"Canção dos homens", de Lya Luft, poetisa e romancista brasileira, dedicada ao homem cuja mulher ama e com ela vive: "Que quando chego do trabalho ela largue por um instante o que estiver fazendo - filho, panela ou computador - e venha me dar um beijo como os de antigamente. Que quando nos sentarmos à mesa para jantar ela não desfie a ladainha dos seus dissabores domésticos. E se for uma profissional, que divida comigo o tempo de comentarmos nosso dia. Que não tire nosso bebê dos meus braços dizendo que homem não tem jeito para isso, ou que não sei segurar a cabecinha dele, mas me ensine docemente se eu não souber.

Que ela nunca se interponha entre mim e as crianças, mas sirva de ponte entre nós quando me distancio ou me distraio demais. Que ela não me humilhe porque estou ficando calvo ou barrigudo, nem comente nossas intimidades com as amigas, como tantas mulheres fazem. Que quando conto uma piada para ela ou na frente de outros, ela não faça um gesto de enfado: "Essa você já me contou umas mil vezes".

Que ela consiga perceber quando estou preocupado com trabalho, e seja calmamente carinhosa, sem me pressionar para relatar tudo, nem suspeitar de que já não gosto dela. Que quando preciso ficr um pouco quieto ela não insista o tempo todo para que eu fale ou a escute, como se silêncio fosse falta de amor. Que quando estou com pouco dinheiro ela não me acuse de ter desperdiçado com bobagens em lugar de prover minha família.

Que quando eu saio para o trabalho de manhã ela se despeça com alegria, sabendo que mesmo de longe eu continuo pensando nela. Que quando estou trabalhando ela não telefone a toda hora para cobrar alguma coisa que esqueci de fazer ou não tive tempo. Que não se insinue com minha secretária ou colega para descobrir se tenho amante. Que com ela eu também possa ter momentos de fraqueza ou de ternura, me desarmar, me desnudar de alma, sem medo de ser criticado ou censurado: que ela seja minha parceira, não minha dependente nem meu juiz".


Mauro Jordão é médico.