O Café com Mogi News desta terça-feira (28) entrevista Leonardo Precioso, fundador do Instituto Recomeçar, que teve início na região, a partir da ONG Gerando Falcões e vem conquistando outras cidades do país, apoiando pessoas egressas do sistema prisional. O carro-chefe  da iniciativa é uma oficina de empregabilidade. Na região, atualmente eles estão em Ferraz de Vasconcelos, mas o projeto já alcançou também as cidades de São Paulo, São José do Rio Preto (SP), Brasília (DF) e Recife (PE). 

Acompanhe nesta entrevista especial a trajetória de Léo, que depois de uma carreira como jogador de futebol, conheceu a criminalidade e por sete anos esteve preso. Ele descobriu, com o apoio de amigos, como Eduardo Lyra, da Gerando Falcões, a importância de um caminho com mais oportunidades para egressos do sistema carcerário como ele para que se tornem cidadãos ativos e produtivos. Saiba mais nesta entrevista, produzida com apoio da Padaria Tita. O bate-papo rendeu tanto que a entrevista em vídeo foi dividida em duas partes.

Café com Mogi News: Conte um pouco da sua história.
Leonardo Precioso:
Eu sou uma pessoa que nasci na periferia, na Zona Oeste de São Paulo, mas fui criado no bairro Itaim Paulista, e isso muito aconteceu devido eu ter me destacado como jogador de futebol ainda de categorias de base e ter vindo jogar no Corinthians, na Zona Leste. O Itaim Paulista tinha um ônibus que fazia final muito próximo do clube do Corinthians, no terminal Aricanduva, e eu fui morar no Itaim Paulista com a minha família e eu comecei toda uma trajetória.


CMN: Você jogou profissionalmente?
Leonardo:
Joguei durante 17 anos. Joguei em categorias de base do Corinthians, Palmeiras, tive uma passagem no Juventus, São Caetano, no Chile. Rodei vários clubes no interior do Brasil, e em 2004 para 2005, eu achei que teria que parar com o futebol devido a algumas circunstâncias que eu vivi no mundo do esporte, como salário atrasado.

CMN: Nós vemos muito glamour mas não é para todo mundo.
Leonardo:
Esse glamour atende a minoria do futebol de alto rendimento. É uma faixa muito pequena de pessoas que conseguem chegar ao nível máximo, acho até de situação econômica no futebol. A grande maioria são operacionais, são pessoas que têm como profissão o futebol, mas não conseguem ter grandes salários, mas eu acho que isso vai de todo segmento. A gente entende que tem aqueles executivos que ganham muito mais e tem aqueles que ganham menos, mas eu acho que está em todas as escalas. 

O futebol como por um bom período não era algo profissional, como um trabalho, conseguiu isso depois da Lei Pelé e isso fez com que jogadores vivam ali 12, 15, 17 anos jogando futebol profissional com salário de trabalhador normal. Muitas das vezes eles não conseguem trazer a sustentabilidade ao longo da vida para sua aposentadoria. Muitos param de jogar futebol e ingressam em uma outra profissão porque o alto rendimento tem aquela faixa etária até quando o cara consegue produzir em alta intensidade, em alta performance. 

Muitos depois que saem do futebol, acabam ingressando em outras oportunidades. Essa minha saída do futebol não foi por ter se aposentado por idade para atuar profissionalmente, e sim foi uma escolha depois de sofrer algumas decepções e eu acabei saindo do cenário do esporte. Eu até acreditava naquela época que eu em algum momento poderia trabalhar com futebol nessa minha saída, como auxiliar, dentro de alguma escolinha, só que não foi o que aconteceu. 

Eu acabei entrando em uma vulnerabilidade tremenda e a única coisa eu sabia fazer era jogar futebol. Eu comecei a jogar futebol em times informais, na Várzea, principalmente de São Paulo, rodando os quatros cantos da cidade, da Região Metropolitana, e aí você começa a conhecer outro mundo que você não tinha acesso. Nesse período acabei conhecendo o tráfico de drogas e a partir disso eu acabei me envolvendo no mundo do crime, e fui preso em 2008. 

