No episódio desta semana, o Café com Mogi News traz o diácono Paulo Rosa, coordenador de projetos sociais da Cáritas Diocesana de Mogi das Cruzes. Ele atua no município em três creches administradas pela entidade e no "Centro de Acolhida Emanuel — Deus Conosco", onde homens em situação de rua são acolhidos. O diácono também se tornou conselheiro em 50 dioceses, pela Cáritas regional de São Paulo, neste ano, atuando em outros municípios do Alto Tietê, como Itaquaquecetuba.

A iniciativa realizada em Itaquá serve cerca de 120 refeições por dia, já o espaço de acolhimento promove a dignidade para 36 indivíduos acolhidos. Na entrevista, com apoio da Padaria Tita, Paulo relatou os desafios vivenciados por pessoas em situação de vulnerabilidade e a importância da organização da sociedade para a promoção dos direitos deste grupo, tanto em relação ao acesso à alimentação quanto ao respeito e à dignidade.

Entre os objetivos da Cáritas mogiana para 2023 está a inauguração de uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) para idosos com dependência ou comprometimento cognitivo. Segundo o diácono, a expectativa é que o espaço esteja em pleno funcionamento até a segunda quinzena do próximo ano. Outros objetivos almejados, incluem a criação de um polo educacional que atenda demandas como o reforço escolar, o Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e um curso preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ainda em estágio de concepção. Saiba mais nesta entrevista especial: 

Café com Mogi News: Como este projeto de acolhimento de pessoas em situação de rua é desenvolvido?

Diácono Paulo Rosa: Somos incluídos dentro da Cáritas Brasil, existe a Cáritas internacional e a brasileira. Dentro do contexto da Cáritas, a gente tem como filosofia, a palavra "cáritas" já quer dizer caridade, cuidar dos mais necessitados. Hoje nós temos dentro de Mogi cinco creches, estamos em vias de abrir um, possível, abrigo para pessoas idosas, uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) de grau três, destinada a idosos com dependência ou comprometimento cognitivo, e temos também uma casa de acolhida de pessoas em situação de rua, onde nós acolhemos 36 moradores.

CMN: Qual perfil das pessoas atendidas?

Diácono: A Cáritas tem um trabalho em todas as paróquias da diocese. Só que durante muitos anos ficou-se preso à distribuição de cestas. A caridade vai muito além de um alimento. Eu sou diácono permanente, fui ordenado dia 6 de janeiro de 2018. No dia 8 fui transferido para a paróquia São Bartolomeu, que fica em Itaquaquecetuba, e inclui o Piatã I, II e III, Mogi, Recanto Marcelo, Recanto Mônica e vai quase na divisa de Suzano. São 12 comunidades de extrema pobreza.

Lá, hoje, a gente serve em torno de 120 refeições por dia. Nós chegamos a conclusão que não adiantava oferecer a cesta básica, pois muitos deles não tinham condição para ter um botijão de gás. Há pouco tempo surgiu um projeto do governo distribuindo gás, mas a maioria deles são adictos, usam drogas, e acabam vendendo este botijão. Então a gente fornece, pelo menos, uma vez por dia, de segunda a sábado, uma refeição garantida para eles.

A caridade vai além do alimento, em todas as paróquias temos os atendimentos da Cáritas, dos Vicentinos, da Legião de Maria, que faz esse trabalho caritativo. A Cáritas diocesana e a Cáritas regional de Mogi fazem um trabalho mais voltado à área da assistência social, educacional, acolhida de pessoas em situação de rua e também alimentação.

 

 

CMN: Há quanto tempo o senhor participa desta iniciativa?

Diácono: Desde 2019, eu estou fazendo parte da Cáritas na Diocese de Mogi, que abrange as dez cidades do Alto Tietê. A partir deste ano assumi a Cáritas na regional de São Paulo, que são as 50 dioceses do Estado de São Paulo, como conselheiro. Desde 2019 venho fazendo um trabalho mais dedicado à Caritas, mais dedicado a organizar, administrar, principalmente neste período de pandemia.

Mas, desde 1996, eu faço um trabalho que se chama "Pastoral de Rua" de levar alimento nas portas dos comércios de Mogi e da região para as pessoas em situação de rua, elas não são moradoras de ruas, ela estão em situação de rua por um revés da vida. Só a gente chegando perto, sentando, se aproximando, a a gente vai ver a dificuldade de cada um.

CMN: Com relação à pandemia, houve um aumento da população em situação de rua?

Diácono: Sim. A gente viu que depois da primeira fase da pandemia aumentou muito muito. Aqui em Mogi mesmo, a população em situação de rua era em média de 300 pessoas, hoje ela teve, no mínimo, um aumento de mais de 35%. O que eram 300 estão beirando quase 400/500 pessoas. Fora as pessoas que estão morando em casas que não têm condições de pagar aluguel, que não têm condições de comprar alimento ou que ficaram fora dos programas do governo.

CMN: Quais outras iniciativas são desenvolvidas, em conjunto com a Cáritas, além do auxílio com alimentação?

Diácono: Aqui em Mogi existem três abrigos masculinos. Um é Emanuel, que a Cáritas administra. Lá na casa Emanuel a gente tenta fazer o que o sistema fala, que a gente tem que acolhê-los como usuários do Sistema de Assistência Social (SUAS), mas a gente coloca no acolhimento técnico um olhar de compaixão para tentar ver a fragilidade, a necessidade. Tanto que lá a gente não utiliza o nome ‘usuário’, e sim ‘acolhidos’. É uma coisa mais calorosa, mais afetiva.

