A tentativa do presidente Jair Bolsonaro de responsabilizar laboratórios pela falta de oferta de vacinas no Brasil esbarra na demora do próprio governo em fechar acordos com os fabricantes. No caso da Pfizer, responsável pelo imunizante que já foi autorizado em mais de 40 países, o Ministério da Saúde assinou um memorando para aquisição de 70 milhões de doses em 2021, mas o papel não garante o negócio. Além disso, tanto Bolsonaro quanto o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, têm feito críticas públicas a exigências da farmacêutica.
Ao falar com apoiadores, o presidente questionou a razão de nenhum fabricante ainda ter pedido o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para distribuir vacinas no País. "O Brasil tem 210 milhões de habitantes, um mercado consumidor de qualquer coisa enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente? Por que eles não apresentam documentação na Anvisa?", indagou Bolsonaro a um grupo de apoiadores no Palácio da Alvorada, em Brasília.
Após a declaração, a Pfizer reagiu e divulgou uma nota em que justifica a ausência de um pedido de uso emergencial do seu imunizante justamente pela falta de acordo com o governo brasileiro. O laboratório disse que só poderia cumprir exigências da Anvisa, como definição de quantidade de doses e cronograma, após a "celebração do contrato definitivo", o que ainda não ocorreu.
A empresa ainda informou ter desistido do aval emergencial, o que poderia acelerar o calendário de vacinação, e optou por manter apenas a ideia de entrar com pedido de registro definitivo. O motivo alegado é que os dados de desenvolvimento da vacina já estão sob análise da Anvisa, no processo chamado de "submissão contínua".
Sob pressão para ser célere na liberação dos imunizantes, diretores da agência realizaram ontem uma reunião com representantes da Pfizer, com o objetivo de discutir dúvidas sobre o trâmite para o aval às vacinas. A Anvisa já realizou encontros do mesmo tipo com representantes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da AstraZeneca e do Instituto Butantan, que desenvolve a Coronavac.
Em audiência pública na Câmara dos Deputados, no começo de dezembro, o presidente da Pfizer, Carlos Murillo, já havia citado que a demora em fechar um contrato com o governo brasileiro criava "limitações" sobre a disponibilidade de doses. "O concreto da oferta da Pfizer é 70 milhões com um quantitativo que vai começando quando sair o registro da Anvisa, que deve ser em janeiro, e vamos aumentando esse quantitativo à medida que transcorre o ano. Quanto mais demorarmos em assinar o contrato, menos segurança em termos essas doses lá na frente. Alguns países assinaram um tempo atrás e, por isso, já estão começando a vacinar. No Brasil estamos perto, mas não assinamos, o que cria uma limitação de segurança sobre a disponibilidade das doses", disse Murillo. A Pfizer disse que "em momento algum perdeu interesse no Brasil".