Ao se admitir que o vazio é a infinitude das coisas, um ego vazio é um eu mutável, em evolução, dinâmico e ético! Assim, eis seu aspecto mais intrigante: se um ego não estiver vazio, nada conseguirá fazer. Só resta examinar as palavras da mesma forma como um ourives trabalha o ouro: friccionando-o, cortando-o submetendo-o ao fogo, antes de chegar à joia.
É assim que meu guru de plantão fala ao afirmar não nutrir ilusões quanto às próprias deficiências. Sem definir o caminho a seguir como trajetória de autoaperfeiçoamento, sugere que serpenteia entre alegria e tristeza, que a mais profunda confusão é às vezes aclarada por raios momentâneos de luz e que a dor do semelhante parece ser tão real quanto a sua. Para, no instante seguinte, num assomo repentino de narcisismo, negá-la! Achei isso reconfortante.
Correspondia à minha própria experiência, que não se coadunava bem com a rígida hierarquia da "evolução espiritual" proposta em quase todos os textos sagrados. Hesitação e dúvida pareciam engalfinhadas numa luta perene contra fé e certeza. Era obrigado a continuar, por mais que ele me atormentasse e exaurisse.
Sem me furtar em afirmar que, em última instância, nada existe por si mesmo. O mundo é mutável, dinâmico, causal e condicionado, objeto que é de toda experiência mental e sensorial, constituindo no final das contas, a verdadeira realidade, entendida como aquilo que pode gerar efeitos.
São, pois, reais uma semente, um utensílio doméstico, a brisa perceptível pelo oscilar das árvores, um desejo, um pensamento, uma dor de dentes, uma outra pessoa. Em contrapartida o vazio da existência em si não passa de abstração conceitual e linguística. Talvez servindo como ideia, mas falta-lhe a concretude vital do botão de rosa, das batidas do coração ou do choro de uma criança. Não se raciocina para apurar a visão mística do vazio, nele o ego incluído, mas sim para viver a experiência direta, contingente e sofrido, em que até o vazio, a inação, possam ser incluídos.