Um dos episódios desta terça-feira (15) do Café com Mogi News é sobre o Projeto Acredita Poderosa, que apoia e orientação a mulheres vítimas de violência doméstica em Mogi das Cruzes. Lynnah Cassarini, coordenadora e mentora da iniciativa, que também é policial civil com experiência na área penal, e a advogada criminalista Mylena Brito contam sobre o trabalho que desenvolvem e os desafios para as mulheres que sofrem violência doméstica. 

As entrevistadas reforça a importância da orientação e do apoio: "Na delegacia, eu já acompanhei muitos casos, onde as pessoas não tinham orientação e hoje a Lei Maria da Penha nos traz bastante avanços no sentido de amparo para as vítimas. O projeto é a orientação e conscientização dessas pessoas acerca da violência doméstica", destacou Lynnah.

"A gente tem muita história para contar. A conscientização é o ponto de partida do projeto, da gente conseguir mudar o pensamento das pessoas, justamente porque os meus atendimentos com vítimas de violência doméstica é sempre assim: elas sempre têm a mesma narrativa, por exemplo 'ah, mas ele não me bateu'. E a Lei abrange vários tipos de violência. Violência física é uma delas, mas tem outros tipos", explicou Mylena. Saiba mais nesta entrevista especial ao Café com Mogi News, com apoio da Padaria Tita. 

Café com Mogi News: Como funciona o projeto e como ele surgiu?

Lynnah Casarini: O projeto surgiu e as pessoas perguntam se eu já sofri violência doméstica e não, nunca sofri, porém minha mãe sim. Eu com 15 anos fui buscar ajuda e, na época, não tinha nem a Lei Maria da Penha para nos amparar. Graças a Deus deu tudo certo, só que ficou essa necessidade de ter algo mais voltado para essas mulheres, essas vítimas, para pessoas em situação de violência, principalmente para orientação do que fazer, como fazer, onde procurar. Surgiu a ideia do projeto, só que sozinha eu não ia conseguir.

CMN: Em que ano isso?

Lynnah: Ele (projeto) já tem 10 anos que foi idealizado, no papel, mas de funcionamento mesmo, que conseguimos fazer acontecer, dois anos. Na área onde eu trabalho, na delegacia, eu já acompanhei muitos casos, onde as pessoas não tinham orientação e hoje a Lei Maria da Penha nos traz avanços no sentido de amparo para as vítimas. O projeto é de orientação e conscientização dessas pessoas acerca da violência doméstica. Nós fazemos o mutirão força-tarefa, vamos até a comunidade fazer essas orientações, junto com as minhas parceiras: a advogada criminalista, advogada da área cível, psicóloga, psicanalista, tem assessoria contábil. São várias parcerias engajadas no apoio para essas mulheres.

CMN: E você, Mylena, como entrou nesse projeto?

Mylena Brito: A Lynnah me convidou e desde que eu me formei eu sempre atuei na área criminal, então a iniciativa do projeto dela me chamou muito a atenção. E é como ela falou, eu nunca sofri violência doméstica, mas minha mãe sofreu. Parte daí a nossa iniciativa de ajudar outras pessoas. A gente tem muita história para contar. A conscientização é o ponto de partida do projeto, para a gente conseguir mudar o pensamento das pessoas, justamente porque os meus atendimentos com vítimas de violência doméstica é sempre assim. Elas sempre têm a mesma narrativa, por exemplo: ‘Ah, mas ele não me bateu’. E a Lei abrange vários tipos de violência. Violência física é uma delas, mas tem outros tipos.

CCM: Psicológica, financeira também. 

Mylena: Exatamente, patrimonial, sexual, psicológica, moral, tem muita coisa. Então a gente tenta, ao máximo, conscientizar essas mulheres para que elas tenham apoio e coragem de romper esse ciclo de violência.

CCMN: Nesses dois anos, quantas mulheres vocês já atenderam? 

Lynnah: Cerca de 280 mulheres nesses dois anos.

CMN: Nas forças-tarefas, como é o planejamento desses eventos?

