O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), entrou em uma seara perigosa. Com o vazamento dos áudios trocados entre ele e o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, divulgados no site da revista Veja na terça-feira passasa, fica evidente pelas gravações que Bolsonaro considera a Rede Globo sua "inimiga" política. Desde a campanha presidencial, no ano passado, tanto a Folha de S.Paulo como o Estado de S.Paulo, jornais com forte influência, têm se empenhado em investigar o passado da família Bolsonaro para esclarecer diversos pontos duvidosos. A rota de colisão com a Imprensa brasileira é de extremo risco para um governo nascido de um discurso polêmico e radical, com frágil sustentação política e histórica.
Militar de carreira, o capitão da reserva sempre demonstrou inflexibilidade diante de casos polêmicos. Conquistou uma considerável parcela do eleitorado justamente pelas palavras ríspidas, típicas de um político que não se cala, mas, ao mesmo tempo, não mede as consequências de sua fala. Com esse perfil, jamais conquistou a simpatia da Imprensa, setor que desafia sempre que possível. A mesma estratégia foi adotada pelo então presidente Fernando Collor de Melo em seu mandato iniciado em 1990 e encerrado dois anos depois, após sofrer um processo de impeachment. Collor não soube avaliar o poder da Imprensa, desdenhou da relação com os jornalistas, perdeu forças no Congresso Nacional e foi execrado pela população até renunciar ao cargo.
É cedo para afirmar que a história de Bolsonaro terá fim semelhante a de Collor, mas os ingredientes usados até aqui são bem parecidos. Por enquanto, o presidente mantém a força do eleitorado que o colocou no poder, mas enfrenta uma marcação cerrada da mídia. A prova de fogo deve ficar por conta do projeto de reforma da Previdência entregue ao Congresso na quarta-feira passada. Caso consiga apoio da maioria dos senadores e deputados, Bolsonaro pode aprovar a proposta e estreitar a relação com o Legislativo. Durante o percurso, porém, precisa resolver suas diferenças com a Imprensa para não ser taxado pela mesma como "inimigo do povo".