A entrevistada do Café com Mogi News desta terça-feira (6) é Juliana Bertin, CEO e fundadora da startup Soulcial, que nasceu no Polo Digital de Mogi das Cruzes, localizado em Cezar de Souza, com a ideia de resolver problemas financeiros de organizações sociais. A primeira ideia foi a "tradução" de editais para a inserção das entidades, mas foi com o programa Nota Fiscal Paulista do governo de São Paulo, que a startup avançou e descobriu uma maneira mais simples de auxiliar as organizações a obter recursos. A startup hoje conecta pessoas, empresas e organizações sociais, de diferentes localidades, por meio da doação de cupons fiscais sem CPF.

Segundo Juliana, "a Soulcial vem mostrar para as pessoas como traduzir a Nota Fiscal Paulista como um recurso que as entidades podem contar". A primeira ação da startup contou com a participação do Instituto Pró Vida, cujo presidente do Conselho, Roberto Lemes, também já esteve no Café. Foi a partir dessa ação que a startup cresceu e estabeleceu-se como um negócio de impacto social. Saiba mais nesta entrevista especial, realizada em parceria com a Padaria Tita.

Café com Mogi News: Como nasceu a Souicial?

Juliana Bertin: A Soulcial nasceu dentro de um programa de um curso que a gente participou. Era um programa destinado a aprender como negócios de impacto social funcionam. Eu vim de uma formação no envelhecimento e sempre lidei com ONGs, com pessoas em situações de vulnerabilidade e nunca soube o que fazer com isso. Fiz faculdade no interior e, quando eu voltei para Mogi, tinha muito conteúdo e não sabia por onde começar. Fui para o Polo (Digital de Mogi das Cruzes) buscar palestras e buscar o que eu podia fazer com tudo isso. Nesse curso, aprendemos o que é negócio de impacto, porque existem negócios, não só ONGs, que são novos modelos de conseguir fomentar e trazer dinheiro.

Foi onde surgiu a ideia de resolver problemas financeiros das ONGs, como querer fazer muito e não poder porque não tem recurso. A Soulcial nasceu, inicialmente, com uma ideia de traduzir editais. A intenção era pegar esses editais que tem um português mais rebuscado e traduzir para que as entidades conseguissem se inserir. Então o que elas precisavam para colocar no projeto, qual a documentação, como vai ser usado, tentar traduzir para ser uma coisa mais simples. Esse foi o início da Soulcial.

Aí olhamos para a Nota Fiscal Paulista, que é um recurso muito bacana a partir de uma Lei que existe desde 2007 e todo mundo conhece. Em 2018, ela foi reformulada, com um caráter mais para as entidades sociais. É um recurso muito bacana, mas pouco utilizado. A Soulcial vem, nesse momento, mostrar para as pessoas, como eu queria traduzir editais e traduzir a Nota Fiscal Paulista, como um recurso que as entidades podem contar.

CMN: E o primeiro trabalho que vocês fizeram foi com o Instituto Pró+Vida? Como foi esse trabalho?

Juliana: Nós somos uma startup. E o que é uma startup? É uma empresa de tecnologia que precisa ter um crescimento muito rápido. Então a gente tem um ditado que a gente coloca o avião para voar sem asas. A gente vai construir o avião já voando. De janeiro a agosto de 2020, a gente fez o nosso teste, nosso protótipo, o MVP (sigla em inglês para Produto Mínimo Viável) que as startups fazem no meio da pandemia. E a gente contou com cinco entidades para fazer esse teste. Eu falo que o Instituto Pró+Vida foi a nossa cobaia no ótimo sentido, porque a gente cresceu e aprendeu muito a como realmente funcionar. A gente tinha o lado da ferramenta e precisava aprender como a pessoa iria utilizar. Tem que ser um aplicativo, uma tecnologia que funciona. Nesses seis meses, com essas cinco entidades, a gente fez o teste e funcionou muito bem. Em setembro de 2020, foi lançado oficialmente o aplicativo, e fizemos dois anos. A gente continua evoluindo e as entidades continuam trazendo seus feedbacks, então a plataforma está em constante evolução.

CMN: E hoje vocês estão fazendo trabalho também com as empresas? 

