No novo episódio desta terça-feira (29), o Café com Mogi News entrevista Ewerton Siqueira Ravelli, maestro da Banda Sinfônica Infantil do Centro Municipal de Programas Educacionais (Cempre) Professor José Limongi Sobrinho, no Botujuru, em Mogi das Cruzes. Criada em maio de 2017, a banda do Limongi já conquistou por três vezes o Campeonato Brasileiro de Bandas e Fanfarras da Liga Brasileira de Bandas e Fanfarras (LBF), nos anos de 2017, 2019 e 2022. A escola faz parte dos projetos de educação musical da Secretaria Municipal de Educação. 
Atendendo cerca de 930 alunos com atividades como musicalização, coral inclusivo (em libras), banda sinfônica e instrumentos de sopro, a iniciativa, segundo o maestro, favorece o desenvolvimento de habilidade socioemocionais, como trabalho em equipe, improviso e resiliência, além de coordenação motora (práxis fina e global). Nesta entrevista especial com o maestro, em parceria com a Padaria Tita, conheça mais sobre a história do projeto, suas conquistas e a importância no desenvolvimento das crianças do Cempre Limongi. 

CMN: Como o trabalho do Cempre Limongi é desenvolvido?
Maestro Ewerton Siqueira Ravelli: O Cempre Prof. José Limongi Sobrinho, que é uma escola da Prefeitura sediada no Botujuru, segue um modelo. Estou lá desde que iniciou esse trabalho de banda, isso já faz 8 anos. Felizmente é um trabalho que tem tido um bom resultado e não só musicalmente, mas principalmente no viés de transformação, porque esse é sempre o nosso objetivo: com que a gente consiga impactar o maior número de jovens e fazer realmente esta transformação na vida deles. Jovens que, de repente, não teriam acesso a essa linguagem musical, sobretudo a linguagem de música erudita. Através do projeto e dos instrumentos eles conhecem esse ambiente de banda sinfônica e um repertório diferenciado. Isso cultural e educacionalmente, que também é um dos focos do projeto.

Hoje a gente fala muito sobre habilidade socioemocional. Como você trabalha com as dificuldades, como você lida com as frustrações? Então quando você está no palco você tem tudo isso. Às vezes, falha uma nota. A criança fica: "e agora o que eu faço?". A gente está aqui junto, nós somos um grupo, eu estou aqui para te ajudar e, se você quiser contar comigo, nós estamos juntos para isso. Esse trabalho que o organismo de banda sinfônica promove, traz um crescimento que talvez a criança não tenha noção. Ela vai entender isso daqui a uns anos. Mas lá na frente quando ela tiver êxito, seja lá como músico, porque a gente brinca que o projeto é profissionalizante, porque se a criança quiser seguir a carreira de músico ela vai ter toda essa base desde quando ela ingressar no projeto. E se não quiser seguir, também está tudo bem, porque todas essas qualidades do trabalho musical, ela vai levar para vida e para profissão que ela escolher.

CMN: Quantas crianças são atendidas pelo projeto?
Maestro Ravelli: Hoje com instrumentos de sopro, nós temos cerca de 80 músicos, 80 estudantes. No Cempre Botujuru esse trabalho acontece com toda escola, totalizando cerca de 930 estudantes que têm acesso às aulas de música, por meio da musicalização. Nós temos o professor de musicalização que trabalha as vivências musicais. Mais a orquestra de flauta doce, que é um trabalho que a gente também desenvolve com cerca de 160 estudantes. A gente tem quatro turmas, com duas salas em conjunto, e a gente faz as práticas. 

Nós temos também um trabalho com um coral, que a gente brinca que é nossa menina dos olhos, porque esse coral é um coral inclusivo, um coral em que todas crianças cantam em libras. Ele surgiu porque nós tínhamos, até então, uma estudante que nunca tinha participado de uma festa junina. E nós tentamos entender o processo e o porquê disso. Quando fomos entender o porquê, ela tinha sua deficiência auditiva e pra ela não fazia sentido. Por que ela vai estar numa festa que todo mundo dança, escutando uma música, se ela não escuta a música? Quando nós identificamos isso, a gente teve um start. Porque temos uma professora que é intérprete dessa estudante, e a gente trouxe uma canção e fez um arranjo para a banda sinfônica. Quando ela viu as crianças em libras cantando a canção, ela começou a olhar pro lado, foi uma coisa emocionante. Ela ficava olhando pro lado, tipo: 'as pessoas estão falando a minha língua'. É um dos pontos que são marcantes para nós dentro dessa trajetória, porque a gente entende que vale a pena.

