O número de denúncias de grupos e de canais do Telegram contendo imagens de abuso e exploração sexual infantil cresceu 78% entre o segundo e o primeiro semestre de 2024. É o que mostra pesquisa realizada pela SaferNet, organização não governamental que desde 2005 atua na promoção dos direitos humanos na internet. A pesquisa é apresentada hoje (11), Dia Internacional da Internet Segura no Brasil, evento que acontece na capital paulista até amanhã (12). “Este novo relatório, que está sendo protocolado hoje no Ministério Público Federal, revela, comprova e evidencia que os problemas da plataforma persistem. São riscos sistêmicos que têm provocado danos às crianças e adolescentes no Brasil”, disse Thiago Tavares, presidente da SaferNet Brasil, em entrevista à Agência Brasil. “Isso está evidenciado pelo número de grupos e de canais denunciados no segundo semestre do ano passado, que teve aumento de 19% em relação ao número de grupos e canais denunciados no primeiro semestre", afirmou. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê como crime a venda ou exposição de fotos e vídeos de cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes. Também é crime a divulgação dessas imagens por qualquer meio e a posse de arquivos desse tipo. Para a Safernet, quem consome imagens de violência sexual infantil é também cúmplice do abuso e da exploração sexual infantil. O relatório também aponta que o número de usuários do aplicativo de mensagens Telegram que participa de grupos ou de canais que vendem e compartilham imagens de abuso sexual infantil e de material pornográfico também cresceu no período, passando de 1,25 milhão no primeiro semestre do ano passado para 1,4 milhão no segundo semestre. “Somando o que foi encontrado no primeiro e no segundo semestre [do ano passado], a gente está falando de mais de 2 milhões de usuários inscritos nesses grupos que comprovadamente continham imagens de abuso sexual infantil. Então, estamos diante de um problema em larga escala. Esta é uma plataforma que continua a operar com baixíssimo nível ou quase nenhum nível de compliance de conformidade com as leis do país e com moderação de conteúdo precário”, disse Tavares. Grupos e canais do Telegram A pesquisa feita pela SaferNet mostra ainda que o número de grupos e de canais do Telegram com imagens de abuso e exploração sexual infantil subiu de 874 para 1.043, o que representou aumento de 19%. Desse total, 349 ainda continuavam ativos ou em funcionamento, sem qualquer moderação da plataforma. De acordo com a organização, parte dessas imagens de abuso e exploração sexual infantil é comercializada no Telegram. Inclusive, alguns dos vendedores aceitam como pagamento as “estrelas,” a moeda virtual introduzida pela plataforma em junho de 2024. “Nós comprovamos que existem canais com imagens de abuso sexual infantil sendo negociadas como se fosse em um mercado ou uma feira, negociados livremente. E essas imagens circulam em 349 grupos na plataforma”, informou Tavares. “Esses grupos permaneciam ativos, ou seja, em pleno funcionamento e sem qualquer tipo de moderação pela plataforma quando eles foram acessados no segundo semestre”. O Telegram, informou a SaferNet, não tem registro no Banco Central do Brasil e utiliza 23 provedores de serviços financeiros para processar pagamentos, a maioria deles localizada na Rússia e na Ucrânia ou outros paraísos fiscais, como Hong Kong e Chipre. Quatro dessas plataformas de serviços financeiros já sofreram sanções internacionais: YooMoney, Sberbank, PSB e Bank 131. “O Telegram tem uma criptomoeda e essas transações ilegais também são processadas por meio delas. Esse é outro aspecto importante evidenciado neste novo relatório: essas transações ilegais continuam ocorrendo. A empresa utiliza processadores de pagamentos brasileiros, não cadastradas no Banco Central. Alguns desses processadores estão processando pagamentos até mesmo em real”, disse Tavares. Líder em denúncias O Telegram lidera em número de denúncias de “pornografia infantil” recebidas pela SaferNet, por meio da plataforma www.denuncie.org.br. No final de setembro, um mês após a prisão de Pavel Durov, dono do Telegram, a empresa anunciou que estava colaborando com pedidos de autoridades, entregando “alguns dados de usuários” (números de telefone e IPs) mediante requisições legais. Procurada pela Agência Brasil, a plataforma respondeu que "tem uma política de tolerância zero para pornografia ilegal" e que "utiliza uma combinação de moderação humana, ferramentas de inteligência artificial e aprendizado de máquina, além de denúncias de usuários e organizações confiáveis para combater pornografia ilegal e outros abusos". O Telegram também informou, em nota, que "todas as mídias enviadas para a plataforma pública do Telegram são comparadas com um banco de dados de hashes contendo conteúdo CSAM (material de abuso sexual infantil), removido pelos moderadores do Telegram desde o lançamento do aplicativo". "Em fevereiro, até agora, mais de 18.907 grupos e canais foram removidos do Telegram por relação com materiais de abuso infantil", disse a plataforma. Para Tavares, no entanto, a moderação feita pela empresa continua falha. “Embora a empresa tenha anunciado um reforço nas suas tecnologias utilizadas para detecção automática dessas imagens, o fato é que essa moderação continua sendo falha e a prova disso é que canais com milhares - e alguns com dezenas de milhares - de usuários estão trocando livremente imagens de abuso sexual infantil. E essas imagens continuam disponíveis na plataforma por meses”. “Há uma distância entre o que a empresa diz que está fazendo com o que a gente tem observado a partir das denúncias que recebemos e das evidências que coletamos. O relatório que eles publicaram após a primeira denúncia não revela a moderação feita por idioma e nem por país. Eles falam em 2,5 mil canais bloqueados por dia, mas não dizem onde isso foi bloqueado, em qual idioma, em qual mercado, em qual país. Então, pode ser que eles estejam priorizando os países em que há regulação ou uma cobrança maior das autoridades”, explicou Tavares. O Telegram é um dos cinco aplicativos mais baixados do mundo. Em 2024, ele ultrapassou 950 milhões de usuários ativos mensais. A empresa é sediada em Dubai. Como denunciar É possível denunciar páginas que contenham imagens de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Isso pode ser feito na Central Nacional de Denúncias da Safernet Brasil, que é conveniada com o Ministério Público Federal. Em caso de suspeita de violência sexual contra crianças ou adolescentes, deve ser acionado o Disque 100. A plataforma Telegram também permite que os usuários reportem conteúdos, canais, grupos ou mensagens criminosas. Segundo a própria plataforma, todos os aplicativos do Telegram têm botões de 'Denunciar' que permitem que seja sinalizado conteúdo ilegal. No Telegram para Android, é preciso tocar na mensagem e selecionar Denunciar no menu. No iOS, deve-se pressionar e segurar a mensagem. No Telegram Desktop, Web ou Telegram para macOS, basta clicar com o botão direito na mensagem e selecionar Denunciar. Em seguida, escolha o motivo apropriado. Isso também pode ser feito pelo e-mail abuse@telegram.org. Relacionadas Uso inadequado da internet pode afetar saúde, diz especialista Internet virou “campo minado” para crianças e jovens, diz especialista