O Café com Mogi News desta terça-feira (22) destaca as ações do Instituto Emaús, criado há 18 anos em Suzano. O trabalho começou com o desejo do padre Ademir Andrade de Sá, da Paróquia São Sebastião, de desenvolver um trabalho social que tirasse crianças da rua. Com o tempo, o propósito da entidade se tornou ressignificar a vida de pessoas, trazendo oportunidades e condições de mudança também para adolescentes, pessoas em situação de rua e dependentes químicos. A entrevistada do novo episódio, produzido com apoio da Padaria Tita, é a coordenadora da Casa Madre Teresa, um dos braços do Emaús, Valdinete Ferreira dos Santos, que é estudante de Assistência Social.
Café com Mogi News: Como começa o Instituto?
Valdinete Ferreira dos Santos: O Instituto Emmaus nasceu, na verdade, de uma comunidade religiosa. Nós somos uma comunidade religiosa, a Comunidade de Vida e Aliança Emaús, e o Instituto nasceu de um sonho do padre Ademir, que ficou bastante tempo no centro de Suzano, na paróquia São Sebastião. Ele tinha o desejo de tirar as crianças da rua, do entorno da paróquia. Elas faziam uso de entorpecentes e estavam sempre ali na igreja com o pessoal. Um dia, numa missa, ele falou desse sonho, e para isso ele teria que ter um espaço. Ele sonhava com um sítio, um lugar onde ele pudesse acolher essas crianças, e apareceram dois empresários e fizeram a doação de um sítio, onde hoje temos a nossa casa-sede, que é a Casa Nossa Senhora de Guadalupe. Nesse sítio foi construída uma casa para acolher as crianças. Em contrapartida, nascia também a Pastoral de Rua, que é onde eu entro na história, em 2006. Eu participava das vigílias que aconteciam.
Café com MN: Você é assistente social? Qual é a sua formação?
Valdinete: Estou cursando Assistência Social, porque é a necessidade. Hoje eu falo que eu vou buscar o diploma, a prática eu já tenho, vou buscar a teoria. Então, começou-se um curso, uma formação para pessoas que queriam fazer um trabalho com a população de rua, e eu sempre tive esse desejo de cuidar das pessoas em situação de rua. Dentro dessa formação, veio o crescimento da Casa Nossa Senhora de Guadalupe. A gente começou esse trabalho, a casa foi construída com a ajuda de vários empresários, com a promoção de eventos, de rifas. Então, passamos a acolher as crianças, tirando ali do centro de Suzano, da praça, e em contrapartida, nascia a Pastoral de Rua. Um grupo, na época, de 45 pessoas participou dessa formação.
Café com MN: São diversos os motivos que levam a pessoa para uma situação de rua.
Valdinete: Muitos. Sempre que eu recebo alguém pela primeira vez na Casa Madre Teresa, eu falo que a pessoa em situação de rua, ninguém vai pra rua porque quer, sempre tem um motivo. Sempre houve uma situação. Eu vivi em situação de rua lá atrás. Aos 15 anos de idade eu saí de casa e acabei na rua. Não foi muito tempo, mas eu vivi uma experiência.
Café com MN: Já é um olhar diferente de alguém que nunca teve essa vivência.
Valdinete: E você vê que são várias situações que podem levar uma pessoa pra rua. A grande maioria da população de rua hoje é de dependentes químicos, são usuários de álcool e drogas. Mas, existem pessoas que foram pra rua por uma série de situações. Então, discriminar a pessoa em situação de rua é uma situação muito complicada, porque a gente não sabe o nosso amanhã. No amanhã eu posso estar em situação de rua. Então, eu sempre tenho essa questão.
Café com MN: E a gente viveu aí um período de pandemia também, que agravou a situação financeira de muita gente, que também acabou levando a isso.
Café com MN: Muitas pessoas hoje estão em situação de rua decorrente a pandemia, porque eram pessoas que viviam sozinhas, que tinham emprego e perderam, que hoje não tem mais condições de pagar aluguel. Infelizmente, estando na rua, conheceram a droga. A questão da pandemia aumentou muito o número de pessoas em situação de rua.
Café com MN: A Casa Madre Teresa inicia com essa pastoral?