Eu parei de jogar em 2004 para 2005, e em 2008 eu já estava ingressando no sistema carcerário. Foi um momento muito rápido , uma mudança muito brusca. Primeiro você para com o futebol, se envolve no mundo do crime, vive intensamente um período em práticas do crime, do tráfego de drogas, e de uma forma relâmpago já vai parar no sistema carcerário, e vive 7 anos e 13 dias dentro do cárcere. Rodei por umas oito unidades prisionais do Estado de São Paulo. Então foi um momento bem radical da minha vida, sair de 17 anos no mundo do futebol, entrar em uma escassez violenta com a família ao ponto da conta da água estar no gato, que é a ligação direta, da luz, enfim toda essa escassez, essa falta e aí ingressar no mundo de tráfego de drogas, no mundo do crime e uma vida de 7 anos e 13 dias dentro do cárcere.

CMN: E como foi essa saída, como o projeto entrou na sua vida, como surgiu a ideia? 
Leonardo: 
Durante esse período que eu estive dentro do sistema carcerário, aconteceram muitas coisas e uma das coisas que foi marcante assim foi a fase que me vinculei a uma organização que atua dentro dos presídios para lutar por direitos de sobrevivência dentro do cárcere. Não era para lutar por direitos de contravenção dentro do cárcere, não era essa  a ideia, a ideia era justamente lutar por direito de educação, de trabalho, de saúde, de respeito, que a lei de execuções penais pudesse valer dentro das unidades prisionais. Eu acabei lutando por esses direitos básicos mesmo, de sobreviver dentro de um sistema carcerário.

Nesse mesmo período que eu me vinculei também a minha filha Sofia nasceu. Ela nunca me visitou dentro do cárcere, nem pequena nada. Eu não quis que isso acontecesse, foi doído, mas eu não quis e a família também entendeu. Eu acabei conhecendo a Sofia quando ela já tinha três anos e quatro meses de vida. 

Esse processo de fundar o Recomeçar iniciou como um projeto dentro do Gerando Falcões. O Eduardo Lyra, fundador da rede, nós éramos alunos de projetos social do esporte. Nos conhecíamos dessa época, e no período que nós paramos com o futebol, me envolvi no mundo do crime, e o Edu foi estudar, foi trabalhar e ele encontrou um amigo nosso que estava vindo também de um processo de recuperação como usuário de droga e hoje é um grande líder religioso na região onde nós fomos criados, chamado Gilberto. Ele perguntou: 'E o Léo, como que o Léo está?', e ele abriu o leque, 'O Léo se envolveu no tráfico, dentro do sistema carcerário está envolvido com organizações criminosas, está lutando por direitos de sobrevivência dentro do cárcere. Ele já sofreu as consequências de ser transferido, fica ali fica aqui enfim, deu um giro de 360 graus na vida do Léo e eu nem sei qual é a previsão dele um dia sair'. 

O Edu entrou em contato com a minha família e começou a fazer um acompanhamento. Nós começamos a trocar carta, envio de livro durante praticamente uns quatro anos. Até então era uma troca e eu não não tinha de fato se era aquilo mesmo que eu queria, uma mudança, porque para mim era uma teoria, era algo que estava acontecendo, mas ele sempre me provocava, o que eu ia fazer com a minha liberdade. 'Você era o capitão do nosso time, o cara que motivava, levou um monte de jogador para um monte de clube onde você passou, sempre pensando no outro'. 

E isso foi passando, eu saí numa saída temporária e ela é momento de decisão. Eu enxergo como um momento de decisão quando você está fazendo a sua inclusão, como eu não tive um trabalho efetivo de ressocialização dentro do sistema carcerário, o que eu queria da minha liberdade. Durante sete anos que eu fiquei privado de liberdade, eu tentei fugir da penitenciária por cinco vezes, arquei com essas consequências e acabei internamente assinando cinco danos ao patrimônio. Eu estava tendo oportunidade de sair, dar confiança ao juiz na saída temporária.

CMN: Foi aí que você conheceu sua filha, nessa saída temporária?
Leonardo:
Sim, foi onde conheci minha filha e eu pensava: 'volto para o sistema ou não volto?', e eu fui amparado por esses amigos meus, minha família, conheci minha filha e foram cinco dias ali imerso. A primeira decisão foi se eu voltaria para o sistema carcerário ou se eu continuaria numa vida egressa como fugitivo, mas na sociedade com a minha liberdade. Só que eu acabei acho que surpreendendo a todos e até eu me surpreendendo também com aquilo, que foi a decisão de voltar nessa primeira saída temporária para que eu pudesse iniciar numa oportunidade que eu mesmo estava criando para mim. As pessoas queriam mas eu de fato teria que querer.

