Neste domingo, dia 20 de novembro, é celebrado o Dia da Consciência Negra e, apesar dos dispositivos garantidos em lei pelo Art. 5 da Constituição Federal e pelo Estatuto de Igualdade Racial (Lei n°12.288), o racismo ainda é uma realidade da sociedade brasileira a ser combatida. Segundo dados da Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania, em 2021, 155 denúncias étnicos-raciais foram recebidas, porém, só neste ano, até o dia 10 de novembro, esse número foi para 362 casos.
Em Mogi das Cruzes, mesmo com medidas promovidas pelos entes públicos, segundo o Conselho de Promoção da Igualdade Racial do município (Compir), o racismo vem se manifestando de forma cada vez mais aberta e, no ano passado, foram recebidas 13 denúncias.
De acordo com o Conselho, o combate ao racismo se dá em três frentes: prevenção, combate e promoção, que se dividem nos espaços de atuação público e privado. Para o órgão, presidido por Marielle Yukie Udo, as medidas de prevenção à discriminação nos espaços públicos se dão de maneira mais prática, pois existem campanhas de alerta e canais abertos para denúncias, exemplo disso é a criação do próprio Compir, a Praça Zumbi dos Palmares, no distrito de Braz Cubas, e o feriado municipal, que será celebrado pela primeira vez na cidade.
Ambientes privados
A maior dificuldade, entretanto, se encontra no ambiente privado, afirmou o Conselho. "Nos espaços privados existem muitas lacunas a serem preenchidas uma vez que não existe uma política educativa e cultural em nível nacional de enfrentamento ao racismo e, as políticas de ação afirmativas ainda encontram resistência na iniciativa privada", explicou o Conselho. Assim, para 2023, a expectativa é unir setores acadêmicos e privados para romper padrões comportamentais da sociedade.
Um dos fatores de difícil enfrentamento, para o Conselho, são quanto às manifestações racistas silenciosas e a negação de alguns setores da sociedade em admitir a existência da discriminação: "A nossa sociedade naturaliza o racismo, o que faz com que ele seja praticado com uma certa 'normalidade' nas relações sociais como um todo, de forma que desde muito cedo a população negra é sistemática e silenciosamente discriminada colocando as pessoas negras, dentro do imaginário coletivo, num lugar de inferioridade". O Conselho ainda complementou que o racismo sempre existiu, mas que hoje ele vem se manifestando de forma mais aberta, em nível municipal e nacional.
Religião
Outra forma de discriminação racial acontece nas camadas religiosas, muito comum, sobretudo, contra religiões de matrizes africanas, de acordo com o Compir: "Infelizmente, ainda há muitas situações em que religiosos, utilizando as vestimentas de sacerdote e/ou sacerdotisa, são impedidos de adentrar locais como hospitais, por exemplo, para celebrar a extrema unção aos adeptos de religiões de matriz africana".
Educação
Em contrapartida, o órgão coloca a educação como a melhor ferramenta de combate ao racismo e a construção de um futuro mais inclusivo e aberto às diversidades: "Ações já desenvolvidas nas escolas infantis da cidade, como uma biblioteca mais plural, brinquedos que permitam que crianças negras se identifiquem e profissionais comprometidos com a prevenção e o combate ao racismo de forma sistemática, são exemplos de ações pedagógicas".
Marielle, junto ao Conselho da Igualdade Racial, conclui que o Dia da Consciência Negra é, antes de mais nada, "uma celebração da cidadania reivindicada pela população negra", e que "paulatinamente será celebrado pelo país como um todo".
Na pele
A cantora, compositora e musicista mogiana Valéria Custódio, que neste ano lança seu segundo álbum musical, o "Miragem", cujo show de lançamento foi realizado no dia 10 de novembro, no Sesc Mogi das Cruzes, conta como é ser uma artista, mulher e preta, em meio às atuais circunstâncias socioculturais do país.
"Eu sinto o peso de ser uma mulher preta, porque as oportunidades são discrepantes. O racismo no Brasil é muito explícito, quem fala que não existe isso aqui… imagina, o que está querendo dizer com isso? Está vivendo onde? Eu já fui discriminada em relação à equidade salarial, desses acessos, oportunidade de estudo. Eu fui conseguir estudar depois de grande só, eu fui ter acesso a esse lugares importantes para uma carreira artística agora, depois de adulta. Tem uns três anos que tive acesso a isso", contou a artista.
Dentre suas produções, em seu primeiro disco, chamado "Púrpura", lançado em 2019, a cantora relata que o carro chefe é, justamente, uma música que trata sobre o preconceito, intitulada "Flores Pretas". "A música fala sobre essa questão racial que eu passei, que passo todos os dias até hoje, e do povo preto, da questão do olhar, dos olhares, de perguntarem: 'oi, você trabalha aqui?', e a gente não quer mais isso. É uma música que eu vou cantar para sempre, enquanto existir essa palhaçada de preconceito racial, ela vai estar no repertório com certeza", afirmou.
Cultura
Assim como o Compir, Valéria disse enxergar na cultura e na educação os pilares para o fim da discriminação. "A cultura tem um papel fundamental. Ela te faz querer entender o que é um nazismo, o que é um fascismo, o que é a escravidão, e a cultura está muito nesse centro, sem ela e a educação a gente não move nada. A cultura na luta contra qualquer tipo de discriminação é muito forte, ela é potente e necessária, e ouso dizer que ela teve um papel muito forte nessa luta pela defesa da democracia aqui no Brasil", comentou.
Em paralelo com a educação, a artista ressalta a importância de valorizar as tradições de matrizes africanas, como em seu samba "Odoyá", que é a saudação para a Orixá Iemanjá. "Essa música é crucial porque eu mostro ao público tudo o que foi, para mim, esse momento pandêmico e como me conectei com minha ancestralidade, com a minha cultura, com a minha cor e meu povo, das mulheres que vieram antes de mim, das mulheres da minha família", explicou.
Com essa perspectiva, ela assume que ter um mês no ano para se pensar a posição da população negra na sociedade é de suma importância. Segundo a cantora, ainda mais por se tratar de "uma dívida histórica", mas lembra que a luta do negro não existe só nessas datas, sendo necessário levar a conscientização nas escolas públicas e particulares.
Valéria afirmou que sua função é defender a bandeira contra o racismo. "Eu faço isso porque eu sou uma artista preta, então, se eu não cantar isso, melhor nem cantar. Eu fico sem cantar", concluiu. Os álbuns "Miragem" e "Púrpura" estão em plataformas digitais e podem ser acessados pelo link https://bityli.com/QoDymnifv.
*Texto supervisionado pelo editor.