Valdinete: Com o passar do tempo, a gente não pôde continuar o trabalho com as crianças por conta de documentação, Conselho Tutelar, uma série de situações. Todas as crianças que nós tínhamos acolhidas foram direcionadas para a família, aquelas que tinham algum vínculo familiar. Aquelas que não tinham, foram para outros abrigos, e ficou aquela casa, uma casa muito boa, um espaço bom. "O que vamos fazer?". Então, a comunidade, todo mundo junto, o padre falou: "O que a gente vai fazer com essa casa?", porque ela foi criada com a finalidade de ajudar algumas situações. Então, pensou-se, o que acontece, pensando lá atrás, que está gritando que as pessoas necessitam de ajuda. E veio a questão da dependência química. As casas terapêuticas hoje, a grande maioria delas é particular e tem um custo alto. E as famílias de baixa renda não têm condições de bancar um tratamento dentro de uma comunidade terapêutica, porque é caro. Vamos lá mudar a casa para uma comunidade terapêutica. Então, buscou-se conhecer, saber como funcionava, e começou a funcionar a Casa Nossa Senhora de Guadalupe como comunidade terapêutica. Esse ano, em setembro, ela completou 13 anos de existência como comunidade terapêutica.
Café com MN: Tem uma ideia do número de atendimentos?
Valdinete: Olha, já passaram por nós, eu não tenho o número exato, mas até o ano retrasado, que eu estava coordenadora lá, a gente tinha um número de 600 e poucas pessoas que já tinham passado lá no tratamento. Não só de Suzano. Todo mundo que procura a Casa Nossa Senhora de Guadalupe, não importa a região, a gente tendo vaga, fazemos o acolhimento da pessoa. E, em contrapartida, nasceu o Projeto Dom Bosco.
Nós pensamos que a Casa Nossa Senhora de Guadalupe vai cuidar do dependente químico, mas o que a gente pode fazer para evitar que os jovens cheguem nas drogas? Então, o Projeto Dom Bosco começou com um trabalho mais preventivo, em parceria com o Senai, oferecendo cursos para as pessoas do entorno, do bairro (Jardim Gardênia). Lá temos uma comunidade carente grande, uma invasão que quando nós começamos a missão lá, tínhamos 200 famílias. Hoje a gente não consegue mais saber quantas famílias tem.
Cresceu muito aquela região ali de Suzano, Jardim Gardênia, Europa, Varã, a população ali é muito grande e carente. Então, nasceu o Projeto Dom Bosco para a gente evitar essa questão, mas tinha o pessoal na rua. Aquele grupo começou a fazer o trabalho na rua, de sair, nós saímos três vezes por semana pela Pastoral de Rua. Então, dividiu aquele grupo, e aquele grupo foi diminuindo, porque requer habilidade, disponibilidade e amor. A grande maioria das pessoas foram desistindo desse trabalho, fomos ficando com um grupo reduzido.
Café com MN: Tem que se doar mesmo, às vezes você se depara com realidades muito duras, que são muito difíceis de absorver.
Valdinete: E haviam situações que a gente encontrava na rua que machucam. Então, chegam momentos dolorosos. Eu vivi muitas experiências na rua que eu chegava na minha casa e não conseguia dormir. Eu chorava por conta daquela situação, porque eu tinha que fazer algo mais. E não era só aquilo. Tínhamos o sonho de ter uma casa para acolher as pessoas em situação de rua. Em 2015, nasceu a Casa Madre Tereza de Calcutá. Conseguimos parceria com um empresário que nos ajudou a pagar o aluguel de uma casa ali na rua do shopping. Nós ficamos lá entre cinco e seis anos. A gente acolhia as pessoas em situação de rua para tomar café da manhã, para almoçar, para tomar banho, para jantar.
Continuávamos num grande dilema, porque a gente tinha que fechar a casa à noite, porque funcionava praticamente só com voluntários. A gente tinha as voluntárias que iam para nos ajudar na higienização, na lavagem de roupa, fazer a comida. Era tudo voluntário, e não tinha voluntários que ficassem à noite, que pernoitassem. Nós tínhamos a grande dificuldade de cuidar da pessoa o dia inteiro e chegando a noite, precisar mandar ela embora. E os dias de frio e chuva eram os mais difíceis. E tinha situações que a gente não tinha como mandar a pessoa embora. Eu cuidei de uma senhora que teve um derrame e era alcoólatra, e não tinha como ficar com ela na rua. O pessoal da Pastoral de Rua, que foi ser voluntário na Casa da Madre Tereza, a gente revezava, até conseguir resolver a situação dela. E nós conseguimos, graças a Deus. Hoje, infelizmente, ela faleceu, mas conseguimos com que ela fosse para o hospital, fosse aposentada, recebesse um benefício, pagasse um aluguel. Para algumas pessoas, a gente fazia essa articulação para mudar a vida.
Café com MN: Tem histórias que a vida de alguém foi transformada?
