Sentada em uma cadeira na frente da Catedral da Sé, no centro da capital paulista, Ivani do Nascimento, de 50 anos, aguardava a chamada de sua senha. Ivani, que já tinha enfrentado uma fila e passado por uma triagem, esperava ser atendida para fazer seu documento de identidade. Há alguns anos ela vive em um abrigo em São Paulo, mas está sem documento. “Vim aqui resolver um negócio de um documento meu. Preciso do documento para resolver as coisas de saúde. Estou precisando de RG [Registro Geral] e da certidão de nascimento. Vim aqui para resolver essa questão”, disse ela à reportagem. Além de fazer sua documentação, Ivani pretendia aproveitar as ações que estão sendo desenvolvidas na Praça da Sé nesta terça-feira (13) para se alimentar e se cuidar. “Ainda não me alimentei, mas vou pegar uma marmita depois.” Distribuição de marmitas ajuda as pessoas a enfrentar filas até conseguir o atendimento procurado no mutirão - Cadu Pinotti/Agência Brasil Ela é uma das milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade social atendidas por uma força-tarefa organizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ), que permanece no centro da capital paulista durante toda a semana. Chamados de Pop Rua Jud Sampa 6 e 3ª Semana Nacional do Registro Civil – Registre-se!, os programas têm a finalidade de garantir à população em situação de rua e em vulnerabilidade acesso à Justiça, serviços públicos de emissão de documentos, assistência social e saúde por meio de uma atuação conjunta de mais de 30 instituições públicas e organizações da sociedade civil. Só na segunda-feira (12), primeiro dia de evento, mais de 2 mil pessoas retiraram marmitas e mais de mil passaram pela triagem para encaminhamento em algum serviço público. O presidente do movimento estadual da população em situação de rua, César Correia de Mendonça, destaca agilidade no atendimento do mutirão - Cadu Pinotti/Agência Brasil   “Essas ações são importantes porque a população de rua dificilmente tem acesso a tudo que está sendo ofertado aqui”, disse Robson César Correia de Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua.  "No dia a dia, quando essa pessoa precisa de um documento, pode ir a um órgão e descobrir que não é lá que faz o documento e é encaminhada para outro lugar. Mas aqui ela já encontra todos os órgãos e pode ter agilidade no atendimento”, afirmou. Nesse mutirão, as pessoas em situação de vulnerabilidade podem emitir ou regularizar documentos como certidão de nascimento, de casamento e de óbito, título de eleitor, certificado de reservista, RG, Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), além de cadastro e atualização em programas sociais, como o CadÚnico. Também são oferecidas orientações sobre livramento condicional, defesa em processos criminais, direito de família, assistencial e à saúde; direitos humanos e violência contra mulher; apoio a imigrantes e público LGBTQIA+; e egressos do sistema penitenciário. Mutirão do programa Registre-se também faz atendimento especializado para migrantes, diz a juíza federal Raecler Baldresca - Cadu Pinotti/Agência Brasil “Essa pessoa [em situação de vulnerabilidade] tem muitos direitos, mas não sabe que tem. E, mesmo que saiba, ela precisa de documentos. Sem os documentos, não consegue exercer a cidadania. A burocracia do Estado é muito extensa”, disse a juíza federal Raecler Baldresca.  “A ideia é que a pessoa venha aqui e ela primeiro tire os documentos que precisa. Aí depois ela passa nas defensorias, no Ministério Público, no INSS ou na Caixa Econômica para ver os direitos que ela tem e já sai daqui com os problemas resolvidos”, acrescentou. Na triagem, os atendentes descobrem o que cada pessoa precisa, inclusive se tem direito a algum benefício assistencial, informou a juíza.  “Às vezes, a pessoa já trabalhou e tem dinheiro de FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] para receber. Se ela já trabalhou, ou até mesmo pela idade, às vezes, tem direito a um benefício assistencial no valor de um salário mínimo”, explicou. E não são só as pessoas em situação de rua que são acolhidas. O mutirão também faz atendimento especializado para migrantes, por exemplo. “Muitos estrangeiros que vêm para cá precisam ter esse atendimento”, disse a juíza. Outras ações André José dos Santos, que está em situação de rua há 17 anos, corta o cabelo, enquanto espera emissão de documentos - Cadu Pinotti/Agência Brasil Na área de saúde e assistência social, as pessoas que forem ao mutirão também podem com serviços como testagem rápida de HIV, sífilis, hepatite e covid-19; vacinação; aferição de pressão arterial; orientação sobre diabetes, tuberculose, uso de álcool e drogas; saúde bucal; refeição; varal solidário e serviços para animais de estimação. Além disso, podem fazer cortes de cabelo, esmaltação e maquiagem. André José dos Santos, de 36 anos, estava cortando o cabelo quando conversou com a reportagem da Agência Brasil. Desde os 17 anos de idade vivendo nas ruas, André contou que, além disso, fez sua documentação.  “Fiz alguns documentos, mas ainda faltam o RG e o registro de nascimento. Isso é importante porque as empresas exigem documento para trabalhar. Elas exigem os documentos completos e vim aqui para retirar. Hoje aqui já almocei, e agora só falta esperar o registro de nascimento chegar para pegar o RG.” Os programas Segundo o TRF3, o programa Registre-se! pretende erradicar o sub-registro civil de nascimento no país, ampliando a obtenção da documentação básica pelos cidadãos, especialmente a população em cumprimento de medidas de segurança, situação manicomial, carcerária e egressos do cárcere, a comunidade indígena e os socialmente vulneráveis. O projeto ocorre em diversas cidades do país e a meta é atingir 280 mil atendimentos. Já o Pop Rua Jud é uma ação de cidadania inserida nas políticas públicas judiciais promovidas pelo Comitê Regional Pop Rua Jud do Estado de São Paulo.  Acolhimento religioso também está entre as ações da 3ª Semana Nacional do Registro Civil no centro da capital paulista - Cadu Pinotti/Agência Brasil A sexta edição do evento é coordenada pelo TRF3. Participam o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo e o Tribunal de Justiça Militar do Estado. “Nosso objetivo é que um dia todas essas pessoas tenham atendimento,  saibam dos seus direitos e consigam sair da rua de uma forma digna. Mas enquanto isso não acontecer, nós estaremos aqui prestando os serviços”, disse a juíza. O mutirão vai até a próxima sexta-feira (16), na Praça da Sé, e funciona das 10h às 15h. Relacionadas STJ autoriza mudança de registro civil para gênero neutro Trabalhadores podem atualizar documentos e vacinas na Esplanada Famílias de vítimas da ditadura receberão documentos retificados