Essa estudante saiu da escola, prosseguiu seus estudos, e nós tivemos a sorte de ter outra estudante com a mesma dificuldade. Essa estudante está no segundo ano, a gente canta o dia da semana, canção do alfabeto, e as crianças já ajudam, já se comunicam com ela. "Bom dia, como vai, você está bem? Você está feliz ou está triste?". Coisas simples que para a criança a escola já não é um ambiente chato, já é um ambiente onde ela se sente acolhida. E esse é um dos trabalhos que a gente faz, a gente brinca que todos trabalhos que a gente desenvolve no Cempre Limongi são muito importantes, mas essa é a nossa menina dos olhos. É aquele que a gente faz muito esforço para que ele aconteça sempre.

CMN: O projeto já ganhou vários prêmios, poderia falar sobre as conquistas e recepção da comunidade do Botujuru.
Maestro Ravelli: A banda do Cempre Botujuru é tetracampeã estadual, esse ano a gente ganhou o quarto campeonato, e de maneira consecutiva. Nós tivemos até 2019 o tricampeonato. Em 2020 e 2021 os campeonatos foram paralisados em razão da pandemia, e em 2022 eles retornaram, assim que retornamos nós fomos defender o nosso título. Tivemos uma performance muito boa, a banda tocou muito bem. E até mesmo, na classificação geral, se a gente fosse fazer uma comparação, ainda que não seja a correta — a título de curiosidade — nós ficaríamos ali entre as três melhores bandas do campeonato, considerando que as bandas que nós ficaríamos atrás são bandas que podem contar com músicos de idade livre e músicos profissionais. Então nossos estudantes daqui de Mogi, do Botujuru, conseguiram um resultado que foi incrível.

CCMN: Como a banda é mantida?
Maestro Ravelli: Ela é administrada pela Sinfônica de Mogi, que é a entidade que administra não só o projeto Pequenos Músicos (da Secretaria Municipal de Educação), mas também os grupos sinfônicos da cidade: Orquestra Sinfônica, a Banda Sinfônica dos Professores e o Coral de Canarinhos do Itapety. A Sinfônica administra esse trabalho em parceria com a Prefeitura. Sempre que a gente tem esses eventos a gente tem a parceria, principalmente da Prefeitura, por meio da Secretaria de Educação, no sentido da estrutura básica. Os instrumentos são patrimônio público, eles são da Prefeitura. Em algumas escolas você tem uma estrutura diferenciada, o projeto ao qual o Cempre Limongi faz parte é o projeto “Pequenos Músicos... Primeiros Acordes na Escola”, que compreende 16 unidades escolares com esse trabalho de banda.

A Banda do Cempre Limongi foi por duas vezes, inclusive este ano, para o auditório Claudio Santoro, em Campos do Jordão. É o mesmo palco onde tocam a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), a Orquestra Brasil Jazz Sinfônica e onde acontece o Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão. Então quando você olha, você diz: ‘a criança está crescendo (projeto), está começando a gerar uns frutos’.

Nós ganhamos o primeiro Campeonato Estadual em 2017. Aí nós fomos para a cidade de Barra Bonita, mais ou menos umas 5 horas de viagem, e foi a primeira vez que a gente fez uma viagem tão longa assim. A gente foi de ônibus, e foi muito engraçado porque a banda foi com o ônibus e nós tínhamos mais dois ônibus de pais, alugados por eles, para acompanharem.

A gente tocou, teve uma performance muito bacana, principalmente por ser a primeira vez que a gente disputou o Campeonato Estadual. Quando nós ganhamos o campeonato na nossa categoria. Na época, a banda era categoria infantil — até 15 anos, então você imagina que os senhores da banda tinham 12 e 13 anos, tínhamos alunos naquela época que tinham 7 anos —, e alguns não tinham nem ido ao parque com o pai, mas estavam indo pra Barra Bonita. E aí quando acabou o Campeonato, os pais: 'E aí maestro e agora, qual que é a próxima?'. E eu falei: 'A gente ganhou a vaga para disputar o Campeonato Nacional'. 'Ah então a gente vai' (pais). 'É só que esse Campeonato é em Aracaju (SE)'. 'Mas como é que a gente faz?'. Então eu falei: 'Calma, pai, é isso o sonho: ele começa órfão, eu tenho um sonho e eu acredito que a gente vai conseguir'.

