Por uma questão de hábito, a cada oportunidade que surge, insisto em praticar o lirismo, tão demodé hoje em dia! Seja através da prosa, escudada em tímido ritmar, quase se desculpando por se revelar, seja pelo que restou de som ou de rebelde imagem ao aflorar na memória, dando num poema órfão. O fato é que a poesia sempre marca a gente como Caim, o personagem bíblico, ficou marcado!
Todo mundo pensa que sabe, formalmente o que é poesia, embora o próprio poeta pouco saiba como ela se revela. Acontece! Clamam os que a praticam, sem se envergonhar disso. Todo poeta sabe reconhecer outro poeta a cavaleiro de seu estado inspirador, mas não sabe qual foi a pista, qual a dica pela qual ele passou, em todo processo de criação.
Aquele que leu a Bíblia sabe que Caim foi marcado por Deus: ao matar o irmão Abel, sem ser propriamente um castigo! É a marca para ser reconhecido como tal! Além do mais, sem qualquer punição pelo crime.
Por isso o poeta sempre será vítima de algumas ironias, nem só daqueles que se alinham com a barbárie que aí está em termos de música popular. Toda ela voltada para o que demais rudimentar existe: a permanente mobilização do lado emocional-animalesco do indivíduo! Como se toda reflexão que a boa letra de música provocasse fosse um vírus danoso capaz de sobreviver ao mais eficaz antibiótico! A um só tempo versos e rimas tendo em comum um traço interessante: nenhum remorso!
O poeta senhor de seu veículo de comunicação, face a toda essa hecatombe, às vezes até acha, lá no fundo da alma, saídas líricas válidas, com base na temática de suporte às letras das canções entoadas. Essa dialética entre modéstia e superioridade que explica talvez a necessidade da existência do verdadeiro poeta: ele sabe que traz a marca de Caim, e abaixa a cabeça, rubro de modéstia, quando não de total abatimento, pelo fato de ser considerado, até, figura descartável em todo o processo de tentar revelar o ser humano a si próprio pela via perfumada de um lirismo pra lá de libertador!