CMN: Se não partir de você é difícil.
Leonardo:
É difícil! Então eu acho que quando eu voltei dessa primeira saída, eu já dei uma resposta positiva para aqueles que acreditavam em mim, principalmente para minha família, e eles já ficaram feliz de eu ter tomado essa decisão de aguardar, pelas leis, pelos meios legais. Eu consegui de fato a minha liberdade plena, eu tive mais algumas oportunidades de saídas temporária e eu comecei a criar um foco, um objetivo, um processo mesmo de reinserção: 'quando eu sair vou fazer isso, eu vou estar ali, eu vou estar aqui', e eu comecei a me planejar para não só sair, mas sair com o objetivo e o objetivo era conseguir ser sustentável dentro da sociedade sem viver da criminalidade que eu estava como já profissão, como um meio mesmo de sobrevivência. Entre São Paulo e algumas outras regiões como o Rio de Janeiro, muitas vezes as pessoas sem oportunidades, sem possibilidade, longe de políticas públicas, já nasce e o crime se torna uma vocação.

CMN: É um ambiente natural.
Leonardo:
Um ambiente natural e se torna uma vocação da pessoa. Mais em São Paulo, pela falta de oportunidades, pelas dificuldades, a gente entende que a profissão de 80% da população carcerária são de pessoas ocasionais. Você entende que em algum momento da vida ela utilizou aquilo como profissão, como meio de sobrevivência mesmo, e comigo não foi diferente. Nesse processo que eu comecei a trabalhar nesses movimentos, nessa postura, nesse comportamento para que pudesse ter uma reinserção sustentável e eu coloquei: 'um dia da saída, eu tenho que estar com o Gerando Falcões, eu vou viajar para ver minha família'. Enfim eu organizei e isso fez total diferença para quando eu saísse de verdade.

Quando você ainda está na custódia do Estado, é algo incerto, porque quando você volta para o sistema carcerário ele é um mundo tão oculto. Você não tem noção do que pode acontecer, você pode regredir novamente para um regime fechado, e outras consequências. O sistema carcerário é um mundo que a sociedade não conhece, é tratado como um sistema de encarceramento, mas a gente enxerga que é uma comunidade prisional que precisa ser desenvolvida em educação e trabalho, em possibilidades, em visão de mundo. A gente enxerga que isso que não é feito, e não estou falando que não existe, estou falando que o que é feito não atinge um grande número de pessoas para que essas pessoas possam de fato contrariar essa estatística. Tem Estados que 70% das pessoas que saem, voltam para o sistema carcerário. A gente consegue contrariar essa estatística e conseguir se reposicionar na sociedade.

CMN: Foi daí que veio o instituto?
Leonardo:
Nessa minha saída de fato, eu fui convidado pelo Edu, e pelo Le Maestro a fazer parte do Gerando Falcões. Eu comecei a trabalhar como monitor de esporte devido essa minha vida que eu tive de jogador, e com tudo isso em um momento eu falei: 'legal para caramba estar aqui empregado, estar trabalhando, ter oportunidade de recomeço, ter recomeçado a minha vida', só que eu queria gerar possibilidade para outras pessoas que saíram do mesmo lugar que eu saí, que tem gente que pode dar resultado igual ou melhor que o meu, mas por falta de oportunidade muitas das vezes pode se tornar novamente uma pauta negativa no jornalismo. 'Mas será que os cara querem?', e eu falei: 'vocês nem sabiam se eu queria, ficaram quatro anos dialogando comigo e eu pensando como eu ia seguir'. 

Eu acho que a gente tem que dar as possibilidades e as pessoas possam ter as suas escolhas. Se ela escolher viver do mundo do crime, ela vai arcar com as consequências e com a vida do mundo do crime; se ela decidir recomeçar sua vida, nós estamos aqui para apoiar essa decisão. Nós criamos o Recomeçar e hoje a gente consegue apoiar. Nós começamos com um projeto dentro da matriz do Gerando Falcões, um projeto de amparo moral e social para pessoas egressas do sistema carcerário e o Recomeçar cresceu, era como se fosse uma incubadora social, como se fosse uma startup social onde nós criamos todos os métodos, modelo e criamos musculatura.

