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Frases como essas não costumam partir de altos dirigentes da indústria automobilística sobre o cenário desolador atual: "O Brasil precisa de um plano, como uma empresa. Não temos um plano"; "A crise está ligada fundamentalmente à questão política, uma doença degenerativa, uma cirrose, que corrói a economia"; "Brasil precisa de um ajuste ético e político. Enquanto isso não acontecer, a economia e o mercado automotivo não voltarão a crescer."
Até parece orquestração, mas não foi. No Congresso AutoData Perspectivas 2016, semana passada, em São Paulo, parece que todos reverberaram, ao mesmo tempo, o clima de mal-estar com os rumos de curto e médio prazo do País desde o final do ano passado. Na realidade, as fabricantes do setor muitas vezes "apanham" caladas, mostram-se sempre na defensiva, quer as críticas sejam pertinentes ou impertinentes, justas ou exageradas. Essa nova postura só agora brotou publicamente, em tom de desabafo mesmo.
A explicação óbvia vem daquela frase imortal do jornalista Joelmir Beting. Ele dizia que o órgão mais sensível do ser humano é o bolso. Ninguém ignora que a indústria automobilística ganhou muito dinheiro com o crescimento quase explosivo das vendas internas entre 2004 e 2013, alimentadas por demanda reprimida (1999 a 2003), crédito fácil e descontrolado, aumento do poder aquisitivo dos compradores e estímulos fiscais em momentos difíceis. Geraram-se lucros remetidos às matrizes.
O cenário de hoje, exatamente o oposto, atacou o bolso. Os prejuízos começaram já no ano passado e no momento as matrizes estão socorrendo as filiais com empréstimos até para fechar as contas no fim do mês. Afinal, salários na indústria acima da inflação e preços dos carros corrigidos por percentual inferior não dão liga. Essa fase acabou e aumentos reais pioram tudo. Nenhum acionista gosta de saber que perde dinheiro, se antes ganhava, e está agora "devolvendo" parte do que havia embolsado. São da regra econômica os ciclos bons e ruins, mas importa a tendência apontar para cima.
Também se ouviram vozes ainda mais pessimistas. O início da tímida recuperação poderia ficar para 2017 e não começar no último trimestre de 2016. Parece haver um desconhecido porão no fundo do poço. Somando-se veículos leves e pesados as vendas talvez não cheguem a 2,1 milhões de unidades em 2016 ou 16% menos que os prováveis 2,5 milhões deste ano.
No rumo contrário, o instituto Ipsos Brasil disse ter detectado em pesquisa que nos últimos meses cresceu a intenção de compra de carros novos pelos consumidores. Infelizmente, isso não foi confirmado pelos bancos. A associação das instituições vinculadas aos fabricantes (ANEF) reafirmou a procura menor por financiamentos, independentemente da maior seletividade na aprovação de cadastros de interessados.
Em meio a interpretações de alguma forma divergentes, há um consenso positivo. Nenhum fabricante admitiu cancelar investimentos. Eles estão mantidos, certamente a um ritmo menor, mas a ameaça de desinvestimento, como já ocorrida no passado, parece descartada. Voltar à condição de país do futuro é algo bem desconfortável, mas é o consolo que restou.
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