Cerca de 3,7 milhões de mulheres brasileiras sofreram algum episódio de violência doméstica nos últimos 12 meses, segundo o Mapa Nacional da Violência de Gênero, divulgado pela Agência Brasil. Em 2024, foram registrados 1.459 feminicídios e, neste ano, já são mais de 1.180 casos. Para a coordenadora da Patrulha Maria da Penha de Suzano, Jaqueline Ferreira, que acompanha vítimas desde 2021, há uma subnotificação de casos e o aumento da divulgação desses crimes tem contribuído para que mais mulheres denunciem. Ela afirma ainda que, entre as mulheres assistidas pelo grupamento, o número de feminicídios é zero.
Os dados do Mapa da Violência de Gênero, criado pelo Observatório da Mulher contra a Violência do Senado, apontam que em média, cerca de quatro mulheres foram assassinadas por dia em 2024 em razão do gênero. E após os recentes casos de feminicídio que ganharam repercussão nacional, manifestações contra o crime foram realizadas no último domingo (7) em várias cidades brasileiras.
Jaqueline considera a mobilização positiva e reforça que a conscientização é essencial para reduzir a violência. "Acredito que, com a divulgação dos casos e a necessidade desse boletim, as subnotificações têm diminuído", afirma. "É importante que a Imprensa dê visibilidade a esses casos, porque hoje as pessoas estão mais sensibilizadas e cobrando políticas públicas que possam ajudar essas mulheres. A divulgação é muito importante, mas também deve ter o objetivo de conscientizar", completa.
A coordenadora da Patrulha suzanense reforça que é essencial que as mulheres denunciem desde os primeiros sinais de violência, que nem sempre são físicos: "Às vezes a mulher não sabe nem por onde começar a denunciar os casos, não sabe se tem alguém que vai ajudar. Ela vê muitos casos que estão na mídia e tem aquela falsa impressão de que isso sempre fica impune. Por isso, pode parecer difícil, mas existem mecanismos de defesa que podem ajudar e por isso que isso também tem que ser divulgado, além de só os crimes".
Patrulha
A Patrulha Maria da Penha, presente em diversas cidades, atua na proteção de mulheres vítimas de violência. Em Suzano, o grupamento especial da Guarda Civil Municipal (GCM) oferece suporte direto às mulheres com medida protetiva, realizando rondas, monitoramento e atendendo emergências. O atendimento é feito pelo número 153. Criada há 11 anos, a Patrulha se tornou uma referência para outros municípios. O grupamento, que conta com oito pessoas e duas viaturas. "O nosso intuito é saber se a medida está sendo respeitada e se há necessidade de rondas por essa mulher. A gente recebe uma média de 60 a 80 medidas por mês, fazemos a impressão dessas ordens e o contato com as mulheres", explica.
A denúncia, segundo Jaqueline, pode ser feita diretamente na delegacia ou pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), mas também existem alternativas como o Ministério Público, a Defensoria e o boletim de ocorrência online da Polícia Civil, disponível para casos de ameaça, injúria, calúnia ou lesão corporal — exceto em situações de violência sexual, onde o registro presencial é recomendado.
Entre janeiro e novembro deste ano, 621 medidas protetivas foram recebidas pela Patrulha Maria da Penha de Suzano. "Hoje acompanhamos de forma direta, com rondas, 251 mulheres, que são aquelas que ainda demonstram temor. Não é necessário que o agressor tenha descumprido a medida, o fato de ter a medida já nos permite ofertar a ronda", afirma Jaqueline. Além das rondas, as mulheres acompanhadas têm acesso ao aplicativo 'Está Acontecendo', que permite acionar a viatura da Patrulha a qualquer momento. "No momento da visita, pedimos o telefone, instalamos o aplicativo e ensinamos como funciona, incluindo o botão amarelo para casos de ameaça ou descumprimento da medida protetiva", detalha.
