. Boa parte da base conceitual para a compreensão do empreendedorismo está no livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, do economista americano de ascendência austríaca Joseph Schumpeter. O economista austríaco usou a palavra “empreendedor” para denominar o indivíduo que promove o que ele chamava de “destruição criativa”.

Pois bem. Onde estão os rastros desses conceitos naqueles que não conseguem se recolocar no mercado de trabalho em áreas de sua formação e passam a conduzir um veículo de aplicativo? Passa de 1,7 milhão o número de motoristas de aplicativos que se cadastraram como microempreendedor individual (MEI) o que indica que número total dever ser bem maior do que esse. Uma parte desse universo é composta por aqueles que conduzem seu próprio veículo. Mas é muito provável que a maioria dirija um carro alugado e, portanto, trabalham mais e ganham menos.

Além dos motoristas de aplicativos, temos também aqueles que são entregadores de ifood, que somam mais 500 mil seres humanos. Eles usam motos, bicicletas, patinetes etc. São subempregados que ganham pouco, não vão se aposentar e não possuem diversos outros direitos. Muitas vezes carregam comida nas costas para a entrega estando com fome. Eles fazem parte dos 41% da população ocupada do país que atua no mercado informal.

A média de ganhos dessas categorias só vai aumentar, com o crescimento da economia e a migração de parte desse efetivo para o mercado formal de trabalho. Em alguns segmentos econômicos isso já vem acontecendo.

Definitivamente, o trabalhador precarizado não é empreendedor. Ele é alguém que está submetido a uma exploração aviltante. 

 

Afonso Pola (afonsopola@uol.com.br) é sociólogo e professor.