CMN: Como conscientizar a opinião pública sobre a vivência e necessidades de um indivíduo em situação de rua?

Diácono: Eu sou cristão, vou utilizar o exemplo do Cristo. Jesus mesmo viveu em situação de rua. Após seu nascimento, ele teve que fugir de Belém para o Egito, ele foi um migrante. Ele saiu de onde ele tinha um lar, uma casa, e viveu em situação de rua. Durante três anos, ele caminhou por Jerusalém, por aqueles lugares, em situação de rua.

Hoje a gente vê na população de rua famílias, pai e mãe, devido ao desemprego, devido à falta de oportunidade, de educação e de reintegração à sociedade. Às vezes uma empresa não abre uma chance de um estágio para não contratar um egresso, uma pessoa que saiu de uma Fundação Casa. Tanto que a gente tem vários profissionais no Emanuel. Tem um ex-professor do Senai, que a esposa acabou ficando doente e a família não o acolheu. Ele era casado pela segunda vez. Sem nada, acabou perdendo a documentação, e sem documento, não conseguia acessar os direitos que ele tem para se aposentar, ter recursos. Ele acabou ficando na rua, desnorteado.

Muitos bebem e acabam usando drogas para mascarar a fragilidade. Até teve um rapaz que falou: ‘Diácono, eu bebo, porque bêbado eu consigo dormir na marquise do comércio. Bêbado eu consigo dormir e não escutar alguém que passa e me chama de vagabundo. Não conhece a minha história, não sabe o que aconteceu comigo'.
Há pouco tempo nós tínhamos meninos que estavam fazendo o sexto e o quarto semestre de faculdade, vieram de outros lugares e acabaram ficando três, quatro meses na rua porque, tinham vergonha de pedir ajuda para família e também, ficavam sem jeito, de chegar com nível universitário dentro de uma área social ou de alguma entidade e falar que queriam voltar para casa.

CMN: Como as pessoas podem ajudar?

Diácono: Toda ajuda é bem-vinda. O pouco com Deus é muito. Você gosta de fazer uma gelatina, um doce? Partilha. Um potinho que você levar (numa casa de acolhida) faz toda a diferença. Há pouco tempo, eu estava administrando o ginásio municipal, no período de junho e julho. Eu tenho uma neta de seis anos,  e meu filho desde os cinco anos ajuda a fazer esse trabalho caritativo na rua. Ele levou minha neta para ter essa experiência. Um dos senhores que estava lá, vamos chamá-lo de João. Eu cheguei e ele estava comendo o lanche chorando. Era distribuído um kit de higiene, um lanche e cada um no ginásio tinha uma cama e um número da cama.

Eu falei: ‘Seu João, por que o senhor está chorando?’. 'Diácono, aquela menina é sua neta?'. Eu falei: 'É'. Ele disse: ‘Então, faz muitos anos (ele tem 63 anos) que eu não escutava uma criança chamar o meu nome. Porque na rua eu sou o homem do saco, o bicho papão’. Ele falou assim: ‘Hoje eu escutei a sua neta chamar meu nome três vezes. Ela falou comigo. Fazia tempo que eu não escutava a voz de uma criança falando comigo’. Ele tinha idade para ser avô. 'Hoje eu não me senti o homem do saco, não me senti o bicho papão'. Fazermos caridade é muito simples. Uma criança conseguiu dar dignidade para um idoso.  Estávamos acolhendo em torno de 48 ou 50 pessoas por dia. Mas aquele dia foi especial para o senhor João. "Hoje, diácono, eu me senti gente quando eu escutei a voz de uma criança perguntando o meu nome".

Isso a gente pode fazer, isso está ao alcance de todo mundo. Não olhar o defeito, mas olhar o conteúdo que está lá dentro, o ser humano, o coração que bate, semelhante ao meu e ao seu. É bonito a gente ver que dentro da dimensão religiosa, a gente vê que Jesus na via sacra, ele caiu três vezes. Às vezes, a gente pensa: 'por que sendo Deus, Ele caiu três vezes?’. Dentro da Santíssima Trindade ele é igual ao Pai e ao Espírito. ‘E por que quando Ele está carregando a cruz ele cai três vezes?’. Para nos ensinar que cair é humano, mas levantar é divino. 

Não julgue. Tente estender a mão, seja do jeito que for. Se você não tiver comida, às vezes, você pode dar um chiclete uma bala. Ou simplesmente quando alguém vir te entregar um papelzinho na porta do farol, agradeça. Fala assim: 'muito obrigada'.

CMN: Existem planos para expandir os projetos atuais ou desenvolver novas iniciativas?

Diácono: Eu tenho vontade, é um sonho nosso da Cáritas, de na sede da casa, aqui em Mogi, de termos um professor universitário, um professor do ensino médio que esteja aposentado, alunos de faculdade que tenham tempo disponível. Tem tanta gente precisando prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), reforço escolar, tentando fazer um Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e, às vezes, não tem quem o oriente. A gente poderia fazer um plantão educacional, fazer um Educa Mogi, um Educa +. Fazer uma dinâmica para mostrar que existem tantos caminhos que não sejam a droga, o roubo, a sarjeta, a praça, a ociosidade. Mas que a gente pode tentar.

Tenho vontade de fazer isso e aumentar as casas de acolhidas, que hoje a gente tem na região muito poucas para nossa demanda. Só que hoje para a gente montar uma casa de acolhida precisamos de verba, do governo, com parceria com a Prefeitura, com o serviço social. Eles dão subvenção para a gente manter, mas até para o governo são reduzidos os valores que serão repassados para área social. Nisso você pode ajudar pedindo para que o governo tenha um olhar mais caritativo.