Valdinete: Sim, e vale muito a pena. Nesses anos de Pastoral de Rua, de Casa da Madre Tereza, vamos pegando uma série de situações. E algumas histórias marcam, ficamos em situações complicadas. Eu nunca esqueço de uma moça que encontramos dentro do lixo, literalmente. Um dia de frio, chuvoso, e ela estava dentro do lixo. Ela devia ter em torno de 28, 30 anos. E a gente não tinha casa para levar aquela moça para dar um banho, e ela precisava de um banho. Pedimos ajuda numa outra instituição, no Bom Samaritano. Muito marcante que quando tiramos a bota que estava no pé dela, o pé dela estava extremamente inchado, ferido dentro daquela bota. E quando você vai dar banho na pessoa, você vê que a pessoa está há muito tempo sem tomar banho. É uma situação bem complicada, muito dura. E você fica pensando como o ser humano se perde dentro de uma situação, de uma condição, que ele chega àquele ponto de ficar dias e dias sem tomar um banho, sem tirar o sapato do pé. São situações bem complicadas.
Fomos vivendo isso no decorrer desses anos. E nós tínhamos o sonho de ter um lugar que pudesse ficar aberto à noite, porque é muito difícil jogar a pessoa para a rua, deixar ela ali no frio. Nós conseguimos uma parceria, através do edital, que ajuda a gente a manter a casa, porém, a gente continuava sem ter espaço próprio, e conseguimos um empresário que nos doou a casa, então, hoje, a Casa Madre Tereza também é um prédio próprio onde funcionamos 24 horas por dia. A gente acolhe irmãos o tempo todo lá, dentro desse espaço que essa pessoa, esse anjo que apareceu na nossa vida e ele comprou o terreno, construiu a casa e deu pra gente. O trabalho da Emaús vai crescendo dessa forma, acredito que Deus vai olhando as nossas necessidades e vai encaminhando para que a gente vá conseguindo com que as coisas aconteçam.
Nós temos 40 vagas e acolhemos essas pessoas. Temos gente nova todos os dias, pessoas de vários lugares. E às vezes a pessoa chega e pede para a gente: "Eu queria um tratamento, porque eu estou há tanto tempo na rua, nas drogas, eu não consigo mais". Hoje a gente criou uma ponte entre a Casa Madre Tereza e a Casa Nossa Senhora de Guadalupe. Lá na Madre Tereza fazemos um processo de triagem e encaminhamos para tratamento na Casa Guadalupe quando a pessoa está disponível para isso. Hoje já temos uma parceria, também, para a seleção de empregos. Tem um curso preparatório que eles participam e a gente encaminha para empregos. A gente tem aquele processo de reencontrar a família, de fazer um vínculo para a família aceitar a pessoa de volta. Então, todo esse trabalho acontece dentro do Emaús.
Café com MN: E você resolveu se especializar mais e foi fazer Assistência Social.
Valdinete: Isso, eu depois de tantos anos só na prática. Hoje estou no segundo semestre de Assistência Social, porque a gente vê a necessidade dessas pessoas. Elas necessitam que alguém faça por elas. E a gente pega muitas situações. Hoje a temos uma situação de uma moça que tem problemas mentais. A mãe faleceu, o irmão que era o tutor dela é dependente químico. Ele usava do benefício dela para manter o vício e a abandonou. Estamos na luta para conseguir uma residência inclusiva para ela, algum lugar para que ela possa ser amparada. Hoje a Casa Madre Teresa funciona nesse sentido.
Nós temos também o projeto Dom Bosco, o "Asas da Alegria", que é um projeto que trabalhamos com as crianças, também ali do entorno, as crianças carentes. A meta é fazer com que essas crianças não conheçam o mundo das drogas, não venham a ser pessoas em situação de rua futuramente. Então, se trabalha com essas crianças essa questão de no contraturno escolar não ficar na rua, não ficar aprendendo coisas que não se deve.
Café com MN: Também com jovens? Vocês tem parceria com a EDP, com o Senai?
Valdinete: Com os jovens, temos parceria com o Senai para os cursos. Hoje temos curso de informática. A gente tem atendimento a 500 crianças. São 300 no Núcleo Dom Bosco e 200 crianças no Miguel Badra, que é um outro núcleo que a gente abriu.
Café com MN: Há também o Trilhando Novos Rumos, os Jovens Esportistas.
