Setecentos mil é um número que aparece na história recente do nosso país duas vezes. Esse número se refere a quantidade de pessoas que fizeram parte de duas situações antagônicas. Uma vez relacionado ao número de mortes e outra relacionado ao número de vidas salvas.

O primeiro número diz respeito ao número de vidas ceifadas durante a pandemia da Covid-19. Superamos a marca das 700 mil mortes provocadas pela doença. Uma parte dessas mortes é considerada como resultado da fatalidade. A contração da covid por uma pessoa que apresentava alguma comorbidade, geralmente não sobrevivia.

No entanto, de acordo com especialistas, uma boa parte dessas mortes poderiam ter sido evitadas, caso a ação das autoridades no momento mais grave da pandemia fosse diferente. O discurso antivacina e o consequente atraso da aquisição da mesma, a negação da necessidade do isolamento social e do uso de máscaras por quem deveria dar o exemplo, foram importantes aliados do elevado número de óbitos aqui registrados.

Em todo o mundo, são quase 7 milhões de mortes desde o início da pandemia. Desse total, cerca de 10% das notificações vieram do Brasil. É como se a cada dez óbitos notificados no mundo, um acontecesse no Brasil.

Por outro lado, as setecentas mil vidas que foram poupadas, decorrem do impacto positivo de uma política pública costumeiramente criticada por determinados segmentos sociais. 

De acordo com um estudo realizado por pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e publicado no mês passado pela revista The Lancet Public Health, o Programa Bolsa Família (PBF), que é um dos principais programas de transferência de renda do mundo, ao longo dos 20 anos de existência, impactou muito na saúde da população brasileira. 

É importante ressaltar que a Fiocruz é uma instituição pública centenária, que muito tem contribuído para a implementação de políticas públicas de saúde que impactam positivamente a vida de milhões de brasileiros.  

Ainda de acordo com o estudo, além das 700 mil mortes evitadas, o PBF também evitou mais de 8 milhões de internações hospitalares, particularmente entre crianças com menos de 5 anos e de pessoas com mais de 70 anos.

O Bolsa Família contempla hoje 54,3 milhões de pessoas. Ele é um programa que acaba impulsionando a vida de muitas pessoas que deixam de depender dele. Só em 2024, 1,3 milhão de famílias deixaram o programa por terem superado a renda per capita de meio salário mínimo.

Essas duas marcas tão antagônicas demonstram que o Estado que às vezes pode promover o mal-estar social, é o mesmo que também pode proporcionar o bem-estar social para muitos.

 

Afonso Pola (acelsopp@gmail.com) é sociólogo e professor