Vinte e oito dias após assumir o cargo, o ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu demissão ontem em meio a divergências com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A saída de Teich no auge da pandemia do coronavírus expõe a fragilidade de Bolsonaro, que enfrenta uma crise atrás da outra na política e na economia e, com a popularidade em queda, já admite que precisará de apoio no Congresso para "salvar" o governo.
Bolsonaro pretende fazer um pronunciamento na noite de hoje, em rede nacional de rádio e TV, para defender a volta à "normalidade" e o retorno ao trabalho no momento em que o desemprego cresce e partidos já se articulam para pedir o seu impeachment. Desta vez, o estopim da nova crise - que levou à saída de Teich - foi a decisão do presidente de mudar o protocolo de uso da cloroquina no combate à Covid-19. A doença já deixou um rastro de quase 15 mil mortes no país.
Pressionado a ampliar a prescrição do medicamento, apesar da falta de comprovação sobre sua eficácia para tratar o coronavírus, Teich já havia avisado Bolsonaro, na tarde de anteontem, que era preciso aguardar a conclusão de estudos científicos. Não adiantou: em transmissão ao vivo, naquela noite, o presidente disse que faria a mudança no protocolo. "Quem manda sou eu", afirmou ele a auxiliares. "Não vou ser um presidente pato manco."
No dia em que o governo completou 500 dias, Teich pediu demissão. Foi o nono ministro a deixar a Esplanada - o último deles havia sido o ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, que comandava a Justiça e, ao sair, há 22 dias, acusou Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal. O caso motivou abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), que agora se debruça sobre o conteúdo do vídeo de uma reunião ministerial, e pode abrir caminho para o afastamento do presidente ou um processo de impeachment.
Nomes
O presidente almoçou ontem com a médica Nise Yamaguchi, defensora do uso da cloroquina em pacientes contaminados pelo coronavírus. O Estadão apurou, no entanto, que o diálogo não correspondeu à expectativa do Planalto e, com isso, a indicação dela para a vaga de Teich perdeu força. Outros nomes citados são os do deputado Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania, e do almirante Luiz Froes, diretor de Saúde da Marinha.
Na última conversa com Bolsonaro, na manhã de ontem, Teich observou, mais uma vez, que não poderia ir contra a ciência. Médico oncologista que atuou como consultor da campanha bolsonarista, em 2018, ele repetiu ali, no Palácio da Alvorada, o mesmo argumento usado por seu antecessor, Luiz Henrique Mandetta, dispensado por Bolsonaro no dia 16 de abril.
Mais tarde, em um breve pronunciamento, Teich preferiu não polemizar com o presidente, embora também discordasse dele sobre outros temas. "A vida é feita de escolhas e eu hoje escolhi sair", disse Teich.