Sábado. Tarde chuvosa. Fui com o Frederico, meu filho, a um exame de entregas de faixa em academia de aikido.
Ao estacionar o carro, cena dolorida: garoto, recém-entrado na puberdade, deitado em um tênue cobertor, que ao tempo em que espantava o leve frio, servia-lhe de colchão. Ao lado, quase que enrodilhado em seus braços, um cachorrinho marrom, também da rua, também enjeitado.
Compromisso cumprido, ao voltar, ouvi sua voz reclamando uns trocados, eis que "tomara conta" do carro.
Aquiesci, mas quis saber mais. Tinha 14 anos, há pouco completados. Filho de pais que se embriagavam e descontavam nele as mágoas para com a vida madrasta; irmão de outros oito, que, moradores na Capital, se negavam a lhe dar abrigo, preferia a vida sem rumo, compartilhar seus fados com o homem de meia idade, desfigurado por algum tombo ou surra, ou com o outro, voz pastosa pela cachaça, que não dizia coisa com coisa.
Segui caminho. Na Delegacia de Polícia, procurei pelo telefone do Conselho Tutelar. Quem sabe - embora não acreditasse -, algo ainda funcionasse em favor dos pequenos sem lar. Ledo engano por mais que insistisse em ligar, ninguém atendeu. Tentei no dia seguinte, novamente em vão. Mas convenhamos, diante da estrutura pública com parcos recursos, o que poderia ele fazer?
Amanhã é aniversário do Homem Santo que chamou a si as criancinhas, algurando-lhes o reino dos céus.
Mesas repletas em alguns cantos e em outros menos, na paz da congregação emergirá um brinde festivo. Os sinos badalarão em favor do homenageado e, constritos, os fiéis entoarão cantos e preces.
Vítima de falsos moralistas e pregadores de ilusões, Silvio - o nome do garoto - quem sabe herege - e, nesse caso, quem lhe há negar razão? -, ao lado dos companheiros de infortúnio, ao lado do fiel amigo, em seu roto cobertor, verá as festas de longe, bem de longe.
Negaram-lhe, faz tempo, a simples felicidade de viver em família. Foi mais um dos jovenzinhos esquecidos pelo Senhor!
Natal! Natal para quem?