No começo eu fiquei meio assim. É algo que não brilha os olhos da sociedade, muitas pessoas têm uma visão contrária em relação a isso, não têm uma visão humana, só enxerga o erro e a gente sabe que as pessoas são maiores do que o erro delas. A gente tem que desenvolver, dar oportunidade, e eu fui tocar e foi uma das maiores escolhas que hoje o Gerando Falcões, o Edu e aqueles que estavam envolvidos tomaram,  para que o Recomeçar não se tornasse a terceira, a quarta pessoa dentro da instituição, e sim um trabalho voltado específico para pessoa egressa do sistema carcerário. 

Em 2020 conseguimos fundar de forma independente. Fazermos parte da rede Gerando Falcões, somos multiplicadores da rede, e uma unidade referência porque nós implantamos dentro do Recomeçar todo um método de gestão. Um trabalho tão difícil e a gente aplica a gestão, tem rotina, tem processo, tem metodologia, departamento de comunicação, departamento de métodos e dados de projetos, financeiro, RH, marketing. Nós criamos de fato uma estrutura para que a gente pudesse tratar desse tema, desse trabalho com pessoas egressas do sistema carcerário. Não é só colocar na empresa, é acompanhar, é falar disso.

CMN: Como é essa oficina da empregabilidade?
Leonardo:
Hoje essa pessoa chega por alguns meios no Recomeçar. Nós temos parcerias com o poder público, a Coordenadora de Reintegração Social, Secretaria da Justiça, Secretaria de Desenvolvimento Econômico, instituições religiosas, então canaliza e chega no Recomeçar. Apesar que o que mais funciona é o boca a boca. Temos um material de divulgação, que é uma forma de levar a informação para dentro do sistema carcerário. As pessoas saem dos sistema carcerário falando: 'eu não tenho um emprego para ir mas tenho uma instituição que pode me ajudar'.  Eles vão a procura do Recomeçar, as pessoas chegam e passam por um momento de cadastramento para a gente entender como está a situação dela, se precisa de um apoio que vai além de somente um cadastramento, como um apoio jurídico; se precisa de um apoio de regularização de documento e ela entra dentro de uma trilha nossa de desenvolvimento do egresso que ali ela vai entender, vai conseguir fazer o plano de vida dela, vai entender sobre o mercado de trabalho,  sobre as formas que ela pode ser inserida se pode ser como CLT, se pode ser como prestador de serviço, como autônomo, enfim algumas alternativas para ela entender que emprego não é só aquele que é CLT. 

Tem muito serviço a ser feito tem vez que o emprego está escasso, mas serviço tem para ser feito; se profissionalizar em algum segmento, pode ter certeza que você vai conseguir vender o seu serviço em algum momento. Trabalhar para que isso aconteça, então a oficina de empregabilidade é justamente um todo e a gente tem um trabalho também de acompanhamento. Hoje a gente acompanha de forma infinita a pessoa. A gente fala que a gente acompanha as pessoas, mas chega um período que as pessoas que acompanham a gente, isso é interessante que as pessoas começam a trazer as devolutivas, começam a apresentar pessoas e elas estão inseridas no mercado de trabalho pelo Recomeçar e isso faz com aquele que se beneficiou daquela ferramenta passe a indicar outros para que possam se beneficiar. Por isso a gente fala que o boca a boca funciona muito bem e agora a gente está pensando nesse crescimento.

Hoje o Recomeçar atua em São Paulo, nós pegamos toda Região Metropolitana, a capital, atendendo dentro do Centro de Integração a Cidadania de Ferraz de Vasconcelos, com sede administrativa em Poá, onde tudo começou. Nosso espaço Opportunitá é um espaço para eventos e muita das vezes a gente usa como uma praça de alimentação da pizzaria social. Nós lançamos bem recente o nosso carrinho de açaí, temos o nosso bazar, com o nosso showroom com materiais próprios e de parceiros. Às vezes temos o nosso bazar, que agora também é um projeto novo que nós lançamos junto com o Gerando Falcões onde mulheres tem suas sacolas com vários itens de roupas, de perfume, enfim que ela pode gerar sua própria renda. A mulher passa a ter uma independência financeira através desses projetos, que gera a receita para instituição e também gera receita para os beneficiados além das pessoas receberem uma capacitação para exercer as funções além de empregabilidade. 

