Nos últimos meses, curiosamente, venho ouvindo de alguns pacientes da psicanálise e amigos, situações de sofrimento ligados diretamente a resolução de problemas junto ao poder público municipal de suas cidades. As queixas envolvem até atribuições simples, como marcação de consulta, orientação técnica e resposta de solicitações. Foi tão intenso e repetitivo as informações sobre o assunto, que anotei em meu caderninho de observações: “Causa: Transtorno Municipal”.
Na perspectiva da saúde mental, um transtorno é definido como uma condição que afeta a forma como uma pessoa pensa, sente e se comporta, causando sofrimento e prejuízos significativos em sua vida. Já no ponto de vista do social, identificado nas falas dos cidadãos a qual encontrei, é quando um indivíduo precisa dos serviços do seu município, não é correspondido e afeta a sua honra, tempo e dinheiro.
As experiências empíricas que me foram passadas são surpreendentes: Uma filha única não consegue informações de serviço público da sua cidade com os cuidados dos pais idosos, outro quer saber como realizar a inscrição municipal da sua recente empresa e o telefone da prefeitura somente chama, diversos realizam agendamento para tratar de pendências e esperam horas na fila, vários recebem informações e direcionamentos errados , alguns não conseguem atualizar dados de cadastro, mesmo com documentos exigidos, entre outros.
A burocracia, quando aplicada corretamente, pode levar a uma maior eficiência e produtividade de trabalho e ações, já a “burrocracia”, como tal revelada, causa injustiça e mal estar. Esse desconforto, conhecido por todos nós em alguma fase da vida, deveria realmente ser objeto de estudo além do mundo jurídico. Aliás, deixo como sugestão aos especialistas e entendidos da área, a inclusão dessa experiência intitulada de “Transtorno Municipal” no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e na Classificação Internacional de Doenças (CID), para se levar à sério.
Marcelo Barbosa é jornalista, pedagogo e psicanalista. Autor da trilogia “Favela no divã” e “A vida de cão do Requis”.