Se tivesse de me encontrar sozinho numa ilha, passaria facilmente a descobrir seus aspectos particulares, virtudes, porque só assim teria como minha única mala de bagagem, lembranças e experiências construtivas, aí conquistadas! As amargas, não! Assim, nada mais indigesto do que o tão decantado amor-próprio quase sempre construído sobre as oscilações das fundações da compensação e do desespero. Evidente: à custa dele nenhuma felicidade é construída! Com isso, livre dele, nada me resta senão desenvolver a convicta e lúcida capacidade de me construir. Sentir-se inacabado tem lá suas ricas vantagens, ou não!
No mundo há sabedoria demais, e necessária, para tornar válida a carência de aperfeiçoamento, de melhoria. Ao se amar a vida, ama-se o passado, porque ele está presente sob a forma como ele sobreviveu na memória humana. Nossos próprios erros são por vezes nossos melhores adversários já que colocam na berlinda todos as nossas convicções. Ao arrepio da virtude, nossos vícios, porque não!
Sempre haverá um certo prazer em saber que somos pobres, mais espiritual que materialmente, que estamos sós e que poucos se preocupam conosco. Nosso corpo sempre estará inclinado a esquecer tanto quanto nossa alma. Não há porque não se valer do esquecimento! É talvez essa capacidade de esquecer que em muitos de nós, explica a renovação da inocência. O grande erro cometido pela maioria é tentar obter cada virtude, em particular, do que não se fez, e deixar de cultivar tudo aquilo que se fez, onde acertos e erros sempre passaram pelo crivo da crítica.
No fundo de toda cura há sempre uma grande impotência: se a parte impotente for o mal, tanto melhor! A natureza da troca humana pode ser, então, ao mesmo tempo capaz de extraordinária plasticidade exterior: obrigar todos a se sentirem úteis! Emprego para um homem raramente acaba, sempre restará um para o qual ele se considera preparado e por meio do qual pensou que poderia ser útil. Com isso pode-se afirmar que não há amor infeliz.
Raul Rodrigues é mestre em Engenharia e ex-professor universitário.