Valdinete: É tudo no Dom Bosco, só que são projetos diferentes. A gente tem oficina esportiva e cultural com 500 crianças, sendo 300 no Dom Bosco, mais 200 no Miguel Badra. O profissionalizante, a gente atende hoje cerca de 150 pessoas, são vagas conforme vai passando os cursos e tem parcerias com o Senai. E é esse que é o profissionalizante que atende o público de 13 e a de 17 anos. E temos esses projetos, que são pensados em fazer com que essas crianças e esses jovens não venham a necessitar nem da Casa Madre Tereza e nem da Casa Nossa Senhora de Guadalupe, porque a criança praticando esporte, tendo uma outra vivência, ela vai conhecer um outro nível de vida, de participar de campeonatos, de vir a futuramente ter um outro direcionamento. Então, o Instituto Emaús, hoje, tem essa preocupação, de fazer com que a criança, com que o jovem, não venha a necessitar dos nossos outros trabalhos.
Café com MN: E como você vê, então, o futuro da instituição? O que você espera para os próximos anos?
Valdinete: Olha, já conversamos, às vezes, sobre isso. Nós, como comunidade religiosa, o trabalho do Instituto Emaús cresceu. Hoje temos uma dimensão do trabalho que talvez a gente não tinha, tínhamos sonhos, mas não pensamos que chegaríamos tão rápido onde chegamos, com todos os trabalhos que a gente tem. A nossa meta é continuar crescendo, porque hoje nós vemos, por exemplo, na Casa Madre Tereza - eu falo muito de lá porque eu estou lá - uma situação que tem crescido muito, que é a questão das pessoas com problemas mentais que estão na rua. O Estado fechou os sanatórios, fechou todas aquelas casas que mantinham essas pessoas. E hoje, nem todas elas tiveram famílias para que elas fossem acolhidas.
É uma demanda que a gente tem, que a gente precisa pensar com carinho, de ter um lugar para acolher pessoas com problemas mentais, porque temos um número grande de pessoas nessas condições e, por exemplo, nós não temos estrutura para cuidar delas. A nossa estrutura hoje é para acolher a pessoa em situação de rua e dependente e químico, mas a pessoa que tem problema mental, não temos essa estrutura. Então, já seria um outro trabalho, outro projeto. A gente vai pensando, criamos um projeto para uma situação, depois outra situação e aparece outra situação.
Café com MN: E voltando um pouco, como é que se mantém? Você falou do edital, tem leis de incentivo, mas, não é fácil o dia a dia?
Valdinete: É difícil o dia a dia, o Instituto Emaús, durante muitos anos, a gente trabalhou e ainda trabalha muito. Realizamos eventos. Geralmente, em dezembro, sempre temos uma rifa solidária, e vamos fazendo eventos, bingos. A gente vive de doações. Por exemplo, a Casa Madre Teresa, não temos condições de comprar roupas para os irmãos. E eles chegam lá precisando trocar de roupa e, na maioria das vezes, a roupa é assim, tirou e jogou no lixo. Não tem condições. Não temos estrutura para lavar aquelas roupas, porque precisaríamos ter uma máquina de água quente para desinfectar. Necessitamos de doações de roupa. E a nossa demanda, o nosso público, 95% são homens. Recebemos toneladas de roupa de mulher, então, fazemos uma seleção com aquelas roupas. Temos o bazar, porque a verba do bazar ajuda a manter as contas. Então, é evento, é rifa.
Café com MN: É sempre aberto a parceiros, voluntários, como as pessoas podem colaborar com a instituição?
Valdinete: Sempre, sempre. Necessitamos de voluntários. Temos voluntários que fazem captação de doação para gente. A gente tem uma voluntária que toda semana cozinha para a gente, para servir almoço pros meninos. Ela traz a doação da vizinha dela que tem uma quitanda. A gente aproveita tudo. Então, a gente necessita de doação de roupas, doação de legumes. Precisamos de tudo isso. A gente tem um grupo de voluntários, tem alguns que estão com a gente já há bastante tempo, desde o início dos nossos trabalhos e quando tem um evento, quem trabalha nos eventos? Os voluntários. Chamamos todo mundo. Parte da instituição, parte da obra é mantida dessa forma.
Nesses anos todos, eu vi muita transformação de vida de voluntários, pessoas que estavam fechadas em casa, com depressão, e porque não tinha mais sentido, porque não tinha o que fazer. Aí começou lá na Madre Tereza, ouve uma história aqui, ajuda uma pessoa acolá, e aí fala: "Nossa, o que eu estou fazendo com a minha vida?". Então, tivemos bastante casos de pessoas que saíram da depressão e se tornaram pessoas ativas por conta dessa questão de se doar. Quando você se coloca a serviço do outro, quando você se doa, o seu problema é mínimo, é mínima a sua situação, porque você se empenha para ver o outro crescer, então, isso é muito bacana.
