Ele já foi líder de favela, coronel autoritário, caminhoneiro, anarquista, mocinho corrupto, cafeicultor, médico, professor gago e até Deus. Em 55 anos de carreira, Antonio Fagundes experimentou inúmeras vivências no cinema, TV e, principalmente, no teatro. "Sempre tive sorte, pois trabalhei em diversos veículos, que me permitiram atingir camadas distintas, muitas vezes com profundidade, e o que me possibilitou também alcançar público de diversas ramificações", conta o ator de 69 anos. Tal caleidoscópio artístico é o ponto de partida de "Antonio Fagundes no Palco da História: Um Ator (Perspectiva)", obra de Rosangela Patriota, que será lançada neste semestre.
Não se trata de uma biografia convencional - inicialmente parte de um projeto de pesquisa e reflexão sobre o trabalho do diretor Fernando Peixoto, as entrevistas comandadas por Rosangela acabaram rumando para a trajetória de Fagundes, a partir de conversas sobre arte, política e a situação do Brasil.
Ciente da imagem do ator construída pela sua participação em novelas, a ponto de Fagundes se transformar em uma instituição da TV, Rosangela buscou apontar para outros campos, como os trabalhos no teatro e no cinema, nos quais o ator rompeu caminhos e parâmetros.
Assim, são analisados os diferentes tratamentos que o ator dá em função do veículo para o qual a performance é destinada. "Ao entender o motivo de estar fazendo determinado trabalho, passei a entender melhor o meu ofício", conta Fagundes. "A TV, por exemplo, não pede profundidade - é um bom rascunho e até produz obras de arte, ao contrário do cinema, que consegue aprofundar, mas pede mais ação. Já o teatro é incomparável, pois pede ousadia e onde, mesmo nos erros, é possível descobrir mais sobre a humanidade".
Fagundes é prático ao comentar por que certas interpretações povoam a imaginação e se tornam referências por certo tempo, um dos tópicos do livro de Rosangela Patriota. "Alguns atores não gostam de misturar, mas é possível oferecer arte e ser também comunicativo", afirma. "Alguns personagens caem na graça do público, outros não. Quando acontece, fica para o resto da nossa vida. É algo que mexe com o emocional do espectador, vira uma referência em sua vida, como acontece com as músicas".
Tal assunto leva a outro tópico do livro, que é pensar o teatro para além do entretenimento, especialmente nos anos 1960 e 70, quando as circunstâncias históricas incentivavam os jovens artistas ao debate político-estético.