No episódio do Café com Mogi News desta terça-feira (20), último deste ano de 2022, a redação recebe Hamilton Francelino, mais conhecido como Professor Tico, que desenvolve o projeto social Futebol Atos 29, fazendo do esporte mais popular do país um instrumento de inclusão social na cidade de Mogi das Cruzes. Tico revela como surgiu a ideia e como o projeto vem se desenvolvendo ao longo dos anos, contando com a ajuda de pais de crianças e de outras entidades que também promovem ações filantrópicas. Conheça mais sobre esse trabalho que transforma a vida crianças e adolescentes por meio desta entrevista especial em formato de texto e vídeo, em parceria com a Padaria Tita.       

Café com Mogi News: Como foi a sua relação com o futebol até chegar a criação do projeto?
Professor Tico: A minha relação com o projeto começou a surgir em 2017. O Fut Atos teve início em 2018, mas em 2017 já vinha trabalhando com os meninos, dando aula no Jardim Universo. Ali tem uma comunidade muito carente e para tirar os meninos da rua, a gente levava para o projeto. Aí surgiu o nome do projeto, Futebol Atos 29, e começamos a reunir todos esses meninos. Meu filho chamou um amigo, um amigo chamava o outro, e começamos a divulgar o projeto. Foi nesse meio que surgiu muito mais vontade de trabalhar, porque eu via muito mais a necessidade dos meninos. Então de início a gente começou a trabalhar com os meninos menores, de 12 ou 10 anos, e começaram a aparecer meninos de 14, 16.

CMN: Como surgiu o nome do projeto?
Tico: Por ser cristão eu frequentava a Assembleia de Deus Internacional Atos 29, e em uma conversa com os pastores, com os irmãos, eu falei: 'Eu preciso de um nome para o projeto'. Aí surgiu esse nome, Atos 29. Atos na Bíblia vai até o capítulo 28 e quem dá continuidade para a história é a gente que está aqui hoje. Eu falei: “Vou colocar Atos 29 para dar esse seguimento nessa história'. Nós estávamos pensando em um monte de nomes, mas que não cabiam para o projeto. Eu acho que foi uma inspiração de Deus mesmo, porque quando colocou Atos 29, começou a ter esse reconhecimento, todo mundo falando sobre a Atos 29.

CMN: Uma coisa importante é o esporte como inclusão social. Como é a interação do pessoal no projeto?
Tico: A gente passou a criar algumas regras para o projeto social, porque a gente vê que tem muitos projetos que não têm o acompanhamento dos pais, de um responsável. Então precisava ter alguém responsável por cada menino, porque lidar só com a criança é difícil. Assim criamos essas regras para o projeto, para os pais estarem mais presentes. O menino quer jogar futebol, primeiro ele tem que estar bem na escola. Minha esposa acompanha os meninos para ver o boletim escolar, se está estudando, se está bem em casa. Então a gente cobra dos pais ou de um responsável pela criança. Com isso, aquelas crianças que estavam chegando sozinhas já não chegam mais, chegam acompanhadas pelo pai, com o avô, com o tio, e a gente acaba unindo até a família.

CMN: Quando você começou quantas crianças iam e hoje quantas já aderiram?

Tico: A gente começou na intenção de ocupar mais o meu filho que estava na rua com os amigos. Aí começou vindo entre 10 crianças, mais ou menos entre 12 e 13 anos, que era a idade que eles tinham na época, e hoje a gente tem mais de 100 crianças. A gente, pelas dificuldades de tempo e horário, criou uma lista, em que todo mundo que procura, querendo entrar vai se encaixando conforme a saída de algum menino do projeto ou por causa da idade, porque colocamos entre 4 e 16 anos. Quando vai fazer 17, infelizmente tem que sair do projeto, porque a gente procura parcerias para esses meninos de 15 e 16 anos para arrumar trabalho. A gente já recebeu convites assim: 'Olha, você tem um menino assim, assim, assado?', e aí a gente consegue encaminhar. Pode não ser um jogador de futebol, mas vai ser um cidadão do bem, então tem esse serviço para você como jovem aprendiz.

CMN: E tem meninas no projeto também?

Tico: Temos meninas também, tem menina que vem de César de Souza.

CMN: Tem pessoas que vem de outras cidades?

Tico: Acontece muitas vezes vir pessoas de Suzano vir, porque fica sabendo do projeto, nem é tão carente assim, mas tem um amigo que está lá jogando, ou um parente e falam: 'Nossa, é um projeto legal, é bem organizado', então o pai acaba levando. A gente não tem aquilo de só vai ser carente, e é muito bom porque nisso, esses pais que tem um pouco mais de condição acabam ajudando a gente dentro do projeto. A gente, hoje, não tem uma prefeitura, não tem um vereador, não tem ninguém que ajude o projeto. Tudo o que envolve o projeto é a gente quem faz - uma rifa, é um pai que ajuda ou colabora com alguma coisa. Sempre estamos em uma linha para poder levantar o projeto e não deixar parar.