A coordenadora informa que, neste ano, a Patrulha registrou 19 prisões por descumprimento de medidas protetivas, além de outras ocorrências de violência doméstica que resultaram em prisão. Ela reforça a importância da denúncia: "Dados apontam que dos casos de feminicídio no Brasil de 2024, 97% das vítimas não tinham medida protetiva. Por isso é importante denunciar", enfatiza.
O grupamento também desenvolve ações de conscientização em escolas municipais, por meio do projeto Maria Vai à Escola. "Fazemos no programa dois meses de aulas com os alunos, tratamos de diversos temas e explicamos sobre a violência. Ali também eles conseguem identificar, através de relatos, situações de casos de violência. O diferencial do nosso trabalho é que não é só uma palestra, tem uma escuta ativa", afirma Jaqueline.
A importância de direcionar a mulher para serviços com suporte social, psicológico e econômico também é destacada por Jaqueline: "Sei que nosso trabalho é monitorar, passar em rondas, fazer a abordagem, a condução, mas acabamos vendo que só é eficaz quando conseguimos direcionar a mulher para resolver o problema. Por exemplo, quem tem dependência financeira precisa de mecanismos para ajudar a pagar aluguel, e quem tem dependência emocional precisa de acompanhamento. Em Suzano, temos parcerias com programas sociais, de auxílio aluguel, vagas preferenciais em cursos de capacitação e acompanhamento psicológico".
Conscientização
Nos próximos anos, Jaqueline acredita que os registros de violência contra mulheres irão subir, o que deve motivar mudanças no comportamento da sociedade. "O número de denúncias está lá em cima porque as mulheres estão se encorajando mais. E precisa denunciar mesmo. Eu dou o exemplo de Suzano: temos a Patrulha há 11 anos, uma das mais antigas do país, e entre as assistidas que são acompanhadas pela ronda, o caso de feminicídio é zero", afirma.
Ela também aponta a necessidade de criar mecanismos de trabalho com os homens denunciados. "Seria interessante porque esses homens não se reconhecem como agressores, acham que a mulher é dele e ele pode bater. Tinha que ter um trabalho com esses homens, com uma ordem do Fórum, para trabalhar a raiz do problema", acrescenta.
Jaqueline salienta que o feminicídio não é o início, é sim o final de um ciclo que a mulher já vem enfrentando. "O conselho é que, no primeiro sinal de violência, faça a denúncia, procure a rede de proteção e os mecanismos de proteção. O que precisamos para mudar é a conscientização. Trabalhar as crianças sobre o que é violência, para que compreendam que aquilo que veem dentro de casa não é normal. A curto prazo, mecanismos como tornozeleiras, redes de proteção e acompanhamento psicológico ajudam, mas é um processo longo", afirma.
Estado
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado de São Paulo informou que, desde 2023, o número de Salas Delegacias da Defesa da Mulher (DDM) 24h cresceu 174%, totalizando 170 unidades no Estado, sendo 108 entregues entre 2023 e 2025. Há 142 DDMs territoriais, com 18 funcionando 24h — sete na capital, uma na Grande São Paulo e dez no interior. a pasta destaca que foram inauguradas novas unidades em Paulínia e Ferraz de Vasconcelos. Suzano, Itaquaquecetuba, Arujá e Mogi das Cruzes contam com as delegacias especializadas, inclusive a unidade mogiana começou a funcionar em um novo endereço na rua Coronel Santos Cardoso, 371, no Jardim Santista, nesta semana.
Segundo a SSP, a Cabine Lilás realizou cerca de 15 mil atendimentos, e o aplicativo SP Mulher Segura, criado em 2024, já contabiliza 1,4 mil boletins de ocorrência e 4,9 mil acionamentos do botão de emergência. A pasta afirmou ainda que o monitoramento de agressores com tornozeleiras eletrônicas garante respostas rápidas em casos de descumprimento de medidas protetivas.
Atendimento
O telefone da Patrulha Maria da Penha de Suzano é o 4745-2150. Mulheres também podem entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência pelo número 180, e com a Polícia Militar, pelo 190.