O deslocamento em massa de palestinos da Faixa de Gaza para o Egito é uma "linha vermelha", que o Cairo não permitirá que seja cruzada, colocando em risco a segurança nacional ou a soberania do Egito. A afirmação é do ministro egípcio dos Negócios Estrangeiros, Badr Abdelatty, nesta segunda-feira (18). Em entrevista exclusiva à CNN na cidade de Al-Arish, no Norte do Egito, perto da fronteira com Gaza, Abdelatty afirmou que seu país está trabalhando por "diferentes canais, com um único objetivo: aliviar o fardo e o sofrimento dos palestinos". Ele acrescentou que a emigração em massa de palestinos de Gaza não será tolerada. "Não aceitaremos, não participaremos e não permitiremos que aconteça", disse Abdelatty, acrescentando que o deslocamento será certamente um "bilhete só de ida" para os palestinos saírem de Gaza, o que levaria à "liquidação" total da sua causa. Embora o governo de Israel nunca tenha divulgado um plano detalhado do que acontecerá com Gaza após a guerra, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem defendido repetidamente a transferência de palestinos de Gaza para outros países. A ideia ganhou força especialmente depois de o presidente dos EUA, Donald Trump, ter apresentado esta mesma proposta no início deste ano. Mas mesmo depois de Trump parecer arrefecer a proposta, as autoridades israelenses seguem defendendo o deslocamento em massa. Desde o início da guerra, Israel tem cercado os mais de dois milhões de palestinos na Faixa de Gaza, que, segundo a ONU, correm o risco de morrer de fome. Israel tem rejeitado repetidamente as acusações de provocar fome deliberada e afirma estar trabalhando para permitir a entrada de mais ajuda humanitária no território palestino. O Egito é o único acesso de Gaza ao exterior, uma vez que Israel bloqueou o território por terra, mar e ar. Cairo tem sofrido uma intensa pressão pública para aliviar o sofrimento dos palestinos e tem repetidamente responsabilizado Israel pelo bloqueio da ajuda humanitária, enquanto milhares de caminhões permanecem retidos em sua fronteira. Questionado sobre se a guerra coloca em risco o tratado de paz entre Egito e Israel, Abdelatty afirmou que o Cairo está "respeitando e a honrando os (seus) compromissos de acordo com o tratado de paz", mas acrescentou que "qualquer tipo de deslocamento seria um grande risco e não permitiremos que nenhuma parte arrisque a nossa segurança nacional e a nossa soberania, na nossa fronteira". Os alertas do ministro são dos mais severos desde que Israel afirmou, na passada semana, estar em negociações com vários países sobre o acolhimento de palestinos deslocados pela guerra. "Se os israelenses conseguirem deslocar os palestinos, posso garantir que será o fim da causa palestina", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros. O Egito foi a primeira nação árabe a reconhecer Israel em 1979. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, revelou que existem negociações em curso com vários países sobre o acolhimento de palestinos deslocados. Os países envolvidos são o Sudão do Sul, a Somália, a Etiópia, a Líbia e a Indonésia, disse uma alta autoridade israelense à CNN. Em troca do acolhimento de parte da população de Gaza, de mais de dois milhões de pessoas, a autoridade disse que os países procuram "compensações financeiras e internacionais significativas". Não é claro quão avançadas estão estas discussões e se vão se concretizar. O Sudão do Sul rejeitou os relatos anteriores de que estaria em discussões sobre o realojamento de palestinos, afirmando que eram "infundados". A Indonésia afirmou estar pronta para receber dois mil palestinos de Gaza para tratamento, mas que regressariam a Gaza assim que recuperassem. No início deste ano, a Somalilândia – região independente da Somália afirmou também que não houve negociações deste tipo. Sem parceria para paz Abdelatty afirmou que, embora o Egito mantenha contato com Israel nos níveis de segurança e inteligência, não viu qualquer desejo por parte do governo israelense para pôr fim à guerra. “Infelizmente, não temos um parceiro em Israel neste momento para a paz e a solução de dois Estados”, disse. “Temos ministros no gabinete israelense que não acreditam na solução de dois Estados”. Ministros de extrema-direita israelense, incluindo o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, e o das Finanças, Bezalel Smotrich, apelaram à expansão da guerra em Gaza e à emigração dos palestinos do enclave, o que equivale a uma limpeza étnica. Abdelatty afirmou que as negociações para um cessar-fogo e um acordo sobre reféns estão, no entanto, em curso, acrescentando que "chegamos a um entendimento sobre a maioria das questões em curso" em relação à última proposta apresentada pelo enviado especial dos EUA, Steve Witkoff. No mês passado, EUA e Israel convocaram as suas equipas de negociação do Catar, onde ocorriam as tratativas, com Witkoff dizendo que a mais recente resposta do Hamas "demonstra claramente uma falta de desejo de se chegar a um cessar-fogo". O ministro egípcio dos Negócios Estrangeiros afirmou que o Cairo é a favor de um acordo abrangente que ponha fim à guerra, traga de volta os reféns, liberte os prisioneiros palestinos e permita o fluxo de ajuda. A exigência de Israel de desarmar imediatamente o Hamas é, segundo ele, uma condição "impossível" nesta fase das negociações. Há muito tempo o Egito clama pela unidade palestina sob a égide da Autoridade Palestiniana, que perdeu o controle da Faixa de Gaza em 2007 para o movimento islâmico Hamas. “Israel insiste em desarmar já o Hamas. Quem o fará? Como podemos fazer isto em terra?”, questionou, acrescentando que Tel Aviv tentou eliminar o grupo através de uma campanha de ataques de 22 meses, mas mesmo assim falhou. “Precisamos de pressionar agora (por um acordo)”, declarou Abdelatty. Atualmente, existe uma delegação do Hamas no Cairo, disse, e estão em curso negociações com os cataris, os norte-americanos e os israelitas. “Podemos chegar a um acordo se tivermos vontade política”. Segundo o governante, o Egito está "pronto" para se juntar a qualquer força internacional que possa ser enviada para Gaza, enquanto uma nova proposta de tréguas no território palestino era transmitida ao Hamas, no Cairo. "Estamos prontos para contribuir com qualquer força internacional que possa ser enviada para Gaza", desde que seja baseada em uma "resolução do Conselho de Segurança, em um mandato claro e faça parte de uma perspectiva política", declarou Abdelatty. O Cairo também está "pronto para contribuir com qualquer esforço internacional para o estabelecimento de um Estado palestino", acrescentou o ministro egípcio. Até a publicação deste texto, os esforços dos mediadores — Egito, Catar e Estados Unidos — não conseguiram alcançar um cessar-fogo duradouro na guerra de 23 meses que assola a Faixa de Gaza. Segundo a CNN, nesta segunda-feira, dezenas de caminhões de ajuda humanitária estavam alinhados nas estradas para a passagem de Rafah com Gaza, onde muitos comboios de caminhões permaneceram parados durante semanas ou mesmo meses, causando muitas vezes o desperdício de alimentos essenciais. A Anistia Internacional acusou Israel de conduzir uma "campanha deliberada de fome" em Gaza, com o objetivo de "destruir sistematicamente a saúde, o bem-estar e o tecido social da vida palestina". Abdelatty disse que há cinco mil caminhões no lado egípcio da passagem à espera de entrar na faixa bloqueada, mas que “os israelenses não permitem que entrem”. Relacionadas Trump propõe deslocamento permanente dos habitantes de Gaza Milhares de palestinos deixam Gaza com medo de ofensiva israelense