Lynnah: A cada dois meses, nós fazemos um evento desses, porque a mulher da comunidade não tem meios de ir até uma delegacia, não tem meios de ir buscar ajuda, às vezes não tem nem acesso à rede social. Então nós atuamos na rede social sim, mas também atuamos na comunidade, onde existe uma demanda muito grande de violência. Nós vamos até lá, fazemos um trabalho de divulgação antes nesse local e vamos com todos os parceiros. Também temos o apoio da Patrulha Maria da Penha, que é da Prefeitura (de Mogi) e GCM (Guarda Civil Municipal).

CMN: Você falou que muitas não têm a conscientização de que estão sofrendo uma violência, como é esse trabalho para falar que é uma violência?

Mylena: Sempre parte de uma conversa. Normalmente elas entram em contato com a gente através do WhatsApp e eu já falo com a Lynnah: ‘Olha, eu tenho uma situação assim’. A gente vai precisar do projeto, porque tem uma assessoria ampla, não tem só a minha atuação como advogada. Mas a gente precisa de uma longa conversa, não é só em um atendimento que a gente conscientiza essa mulher. Às vezes a gente precisa acompanhar por alguns meses para que ela fale: ‘Não, eu realmente vou romper esse ciclo’. Infelizmente a gente tem casos de mulheres que inicialmente estão assustadas com alguma violência que aconteceu, mas elas se arrependem e voltam para o ciclo, mas a gente sempre está à disposição, sempre deixamos o WhatsApp, as redes sociais disponíveis para essas mulheres.

CMN: Você comentou da Patrulha Maria da Penha, que completou 16 anos há pouco tempo. Você acha que a Lei mudou um pouco isso, alertou as mulheres, abriu espaço para denúncia?

Lynnah: Sim, tivemos muitos avanços com a Lei Maria da Penha, o que hoje é considerado violência doméstica, violência psicológica, moral, patrimonial que não tinha antes.

Mylena: Ela é considerada uma das mais completas do mundo. Embora as pessoas achem que ela é muito branda, ela abrange bastante coisa.

CMN: E qual é o desafio de vocês nesse trabalho? É trazer essa mulher, a mulher manter a denúncia, já que você falou que muitas vezes ela não vai adiante. De repente fazer um trabalho com as mais jovens para não entrar nesse ciclo.

Mylena: Ela parte do conhecimento, lá no começo da educação, de você aprender o que é aquilo e identificar caso aconteça com você ou com alguém próximo. Como a gente pode lidar com alguém que está sofrendo essa violência? Porque a violência não começa com um tapa, uma coisa assim muito nítida. Ela começa com um relacionamento abusivo, com controle do que você deve ou não fazer e para a pessoa não te bater, ela bate na mesa, bate na parede e tem mulheres que acham normal. Quando uma mulher está inserida no meio de violência, ela tem dificuldade de enxergar.

CMN: E é uma coisa que vai além de classe social?

Mylena: Ultrapassa essa barreira, infelizmente.

CMN: Você acha que há mais casos ou há mais denúncias? Ou são as duas coisas?

Lynnah: Hoje em dia, há mais denúncias. A Delegacia Eletrônica aumentou a facilidade da denúncia e o encorajamento também, porque só o fato de a mulher não ter que passar pelo constrangimento de ir até um lugar, ficar aguardando até chegar a vez dela para fazer a ocorrência, relatar a situação em que ela viveu, porque ainda existe essa dificuldade de ela falar sobre o que ela vive dentro de casa. Então a Delegacia Eletrônica facilitou bastante nesse sentido.

CMN: E hoje, além de vocês, quantas pessoas trabalham no projeto? Todos de forma voluntária?

Lynnah: Temos 15 parceiros, todos de forma voluntária. Temos (advogado) criminalista, advogada cível, temos psicóloga, psicanalista, assessoria contábil para aquela mulher que não tem meios de se manter e precisa de assessoria para abrir o seu próprio negócio, o seu MEI (Microempreendedor Individual), então temos a contadora para fazer esse tipo de assessoria.

Mylena: A Fabi também.

Lynna: Temos a Fabi também, que é a tatuadora.

CMN: A Fabi Rosetti do Projeto Recomeçar, já esteve aqui com a gente.

Lynnah: Quando tem alguma vítima de violência no projeto dela, ela encaminha para nós. E nós também, quando tem alguma vítima que tem uma cicatriz e precisa de uma cobertura, nós passamos para a Fabi.

CMN: E quem quiser se juntar ao projeto, de forma voluntária, como faz?