Eu lembro que nós fomos somando forças, aí quando a gente viu a gente estava na véspera de uma viagem com as passagens todas pagas. Nesse caso, a Prefeitura entrou com esse aporte nos ajudando, com o traslado também até o aeroporto de Guarulhos. Lá (em Aracaju) pela organização do Campeonato nós conseguimos um traslado no aeroporto de Aracaju até o local onde eles ficaram hospedados. As crianças tinham toda a hospedagem, tinham colchões, a sala tinha ar-condicionado, com todas as refeições disponibilizadas pela organização do festival.

Quando a gente chegou, eu disse pra eles: 'Pessoal, a gente fez todo um trabalho, a gente vai fazer nossa parte musical, porque é por isso que nós viemos, mas vocês já são vencedores de estarem aqui'. E quando você olha os pais gritando, é engraçado demais porque a gente estava em Aracaju, em um Estado do Nordeste, e tiveram pais que fizeram sua "vaquinha" aquela excursão. A gente foi com 50 músicos e tinham cerca de 30 pais. Eu tive a ideia que começou órfã, mas eu tive muitas pessoas que a adotaram.

CMN: Como começou a sua experiência com a música?
Maestro Ravelli: Meu primeiro contato musical foi na fanfarra da Escola Estadual Professor Paulo Ferrari Massaro, em Jundiapeba. Foi muito engraçado porque nesse dia o regente, na época, chegou na sala e falou: 'Alguém que quisesse participar da fanfarra?'. E eu levantei a mão: 'mas o que que ganha se participar da fanfarra?'. E ele falou: 'olha, se você participar da fanfarra, você vai sair da sala para fazer o ensaio'. E eu: 'o que precisa fazer pra acontecer isso?'. Ele falou: 'Você precisa saber marchar'. Eu lembro que saí marchando no meio da sala.

Na época eu estava — minha mãe fica doida com essa história até hoje — no terceiro curso do Senai, era para eu ser engenheiro elétrico. Estava fazendo curso técnico em eletrônica no Senai da Vila Mariana e tinha sido aprovado no concurso público da CPTM, quando o professor José Deusenil disse: 'Você tem talento, o problema é que você não acredita que você tem'. 

Apesar da minha mãe guardar a cartinha da CPTM até hoje, na última fase do concurso público eu não fui. Era só assinar, eu seria funcionário público. Eu lembro como se fosse hoje que eu falei para ele: 'Mãe, tem outro pai de família que vai precisar desse emprego. Eu vou ser infeliz porque esse não é o meu sonho. E eu vou acreditar no meu sonho'. A partir daí, eu comecei a me lançar em festivais, fui estudar na Escola Municipal, com o professor Ozeas Arantes, que era primeira trompa da Osesp na época. Toquei na Orquestra Sinfônica Jovem do Estado, fiquei por bastante tempo na Orquestra Jovem Tom Jobim. Até ser aprovado nos grupos artísticos da cidade de Cubatão que tem também uma grande trajetória musical. Fiz algumas participações com a orquestra Jazz Sinfônica.

Nessa trajetória musical, a coisa da regência, de virar maestro foi uma coisa meio empírica. Eu não sabia muito o que eu estava fazendo, até que começou a ser mais natural. Fiz oficina de regência em Banda Sinfônica com a Escola Municipal com o maestro Dario Sotelo, que é um dos maiores maestros que a gente tem no país, e outros cursos.

Hoje estou fazendo curso de musicalização para educadores por entender essa necessidade de que eu preciso de aprimorar para trazer coisas novas pra eles. Ou talvez os mesmos conteúdos, mas de uma maneira diferente. Eu tenho muito isso e prezo muito por esse estudo, por achar novas formas. Cada um tem uma linguagem: um é mais sensorial, outro é mais visual. E com isso eu percebo que se você tiver mais ferramentas, você consegue chegar mais longe e fazê-los chegar mais longe. Isso é um pouquinho do que eu passei como músico.