A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, finalizou na semana passada, e suas conquistas e desafios estão disponíveis para análise. Escrito isso, agora vamos lavar a roupa suja. Quando será discutido, com franqueza, que a cidade-sede de um dos maiores eventos climáticos do planeta, abriga mais da metade de sua população em favelas, em condições precárias de moradia, sem acesso regular à água potável e convivendo com esgoto a céu aberto? Quando veremos, de fato, um compromisso sólido com a urbanização de áreas irregulares e com a criação de infraestrutura digna para quem vive nas bordas da cidade e no limite das respostas climáticas?

Os dados do Censo 2022 do IBGE são contundentes: Belém é a capital mais favelizada do Brasil. Cerca de 57% de seus habitantes, mais de 745 mil pessoas, vivem nesse ambiente. No saneamento básico, o cenário é igualmente alarmante. Apenas 6,28% dos esgotos da capital paraense são coletados, e somente 2,38% recebem tratamento, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2023). A consequência é direta: rios contaminados, solo degradado e uma série de doenças que poderiam ser evitadas. Especialistas são unânimes em afirmar que investir em saneamento é investir em saúde pública, em preservação ambiental e em justiça social.

A favelização não é um fenômeno isolado, ela molda a cidade. A ausência de infraestrutura adequada, aliada à ocupação de áreas de risco, aumenta a ocorrência de alagamentos, deslizamentos e a poluição dos mananciais. Ao mesmo tempo, aprofunda a exclusão socioespacial, alimentando estigmas e desigualdades que atravessam gerações.

É legítimo celebrar a COP30. Mas é urgente perguntar: quando vamos estender as roupas da dignidade humana aos brasileiros moradores de favela? A crise climática não será enfrentada apenas com pactos globais, mas também com políticas públicas capazes de transformar o chão onde vivem aqueles que mais sofrem com seus efeitos.

 

 Marcelo Barbosa é jornalista, pedagogo e psicanalista. Autor da trilogia “Favela no divã” e “A vida de cão do Requis”.