Juliana: O que você comentou do Pró+Vida foi a nossa primeira campanha, como a gente chamava. Foi uma forma de ‘gameficar’, de tornar divertido, lúdico. A gente transformou a Nota Paulista em um jogo, então as pessoas doam seus cupons fiscais e concorrem a prêmios. O cupom fiscal se transforma em pontos e tem um ranking. A gente leva todo esse engajamento para dentro da empresa, criando uma gincana dentro da empresa com os próprios funcionários para que se sintam pertencentes daquilo. Eles doam seus cupons fiscais, concorrem aos prêmios e, no final, o maior beneficiado é a entidade social que foi apoiada.

A gente olhou para as empresas porque elas também querem fazer algo e são grupos de pessoas. A intenção é facilitar com que ela consiga apoiar as entidades sociais. É uma ferramenta desenhada para que as instituições tenham menos trabalho para conseguir esses recursos e para que as pessoas entendam o poder que esse papelzinho tem e que as empresas consigam pegar esse grupo de pessoas, movimentar para gerar impacto social, muitas vezes para entidades sociais do próprio entorno. A gente tem um case desse, aqui em Mogi mesmo, de uma indústria que está apoiando uma instituição do próprio bairro e nem sabiam que ela existia. Tem toda essa aproximação, essa conexão e isso é muito interessante.

CMN: Vocês começaram em Mogi e hoje estão estendendo essa atuação? 

Juliana: Hoje a gente está no Alto Tietê todo e, ao todo, são 28 entidades sociais, salvo engano, e na Grande São Paulo. A gente está também com um plano de expansão para o litoral, já temos uma entidade social do Guarujá, e para o interior, porque temos uma base de doadores grande e, às vezes, as pessoas mandam: ‘Não tem alguma aqui próxima da minha cidade?’, e eu digo:  ‘Ainda não, mas daqui a pouco a gente tem’. Aí o usuário indica e a gente conversa com a instituição. Todas são muito bem-vindas. A gente está nesse caminho de crescer aqui em Mogi e região do Alto Tietê, sempre de portas abertas, mas também trazer outras partes do Estado.

CMN: Estávamos comentando na pandemia e ela teve um impacto muito grande nesse processo? Como afetou vocês?

Juliana: As entidades sociais precisavam de mais dinheiro, foram dois movimentos: ou aumentou muito o seu trabalho com a sociedade, ou ela perdeu todos seus doadores. Por que o que aconteceu com a pandemia? Era um momento de medo, ninguém sabia o que ia acontecer, ninguém sabia o que fazer, houve a retração econômica, afetando o financeiro de todo mundo. A gente ia comprar algo e pensava duas vezes porque precisava comprar o alimento. Muitas pessoas que ajudavam as entidades sociais não puderam ajudar, começaram a precisar dessa ajuda. Então elas sofreram muito com esse momento de pessoas que sempre foram solidárias e não podiam, mas elas tinham que continuar. Foi um momento bacana de começar, porque a gente começou realmente trabalhando, não foi algo lento, não. A gente precisava dia a dia trabalhar para que aquela entidade recebesse aquele recurso para que ela não fechasse as portas, para que as pessoas atendidas continuassem com o atendimento. Foi um desafio e tudo online.

Das 28 entidades sociais, poucas conhecem a gente. Agora que a gente pôde sair de casa, a gente começou esse movimento de visitar. Todas as parcerias foram online. Quando lançamos o aplicativo, a gente não fez um evento. A gente realmente testou que o online tem muita força, desde que a gente consiga criar conexão, desde que a pessoa que está do outro lado se conecte com o que estamos falando. E a gente vem conseguindo fazer isso com muito esforço e aprendizado, principalmente com as entidades, e mudar esse olhar que elas tem de ficar pedindo. Elas precisam mostrar o tanto que fazem e pelo aplicativo elas estão conseguindo conversar com os doadores.

CMN: O curso que deu origem a todo esse trabalho era voltado a negócios de impacto social. Como você avalia esse segmento? 

Juliana: Os negócios de impactos social estão entre ser uma entidade social e ser uma empresa, então falamos que é o setor 2.5. São empresas que visam o lucro, mas não é o principal objetivo. A Soulcial é uma empresa como outra qualquer, a gente oferece um serviço, mas o nosso foco é resolver um problema. Esse setor de negócios de impacto social vem crescendo muito, até em relação às startups, se fala mais. Está desmistificando que é errado a gente criar uma solução para isso, não é errado a gente criar um joguinho para crianças que ensinem a atirar, então a gente não liga de as pessoas pagarem por isso. Os negócios de impacto vêm crescendo muito. 

CMN: Esses dois anos da Soulcial ultrapassou sua expectativa? Como você avalia esse período? 