CMN: E tem essa interação com crianças de diferentes condições de vida.
Tico: Isso. Porque a gente vê que o projeto social ajuda nessa parte também, porque chega a criança que às vezes não é carente, mas é uma criança difícil de lidar. Muitas vezes tem dificuldade de conversar com outra criança, ou é uma criança que não deixa brincar muito com ela e tem dificuldade de se soltar. Com essas outras crianças, ela começa a ter aquela interação, vai conversando, vai brincando e vai se soltando. Hoje, a gente tem pais que falam: “Olha, eu não posso tirar meu filho daqui, porque está sendo uma coisa muito boa para ele”. Nessa era tecnológica do celular, atrapalha muito, porque a criança quer ficar só no celular, e com o futebol, você tem que dormir cedo para acordar cedo no dia que tem jogo. Tínhamos meninos e adolescentes que chegaram e não tinham nem documento. Então a gente acaba fazendo com que eles tirem o documento porque tem que participar do campeonato, são coisas que antes eles não se preocupavam.

CMN: Vocês organizam campeonatos?
Tico: A gente já foi convidado até por escolinhas particulares grandes. Uma delas foi a escolinha do PSG, que é em São Paulo. Ali é uma escolinha de futebol em que a mensalidade das crianças é R$ 700. A gente se uniu, fizemos uma rifa, alugamos um ônibus, levamos todas as nossas categorias, aí foi pai, mãe, tio, tudo lá para a escolinha. É a realização dos sonhos dos meninos, chegar, ver a estrutura, e é ali que eles aprendem que é isso que eles querem ter também, então precisa estudar, se dedicar para o projeto, nos treinos. É isso que acaba vislumbrando nas crianças para que eles deixem aquelas coisas que eles estavam fazendo de errado e passem a fazer as coisas certas.

CMN: Vocês receberam artistas, jogadores profissionais. Como é foi?
Tico: A gente tem alguns contatos com jogador de futebol e conversando eu falei para quando arrumasse na agenda um tempinho para ir conhecer. Teve o Wendel do Palmeiras, e não só futebol, o Fernandinho Beatbox foi lá. Eles acabam levando uma palavra para os meninos, e eles também tiveram uma vida difícil. Muitas vezes, muitos deles não tinham nem o que comer. Eles acabam sendo uma esperança na vida desses meninos. Às vezes a gente pensa que ser jogador de futebol é fácil, mas não é, porque é o que eu falo, tem diferença de ser jogador de futebol e ser um atleta, atleta tem que se dedicar, ter toda aquela disciplina, e eles levam esse conhecimento para essas crianças. Eles falam que tiveram que batalhar e lutar muito para ser um jogador de futebol, tiveram que fazer essa escolha entre ficar com os amigos na noitada ou dormir cedo, e isso agrega para que isso seja melhor para as crianças.

CMN: Você falou que o projeto se dá em um campo de futebol que é particular. O proprietário cede o campo para vocês utilizarem?
Tico: Fica na Quadra do Fabinho Soccer, e a gente já se conhece faz alguns anos. Logo que eu comecei com o projeto, ele ofereceu a quadra. A gente faz aulas aos sábado, começa às 8h30 e vai até a 1 hora da tarde. A gente começou nas terças-feiras, das 5 às 7 da noite, de quinta-feira também, então, se tivesse que pagar todo o valor a gente não teria condições. No valor atual, a gente consegue contar com aqueles pais que têm condições, e até mesmo outras ajudas para bancar a quadra, porque infelizmente não temos condições de levarmos os meninos para uma quadra da prefeitura, que é um bem para a periferia, para a comunidade. Só que o problema é que tem muita gente que está se aproveitando para ficar usando droga em volta. Essa é a realidade hoje, e para mim não serve.

CMN: Caso alguém queira ajudar, como entrar em contato?
Tico: A gente tem a página do Instagram, se chama @fut.atos.29, e também no Facebook que é Futebol Atos 29, e pode ser também meu contato direto que é (11) 98705-8370. Entrou em contato, a gente tem umas regrinhas para passar para os pais que têm interesse em colocar o filho para participar do projeto, e temos umas regrinhas básicas que é não falar palavrão, e o pai não pode ficar bebendo e reclamando na quadra. Então tem toda essa preocupação, e às vezes a gente se torna chato, mas a gente precisa, pois a visão do projeto social é que eles mudem aquela ideia, de por ser um projeto social tem que estar com tênis rasgado, tem que ter gente fumando, falando palavrão. A ideia é fazer um projeto social bem próximo daquelas escolinha mesmo, para eles se sentirem valorizados.

CMN: Para aproveitar a oportunidade, deixe um abraço para a garotada do projeto.
Tico: Eu falo que o pessoal do projeto, aqueles meninos são como filhos. A gente criou esse afeto, esse carinho, então eu quero mandar um beijo para todos. Temos meninos de 4 até 16 anos, e a saudade é imensa quando não tem. Eu fico muito chateado quando começa a fechar o tempo, e não tem aula. A gente já fica com o coração apertado, aquela chuva e os meninos querendo ir jogar, porque eles ficam ansiosos? A semana inteira querendo participar de um treino, de um jogo, e às vezes o tempo não colabora. Quero também mandar um beijo para todos os pais que me ajudam, todos os nossos amigos, a minha esposa, que deixa os afazeres dela sábado para estar junto no projeto. A comunidade hoje ajuda, você chega no Fabinho Soccer e todo mundo conhece o Futebol Atos, sabe que é um projeto social sério.

*Texto supervisionado pelo editor.