O Tribunal Constitucional da Colômbia, judiciário do país, descriminalizou na segunda passada o aborto até a 24ª semana de gestação. A interrupção da gravidez já era permitida no país, desde 2006, em casos de estupro, malformação fetal ou de risco à saúde da gestante, mas em outros contextos o ato poderia ser punido com penas de 16 até 54 meses.


Com a alteração na lei, as mulheres colombianas que façam o procedimento no prazo de gestação delimitado não serão acionadas legalmente. O país é o sexto latino-americano a autorizar a interrupção da gravidez, sendo que anteriormente os seguintes países já haviam autorizado o procedimento: o México autorizou a interrupção a qualquer momento da gravidez, em 2021; a Argentina descriminalizou o aborto até a 14ª, em 2020; o Uruguai permitiu o aborto legal até a 12ª semana, em 2012; a Guiana autorizou a interrupção da gravidez até a 12ª semana, em 1995; e Cuba descriminalizou o aborto até a 10ª, em 1965.


Outros países da América Latina também se movimentam no sentido de descriminalização do ato. No Equador, a Assembleia Nacional descriminalizou o aborto em casos de estupro, na quinta-feira da semana passada, garantindo que gestações decorrentes de estupro possam ser interrompidas em até 12 semanas para mulheres em áreas urbanas; e em até 18 semanas no caso de mulheres indígenas e moradoras de áreas rurais. O presidente chileno Gabriel Boric também já se posicionou sobre o assunto nas redes sociais, em 2021, defendendo o direito das mulheres do seu país terem acesso ao procedimento de interrupção de gravidez gratuito e disponibilizado pelo governo chileno.


O aborto no Brasil
No Brasil, o aborto induzido é considerado crime previsto pelo Código Penal de 1984, segundo os artigos 124 e 126, que criminalizam tanto a mulher que provoque o aborto quanto o indivíduo que a auxilie a realizá-lo.
De acordo com a legislação brasileira, as únicas situações em que o aborto não é qualificado como crime são: quando a gravidez é consequência de estupro; quando a gravidez representa risco de vida para a gestante; ou quando o feto for anencefálico, caracterizado pela ausência de uma parte do cérebro , neste caso o procedimento é considerado como parto antecipado para fins terapêuticos.


Segundo dados divulgados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS), apenas no primeiro semestre de 2020, foram realizados 80,9 mil procedimentos em mulheres que após realizarem um aborto, tiveram complicações e precisaram de atendimento médico.

 

A discussão apresenta dois lados

Para Afonso Pola, sociólogo e professor, “a descriminalização do aborto em países da América Latina mostra que existe uma tendência nesse sentido”. Segundo ele: “Cerca de 59% das mulheres no mundo vivem em países cujas legislações preveem a interrupção da gravidez em circunstâncias amplas, ou seja, a livre vontade da mulher é respeitada”.


Para o sociólogo é possível discutir o assunto da descriminalização do aborto segundo duas óticas, “aquela que usa valores, normalmente vinculados ao viés da religiosidade, ou usar como critério de análise a questão da saúde pública”. Enfatizando que, "quem defende a descriminalização do aborto não defende a realização do mesmo de forma indiscriminada”.


De acordo com o especialista em sociologia, “ no Brasil, são poucas as situações que possibilitam o uso da justiça para garantir um procedimento com a devida segurança médica”. Enfatizando, ainda, que proibição do aborto não diminui o número de casos, mas aumenta o risco para as gestantes que praticam: “as dificuldades impostas por uma legislação ultrapassada não impedem que sejam realizados clandestinamente abortos em nosso país”.


O sociólogo também comentou sobre o perfil das mulheres que terminam recorrendo ao aborto. “A maioria são realizados por meninas pobres fora do ambiente hospitalar”. Comentando que nesses casos, existe um impacto para o Sistema Único de Saúde que terminará atendendo os casos de aborto malsucedidos. “Na verdade, o número de abortos praticados anualmente no Brasil já é um indicativo dessa falácia” concluiu.


O padre Cleiton Viana da Silva, doutor em Teologia Moral pela Accademia Alfonsiana, também falou sobre a descriminalização do aborto. “ É semelhante a descriminalizar-mos, por exemplo, o roubo ou o homicídio, porque o aborto também é homicídio, não é porque seja permitido juridicamente que seja eticamente aceitável”.

O religioso também enfatizou que o posicionamento da Igreja Católica não é somente de ordem religiosa, mas também do ponto de vista antropológico. “Diante do feto humano, diante do embrião humano, eles não são uma parte a ser descartada”, defendeu o sacerdote. “Uma entidade própria, um novo indivíduo da espécie humana, dentro de uma aparência talvez diferente de uma criança e um adulto, mas em termos biológicos você tem um novo indivíduo.”


Para o padre, a defesa da vida e proteção dela deve ser estendida em todas as situações para todos os humanos, “Se o indivíduo está saudável ou não, eu protejo, se esse indivíduo é inocente ou culpado eu projeto sua vida”. Sobre o direito de opiniões e escolhas ele afirmou. “As opiniões precisam ser ouvidas, mas elas não podem ser absolutizadas”.


O sacerdote enfatiza que, "de maneira geral o aborto é uma coisa condenável em si mesmo, você mata uma pessoa para resolver o problema de outra”, explicaou. Já nos casos em que o aborto é utilizado para evitar riscos à vida da mulher o religioso defende que esses casos sejam analisados por uma equipe médica: “Até onde essa mulher vai levar essa gravidez, precisa de uma análise médica, sem colocar em risco a vida dela e do feto”.


E nos casos de alto risco, a solução, de acordo com o sacerdote, pode ser fazer um parto antecipado. “No parto antecipado, você tem a intenção de tentar preservar a vida da mãe e a integridade física do feto, você não decide pela morte, você decide pela vida dos dois dentro dos limites da medicin", disse.


Padre Cleiton também enfatizou que a Igreja não tem como objetivo julgar e sim acolher e que em muitos casos a mulher não tem o amparo necessário da sociedade ou do esposo: “Há várias situações, dentro da sociedade, que muitas vezes fazem pesar sobre a mulher sozinha, uma responsabilidade que não é somente dela”, explicou padre Cleiton, citando o machismo e os casos de abandono da mulher grávida. Mas o sacerdote afirmou que o objetivo da Igreja Católica não é julgar e sim acolher.

 

No Alto Tietê
Na região, a vereadora Malu Fernandes (SD) criticou a decisão da Colômbia em legalizar a interrupção da gravidez até a 24ª semana. A vereadora se referiu a situação como “legalização do assassinato de bebês”, alegando que a defesa dos direitos da mulher deveria incluir pautas que pudessem empoderar a mulher para que ela obtivesse condições educacionais, financeiras, de proteção contra à violência e cuidados na gestação.