Juliana: Da primeira versão do aplicativo, para o que a Soulcial é hoje, ela evoluiu muito e muito rápido, então hoje não é apenas uma doação de cupom, é uma conexão com as pessoas. A gente tem um clube de benefícios para os doadores. A gente consegue oferecer valor para quem está doando, para quem está recebendo e para as empresas que estão utilizando, então esse amadurecimento foi muito rico. Nesses dois anos, se tem uma palavra que resume tudo que a gente passou foi resiliência. Negócios de impacto passam muito por dedos e apontamentos: ‘Vocês não são negócio’. Então quando a gente vai para o mundo do negócio, buscar investimentos às vezes olham a gente como patinho feio e, de um universo que existiam várias startups, talvez a Soulcial é a única que continuou. Então somos sim um negócio, estamos trazendo um valor muito grande e sempre precisamos ter resiliência para entender que precisa aprender e melhorar e isso vai ser constante. Esses dois anos chegaram com muita alegria, a gente comemora no aplicativo com uma gincana que conta um pouquinho da história da Soulcial. 

CMN: O que vocês esperam para o futuro da empresa.

Juliana: A gente tem algumas projeções, algumas metas. Em 20 meses, a gente bateu R$ 1 milhão em doação. Não é uma métrica de vaidade, é uma métrica de ‘está dando certo’. O que a gente vai fazer para fazer isso mais rápido? Então nos próximos 20 meses a gente quer chegar nos R$ 10 milhões. E nos outros 20, a R$ 100 milhões. A Nota Fiscal Paulista é um recurso muito bacana para as entidades sociais, dos recursos públicos, é um dos mais simples a serem captados, porque não tem um projeto que você escreve.

CMN: Você falou de investimento, vocês têm conseguido outros investimentos?

Juliana: A gente ainda não conseguiu um investimento, então falando dessa parte de negócio a Soulcial se sustenta. Não é só dinheiro, se fosse a gente iria num banco e pegava um empréstimo. O investidor precisa ter o mesmo coração que a gente e ainda não encontramos. A gente vai encontrar num futuro breve, mas ainda não, mas está tudo bem, a gente segue e não desanima. Pelo contrário, faz a gente querer trabalhar mais para que a gente consiga ter a mesma velocidade do que teria com o investimento. A gente continua correndo.

CMN: Vocês participaram de alguns programas de fomento, de aceleração?

Juliana: Sim, a gente tem o maior programa de aceleração da América Latina, é do governo Federal, do Sebrae, é o maior programa de startups de negócios. A Soulcial foi reconhecida como o melhor negócio no setor de serviços do ciclo passado. A gente participa de outros programas de aceleração, mas eles trazem muito a parte de evolução do negócio, mentoria, conexões, então essas acelerações ajudam a gente a conversar com empresas grandes, porque elas se sentem mais confiantes, já que a gente é pequenininho, mas temos parceiros enormes, muito por conta desses programas.

CMN: Para a gente finalizar, uma coisa que eu acompanho sempre são as redes do seu projeto, que voe muito. 

Juliana: Eu agradeço e, só para a gente finalizar, o porquê que é um passarinho (o símbolo). A Soulcial nasceu de uma fábula, participou comigo inicialmente um amigo, o Caio, ele sempre contou a fábula do beija-flor e um incêndio na floresta. Estava tendo um incêndio na floresta e todos os animais fugiram, menos o beija-flor. Ele ia no lago e voltava com uma gotinha no bico. Os animais voltaram e o chamaram  para ir embora, perguntando: ‘Por que você está fazendo isso?’, e ele respondia: ‘Eu estou fazendo a minha parte. De gotinha em gotinha, eu vou apagar o incêndio’. Isso fez com que esse animal ficasse e os outros voltassem e eles, juntos, apagaram o incêndio. A Soulcial nasceu com essa fábula, que é linda, onde todo mundo tem o poder de resolver as coisas, mas ela nasceu justamente porque a gente está lidando com cupom fiscal, com doação. A sua pequena ajuda é uma gotinha no oceano, no lago, que vai apagar o incêndio. De gota em gota, de cupom em cupom, a gente ajudou a levar R$ 1 milhão em doação. Um recado final é que o seu cupom fiscal vale muito para as entidades. Desmistifica, perde um pouco esse medo, vem conhecer e se tornar um desses animais.

(Colaborou Gabriel Vicco Amaral)