É sabido por todos que o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão. No entanto, é importante ressaltar que a abolição em nossa pátria não quebrou todas as correntes. Em pleno século XXI ainda estamos presos a determinados aspectos do nosso passado.
O preconceito racial não só resiste ao tempo, como tem se fortalecido. Já se passaram 135 anos desde a assinatura da Lei Áurea e o Brasil ainda convive com a exploração de trabalho forçado. Em 2022, mesmo com a falta de vontade política do governo Bolsonaro para combater esse tipo de exploração absurda, a Inspeção do Trabalho resgatou 2.575 trabalhadores. Segundo estimativa da ONG internacional Walk Free, o Brasil tinha, no mesmo ano, cerca de 155 mil pessoas nessa situação.
Nos últimos quatro anos, o Brasil registrou uma grande subida nos números de suspeitas e casos de trabalho análogo à escravidão. Mas especialistas queixam-se da falta de recursos e temem que a situação seja muito pior. Em 2021, o número de denúncias no Ministério Público do Trabalho subiu 70% em relação a 2020, chegando a 1.415, o maior dos últimos seis anos.
Falta punição mais severa. Do total de casos denunciados e comprovados pela fiscalização, apenas 4,2% foram condenados de forma definitiva. E a ausência de punição rigorosa acaba incentivando a prática criminosa. Pela primeira vez desde o início do registro dessas operações, a maior parte dos trabalhadores foi resgatada em estabelecimentos urbanos.
São centenas de pessoas físicas e jurídicas que integram Lista Suja. No entanto, a pressão de alguns segmentos produtivos, particularmente do setor do agronegócio, para o abrandamento da caracterização desse tipo de exploração permanece. De outro lado, há o desaparelhamento da estrutura de fiscalização.
No último dia 25, mais de 200 pessoas foram resgatadas em Bento Gonçalves (RS). Três vinícolas e 23 proprietários rurais contratavam a empresa terceirizada que praticava essa ação criminosa.
E que fique bem claro, esse é mais um fato que afeta negativamente nossa imagem mundo afora.
Afonso Pola é sociólogo e professor.