O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) interrompeu o julgamento que discute a possibilidade de a investigação sobre abuso do poder por parte de autoridade religiosa ser realizada no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) a partir das Eleições 2020.

A discussão ocorre na análise do processo que pede a cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares dos Santos, eleita em 2016 no município de Luziânia (GO) e acusada de praticar abuso de poder religioso durante a campanha.

De acordo com a acusação do Ministério Público Eleitoral (MPE), a então candidata teria se reunido na catedral da Assembleia de Deus localizada na cidade para pedir votos aos membros da congregação. A reunião com pastores de outras filiais foi convocada pelo pai da candidata, Sebastião Tavares, pastor e dirigente da igreja no município.

Tanto o pai quanto a própria candidata foram condenados pelo juiz eleitoral, porém, o TRE absolveu o pai e manteve a condenação da vereadora. Contra ela, ficou apontado como ilícito o discurso com duração de cerca de 2 minutos e 50 segundos para aproximadamente 30 a 40 jovens do sexo masculino na instituição religiosa. De acordo com o MPE, a candidata utilizou de sua condição de autoridade religiosa para influenciar a escolha dos eleitores e intervir no direito constitucional da liberdade de voto.

Até o momento, os três ministros que já votaram decidiram que as provas juntadas aos autos não são suficientes para cassar o mandato da parlamentar. No entanto, o caso servirá de base para a jurisprudência a ser aplicada pela Justiça Eleitoral em relação à atuação de líderes religiosos e candidaturas a cargos políticos.

Voto-vista - O julgamento foi retomado com o voto-vista do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, que acompanhou a divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes para acatar o recurso que inocenta a candidata (mesmo posicionamento do relator), mas sem aderir à tese de abuso religioso a ser investigado pela Justiça Eleitoral.

O ministro Tarcisio citou diversas garantias legais que abrangem a liberdade de expressão, o multiculturalismo, a tolerância, a liberdade religiosa e, inclusive, o direito do cidadão de votar no candidato que melhor se coaduna com as linhas de fé professadas por ele. "Não vejo como defender a liberdade de voto dissociada da liberdade de expressão do candidato e de seu simpatizante", disse o magistrado.

De acordo com o ministro Tarcisio, o TSE já decidiu em diversos processos anteriores sobre a atuação de líderes religiosos, analisando caso a caso e punindo eventuais excessos, sem a necessidade de entender o abuso religioso equiparado ao abuso do poder.

Ele citou que a garantia de liberdade religiosa e a laicidade do Estado não afastam os demais princípios – de igual estatura e relevo constitucional – que tratam da normalidade e da legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico e o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Também não afastam os preceitos que impõem a igualdade do voto e a igualdade de chances entre candidatos.

Com base nisso, lembrou o ministro, o TSE entendeu que não estão acobertadas pelo manto da liberdade religiosa condutas que, sob o pretexto de professar a fé em culto religioso realizado em local público, descambem para ilícitos eleitorais, como a realização de propaganda eleitoral e pedido explícito de voto para determinado candidato. Essa regra deve ser observada especialmente em data próxima às eleições. "Com base em todas essas considerações, entendo como inviável a novel taxionomia [sistemática] proposta pelo ilustre relator, razão pela qual, com todo respeito, divirjo da proposta de fixação da tese afeta à viabilidade do exame jurídico do abuso do poder de autoridade religiosa", finalizou.



CRÉDITO/FOTO: Divulgação

LEGENDA/FOTO: Prédio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em Brasília