Lynnah: Pode me procurar, procurar a Milena, através do Direct, ou pelo telefone.

Mylena: Eu sempre deixo à disposição as minhas redes sociais e meu WhatsApp. Sempre que, uma ou outra do projeto, capta uma vítima, a gente se reúne e fala: ‘Tenho esse caso, precisamos fazer isso’.

CMN: No caso das vítimas, elas procuram vocês pelas redes sociais?

Lynnah: Pela rede social, pelo WhatsApp. Conhecidas que sabem que eu tenho o projeto têm uma vizinha, a vizinha tem uma amiga, porque mulher é assim: uma fala para outra e, graças a Deus, hoje em dia, as mulheres estão tentando ajudar de alguma forma outras mulheres.

CMN: Acabou a história de que ‘em briga de marido e mulher ninguém mete e a colher’.

Lynnah: Isso, e quando tem uma pessoa que não quer se indispor na vizinhança, nos procura e fala: ‘Tenho uma vizinha que passa por isso’ ou ‘Tenho um familiar que passa por isso’, e a gente orienta essa pessoa a chegar até a vítima, porque muitas vezes o agressor afasta essa vítima do convívio social, dos amigos, da família. Então a gente procura orientar para que essa pessoa possa acessar a vítima de alguma forma e começar uma orientação para que ela tenha coragem de romper o ciclo.

CMN: Para uma mulher que está passando por uma situação como essa, que orientação vocês dão?

Mylena: Eu acho que parte da questão psicológica primeiro. A gente conscientiza para ela conseguir tomar a decisão definitiva de romper esse ciclo. Tomando essa decisão, ela pode nos procurar, ou procurar a Delegacia Eletrônica, que tem uma assessoria excelente da Polícia Civil, e ela consegue romper esse ciclo. Ela vai ter essa assessoria, por exemplo, se ela precisa se divorciar e tem os filhos. Tendo essa decisão e nos procurando.

CMN: E o que vocês veem para o futuro do projeto, o que vocês planejam?

Lynnah: Para o futuro do projeto, uma sede, para que possa ter atendimentos presenciais, porque durante a pandemia, o nosso foco foi atendimento online e é o que vem até hoje. Em alguns casos, a dra. Mylena oferece o escritório dela para que a gente efetue esse atendimento. Nós vamos até a comunidade, também, fazer atendimento para as mulheres carentes. Sempre em Mogi das Cruzes, mas ainda queremos ter o nosso espaço, para que tenha atendimento presencial, para que tenham palestras, acompanhamento psicológico também.

CMN: E você, Mylena?

Mylena: Eu acho que o objetivo maior a gente já demonstrou. Se a gente conseguir mudar a mentalidade de uma mulher, acho que a gente já está fazendo diferente. Mas, se a gente conseguir conscientizar, mesmo as mulheres que não sofrem violência, que elas consigam identificar se elas estão passando por isso, ou se alguém próximo está passando. Então, se a gente conseguir conscientizar o maior número de mulheres em relação a isso, já é uma vitória. Acho que tem que ser uma conscientização geral. Romper essa questão que já vem de muitos anos, que começa com o machismo e tudo mais. Então a gente conseguir realmente romper esse ciclo.

CMN: E repetindo histórias como a Lynnah comentou.

Mylena: Os comportamentos se repetem. Se a pessoa já tem uma referência, desde criança, que ser controlador e agressivo é normal, ele vai repetir esse comportamento.

CMN: E como você falou, não começa com agressão física diretamente, mas infelizmente pode ter esse fim.

Lynnah: Ela vai aumentando gradativamente, até que, infelizmente, evolui para o feminicídio. É para isso que a gente luta, que nós estamos aqui apoiando essas mulheres, estendendo a mão para essas mulheres, porque é um momento muito difícil, que a mulher se sente só pela própria agressão. Ela tem vergonha de falar, ela tem medo de alguma vingança, ela tem várias incertezas também, ela tem a situação dos filhos, ela não tem bens, só tem aquela casa, muitas vezes, ela tem medo de não conseguir criar os filhos sozinha, ela tem medo que a lei não a ampare devidamente. É por isso que nós estamos aqui, para poder orientar a mulher, para que ela possa entender que a lei está do lado dela e ela possa romper esse ciclo de agressão.

(Colaborou Gabriel Vicco Amaral)