CMN: Hoje para manter os projetos o caminho é esse ou vocês recebem também doações, tem parceiros?
Leonardo:
É justamente isso. Nós criamos esses modelos de negócios sociais para que a gente possa buscar sustentabilidade financeira e também vivemos na filantropia. Hoje se tem uma pessoa que vai investir no recomeçar ou você tá investindo X mas nós também estamos investindo Y.  As pessoas passam a entender que ali a gente não é totalmente dependente deles, estamos convidando os investidores para que eles possam construir junto com a gente um modelo de negócio sustentável, onde parte é da filantropia vem de doações de financiamento de instituições, que potencializam essa responsabilidade social, fundações.

Hoje o Recomeçar recebe apoio financeiro do Gerando Falcões; Brasil Foundation, que tem sede em Nova Iorque; Porticus Global, que tem sede na Holanda mas atende todos os países baixos e está em vários países do mundo, e outras. Um exemplo 80% também da população em situação de rua são egressos do sistema carcerário e eles precisam de uma atenção maior para que eles possam recuperar sua autoestima, recuperar os seus valores sociais para que eles possam ser inseridos no mercado de trabalho. A gente faz um trabalho em parceria com algumas instituições que já são especialistas nesse trabalho com pessoas em situação de rua porque muitos ainda estão com um problema porque acabou adquirindo o problema da droga e do álcool e nós fazemos um trabalho antes para que eles possam entrar dentro do processo, no fluxo de desenvolvimento e na trilha do egresso.

CMN: Quantas pessoas estão hoje no projeto com você?
Leonardo:
Hoje o Recomeçar já tem quase 9 mil pessoas cadastradas.

CMN: E voluntários trabalhando?
Leonardo:
Temos alguns voluntários. Na verdade, a gente precisa de voluntários, pessoas que queiram doar o tempo para que a gente possa aumentar a atenção à pessoa egressa do sistema carcerário. Pode entrar em contato caso tenha pessoas interessadas em colaborar, pelo site do Recomeçar, está bem fácil, bem claro no nosso site, tem conteúdo para caramba que as pessoas vão curtir. Acho que hoje o Recomeçar é um dos meios de comunicação que mais conteúdo tem sobre o tema de egressos do sistema carcerário em escala nacional. Tenho vários amigos que também são líderes sociais que fazem o trabalho, mas hoje o Recomeçar é um dos principais meios de conteúdo.

CMN: Nós recebemos um material que veio da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) falando do Enem, tem o Enem especial também, muito bacana abrir esse caminho, dar essa oportunidade.
Leonardo:
Sim, tem! E são essas parcerias que o Recomeçar fez, parceria com Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo. Temos o Selo de Direitos Humanos. O Recomeçar tem a sua metodologia premiada pela Rede Globo e Fundação Roberto Marinho, que é justamente esse trabalho de inclusão produtiva das pessoas egressas do sistema carcerário. Fomos premiados recentemente o que trouxe também uma credibilidade maior para o trabalho. Eu acho que quando essas coisas acontecem, essas premiações surgem é de fato a oportunidade de moralizar o trabalho, porque eu tenho profissionais da psicologia, do serviço social que não são todos egressos sistema carcerário e essas premiações valorizam o trabalho dele.

Muita das pessoas que foram trabalhar com o tema de egresso do sistema carcerário, saíram das empresas, saíram do corporativo e foram se dedicar ao trabalho egresso sistema carcerário também sofriam um preconceito: 'está lá passando a mão na cabeça de bandido'. E não é nada disso. Teve gente que teve relacionamentos encerrados. A gente tem essas experiências dentro do nosso time, pessoas que estudaram e quando foi para o mercado de trabalho para atuar com o egresso o relacionamento acabou, tinha opiniões contrária sobre o que teria sido feito.

Tem embates dentro das famílias e isso ajuda quando eu tenho a oportunidade de vir no Mogi News falar sobre o trabalho do Recomeçar, você esta dando uma oportunidade de empoderamento de lideranças sociais que trabalham com esse tema porque muita das vezes é tratado como invisíveis.

CMN: Como quebrar esse preconceito?
Leonardo:
Eu acho que a gente tem que falar mais. A gente tem que se comunicar bem, se comunicar de forma assertiva. Esse tema de egresso do sistema carcerário não pode se tornar só uma pauta criminal. O cara só se torna uma pauta quando ele volta a cometer um crime, mas quando ele vai para a faculdade, quando ele está no trabalho, quando ele constrói uma família,  quando ele faz uma ação em pró a sociedade, ele é invisível.