Dentro do nosso grupo de voluntários, hoje eu tenho voluntárias que são super amigas e uma cuida da outra. A gente teve a questão de uma voluntária que nos deixou, que faleceu, mas quem cuidou dela até os últimos dias foram as outras voluntárias que se tornaram amigas. São várias histórias e você vê que você vai para ajudar alguém, e você é ajudado. Você começa a ver a importância que tem ajudar o próximo. Então, dentro do Instituto Emaús existe essa possibilidade, nós necessitamos de ajuda e às vezes as pessoas que vêm nos ajudar também precisam de ajuda. É uma troca, essa ajuda mútua entre as pessoas, esse é o nosso trabalho, esse é o Instituto Emmaus, uma série de coisas para fazer, a nossa vida é uma loucura!
Café com MN: Pra gente finalizar, você falou muito da questão da pessoa em situação de rua. Deixe uma mensagem final para as pessoas, para ter um olhar diferente sobre essa população, um olhar de mais carinho, mais atenção.
Valdinete: Eu todos esses anos trabalhando com as pessoas em situação de rua, quando eu vejo uma pessoa em situação de rua, eu preciso não só olhar para aquela pessoa e, a primeira coisa que fazemos é ter um pré-julgamento, "Está nessa condição porque quer". Nem todo mundo está na rua porque quer. Existem várias situações que levam a pessoa a estar em situação de rua: a desinformação, a briga em família, o desemprego, a depressão, a solidão. Então, antes da gente julgar, primeiro precisa se perguntar o por que e o que levou essa pessoa a estar em situação de rua. É fácil tirar a pessoa da rua? Não, não é fácil, porque, às vezes, ela está há tanto tempo na rua, que ela perdeu a noção de quem ela é. Existem pessoas na rua que perdem a noção de quem são, ela deixou de existir. Sempre olhar para a pessoa que está em situação de rua como um ser humano, um filho de Deus que necessita ser acolhido de alguma forma.
Hoje temos essa questão da drogadição que cresceu muito, das pessoas que estão ali pedindo dinheiro e, você sabe, hoje eles até falam assim: "Já falo a verdade, eu peço porque eu estou afim de usar", e a pessoa que está indo trabalhar fala assim: "Que absurdo, o cara teve a coragem de pedir dinheiro pra mim pra usar droga". É a realidade dele, então, ainda não chegou ninguém para mostrar pra ele o outro lado da vida, "Olha, vamos caminhar por aqui, a sua vida pode ser transformada, a sua vida pode ser restaurada".
Hoje, graças a Deus, nós temos um número bom de pessoas que passaram por nós e tiveram suas vidas restauradas. Não foram todos, é um número muito pequeno, e eu sempre lembro do padre Ademir falando: "se de cada 100 pessoas que passarem pela gente, a gente conseguir mudar a vida de uma, está perfeito". Eu vejo os meninos que estão limpos, que foram recuperados, saíram das ruas, e retornaram para suas famílias, voltaram ao mercado de trabalho. A gente tem número de meninos que fizeram tratamento com a gente e que hoje estão fazendo faculdade, que casaram, constituíram família.
Café com MN: É isso que vale cada dia, não é?
Valdinete: Tem aquele dia que você fala assim: "Hoje eu não estou afim de fazer nada por ninguém, de verdade, estou cansado". Mas você lembra de uma determinada pessoa que passou pela sua vida, Deus é muito bom, maravilhoso, e Ele sempre manda alguém mandar uma mensagem: "Oi, tia Val, como você está? Hoje estou fazendo tantos anos limpo", "Hoje faz tanto tempo que saí da rua", "Vocês fazem parte da minha vida", "Vocês estenderam a mão pra mim", "Vocês mudaram a minha história". Então, tudo isso faz com que a gente adquira o desejo de fazer mais. Se nós estamos aqui, se Deus vem dando condições pra gente de fazer mais, então precisamos fazer mais.
E todas as pessoas que tiverem o desejo de fazer também algo mais, porque as vezes estamos na nossa casa e falamos: "Nossa, eu queria fazer algo mais, mas eu não sei o que", procure uma instituição, converse um dia com uma pessoa em situação de rua, vai conhecer a história de um dependente químico, observa uma criança que às vezes sai da casa dela e não tem nenhum tipo de alimento. Ela vai chegar na instituição e ter um café. Então, tem muita coisa para ser feita, muita coisa.
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