Como que a gente coloca essas pessoas, independente dos erros delas? Porque eu acho que a gente tem mais futuro do que passado. Então a gente tem que aproveitar melhor e fazer com que as pessoas se tornam pessoas melhores e eu consigo ter esse apoio. Eu tenho um monte de gente que apoia mas nós não estamos falando mais do Léo, nós estamos falando de uma sociedade que precisa de uma certa forma de uma atenção maior para que ela possa recomeçar. A gente vê várias coisas recomeçando, várias situações recomeçando, país que entram numa catástrofe de guerra recomeçando. Acho que é um exemplo que a gente tem que dar sobre oportunidades. 

O Recomeçar é uma das instituições que aderiu de fato a pegada da diversidade. No Recomeçar nós temos jovens, mas nós temos idosos. Nós temos homens, temos mulheres, temos trans, temos LGBT, tudo que você pode imaginar de diversidade hoje tem dentro do Recomeçar. Nós não tínhamos uma pessoa PCD (Pessoas com Deficiência), e eu fiz questão de contratar uma pessoa. Falei: 'eu preciso de uma pessoa PCD porque a gente precisa mostrar que aqui é um mundo de oportunidade para todos', e conseguimos contratar agora também uma pessoa super bacana, que também psicóloga e é PCD. Eu falei: 'agora a gente tem autonomia de falar sobre diversidade aqui dentro, agora a gente pode discutir com qualquer um'.

Quanto está faltando um membro que represente de forma sólida, a gente não tem autonomia para falar com tanta firmeza, agora nós temos firmeza para falar que o Recomeçar é uma instituição que tem como cultura a diversidade.

CMN: Agora vocês estão com projeto de lideranças?
Leonardo:
  Um exemplo todos os egressos conseguem chegar no Recomeçar? Não consegue porque a escassez econômica, lugares complexos, o cara não consegue chegar. O poder público consegue chegar onde esse cara está, onde essa menina está? É muito distante, quem consegue chegar são líderes sociais, organizações sociais, mobilizadores sociais, enfim a associação de bairro, um líder comunitário. Enfim essas pessoas conseguem chegar e muitas das vezes não preciso ir lá e fazer o papel que aquela pessoa faz, o que eu preciso fazer é despertar para que ela faça esse papel.  

Você tem o recomeçar que tem toda a atenção, toda a estrutura não só dentro do Recomeçar mas uma rede que o Recomeçar participa e hoje a gente consegue canalizar essa pessoa egressa do sistema carcerário para que ela possa entrar no seu processo de desenvolvimento. E a documentação? Também. O desenvolvimento? também, qualificação profissional e a oportunidade também estão debaixo dos nossos guarda-chuva, então assim hoje a gente também tirou o líder social sem saber o que fazer com o pai do aluno dele, quando a gente abre uma possibilidade desses líderes entrar na nossa rede.

CMN: É uma capacitação?
Leonardo:
É uma capacitação mais de empoderamento institucional para saber que hoje tem onde ele encaminhar o egresso do sistema carcerário que muita das vezes é vizinho da ONG e a ONG não conseguia de fato encaminhá-lo para nada, atendia o filho, mas não conseguia entrar para atender a família e agora consegue atender a família. Então hoje o Recomeçar está abrindo esse leque. Chama "De Quebrada em Quebrada - Desenvolvendo Gente" para empoderar esses líderes sociais.

CMN: E a idéia é trabalhar Brasil todo?
Leonardo:
Nós fizemos um piloto começando por São Paulo, mas já tem gente de fora, do Rio Grande do Norte e a ideia é que a gente consiga trabalhar numa escala nacional e e esse trabalho que o Gerando Falcões tem desenvolvendo organizações sociais, líderes sociais através da Falcons University vai ser um um grande caminho para que a gente consiga chegar e atuar junto com esses líderes sociais, que muitas das vezes tem a pessoa egressa do sistema carcerário já no seu banco, mas não sendo desenvolvido. Ele passa também fazer parte de um cenário de desenvolvimento social e esse líder pode contribuir com uma família inteira.

 CMN: E quais outros projetos vocês vão desenvolvendo, tem outras ações?
Leonardo:
Acho que assim o Recomeçar junto com o Gerando Falcões tem essa pegada empreendedora. Então a gente está buscando nossa sustentabilidade, mas nós também estamos querendo aumentar a qualidade do nosso serviço. Hoje o Recomeçar já está fazendo seu planejamento de 2024, pensando muito na qualidade do seu serviço, como que a gente desenvolve melhor as pessoas e as pessoas acabam tendo um nível muito maior . A gente quer aumentar muito essa nossa qualidade de serviço, dos nossos profissionais também para atuar. Hoje temos a oportunidade de falar com uma satisfação que toda a área de gestão, todos do Recomeçar têm oportunidade de adquirir mais conhecimento, todos. A gestão do Recomeçar ou está fazendo MBA ou está fazendo cursos muito com psicanálise para estar bem posicionado, com conteúdo justamente para compartilhar com essas pessoas que saem do sistema carcerário de uma certa forma vazio e a gente conseguiu colaborar para fazer essas pessoas se desenvolverem melhor. 

O Recomeçar vem querendo escalar com esse programa com os seus métodos aumentando a sua rede de relacionamento e de possibilidade para os egressos sistema carcerário. Eu estive recentemente em Amsterdam (Holanda), fui estudar um pouco sobre justiça restaurativa e políticas de desencarceiramento para que a gente pudesse implantar dentro do que a gente já faz. Então acho que em 2024 o Recomeçar vai inovar novamente a metodologia já premiada, e aumentar muito essa sua qualidade serviço.

CMN: Trazer essa experiência de fora e adaptar.
Leonardo:
Sim, adaptar. Crescer com todo esse trabalho, esse é o nosso maior objetivo e cada vez trazer mais pessoas boas para perto, pessoas que possam entender sobre esse trabalho e a importância ao ponto dela se mexer: 'eu tenho que fazer alguma coisa, eu tenho que, pelo menos, ali o primo da prima da pessoa que está lá, eu tenho que falar pra ela que existe o Recomeçar'.

CMN: E nesses anos de trabalho de vocês tem alguma história que seja mais marcante, de algúem que de repente virou a vida a partir de vocês?
Leonardo:
A gente tem várias pessoas assim. Nós conseguimos inserir 66 pessoas na faculdade e muitas das pessoas conseguiram pegar essa ferramenta e ampliar na sua vida social. Nós temos pessoas que chegaram sem o ensino básico completo, fizeram o ensino básico, conseguiram concluir o seu ensino médio, ir para faculdade, se formar e a empresa colocar a pessoa num plano de carreira e ela já ter evoluído cinco passos assim para lideranças dentro de uma empresa.

Nós temos ai o pessoal que trabalha também em hospitais, que também está num processo de evolução muito grande profissional. Nós temos muitas pessoas que conseguiram se reposicionar, e eu acho que o maior diferencial é que a pessoa não use mais o crime como opção de vida. O Recomeçar tem um índice de permanência na sociedade, de 99% de pessoas que passam pelo Recomeçar não se tornam mais um dado comum que é voltar para o sistema carcerário. Ele acaba conseguindo a sua extinção de pena, ficou na rua arcou com seus compromissos com o Judiciário. Foi "trampar", foi estudar, reconstruiu a sua família e contrariou essa estatística de reincidência carcerária que hoje no Brasil é de 42,5% de reincidência. Tem Estado que chega a ser 70%,. 

São Paulo deve estar batendo 48%. Esse número pode ser menor porque tem as injustiças. Eu já fui parado pela Polícia várias vezes e escutei: 'vamos levar ele novamente para o sistema carcerário', e por nada, por forjar e a gente sabe que tem pessoas que se não tem um olhar do juiz, do promotor. Essa pessoa volta cumprir pena e muito deles passam seis meses novamente de uma certa forma provisória para saber se tem alguma coisa. Depois vai ver que a pessoa não tem, e vai olhar as pessoas que é periférico, negro, com baixa escolaridade, que a Polícia enxergou como suspeito e o cara por ter passagem volta a viver esse momento.

'Mas ele saiu, ele não foi julgado'. Não, mas fica você seis meses lá, um cara que já cumpriu um x, voltar para dentro do sistema carcerário por uma injustiça e ter que ficar mais um período até o juiz conseguir ter aquele olhar e falar: "isso que está acontecendo é uma injustiça". 




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