Nas últimas semanas, não se falava outro assunto no bairro que não envolvesse a morte de um consumidor regular de crack. O motivo, além da prematura morte? Os requintes de crueldades! A vizinha da rua de baixo, apresentava os detalhes que ouviu de um parente. Do outro lado da rua, os moradores se aglomeravam com novas informações, comentários e o débil lamento: “Ele era nóia”.
Essa naturalização de comportamento é comum, praticada e até cantada em várias letras de rap nacional e internacional: “Usou e não pagou, já era, um abraço”. O alerta é para aqueles que não cumprem com o consumo de drogas, onde a lei da rua é cruel e vitimou o nóia do bairro. Eu o vi algumas vezes, e até trocamos “bom dia”. Ele era simpático e chamava nas casas para verificar se alguém queria trocar um favor por dinheiro, onde todos sabiam o que ele era e onde pegava, mas “a vida é muito corrida para quem não quer se cuidar”, citou uma moradora.
Alguns alertaram o nóia, mas não adiantou. Ele não queria mudar. Ninguém via um doente em uma doença social, apenas mais um nóia que não conseguiu entrar nem na estatística do IML. Será que foi pelo menos para o céu? Voltando para a terra e os seus seres humanos, o tráfico de drogas depende das características do ambiente e espaço social, concentram-se em áreas de desordem social e ambiental, marcado pelo abandono dos responsáveis da ordem pública.
No ano passado, uma operação do Ministério Público de São Paulo, batizada de “Saúde e Dignidade”, realizou ações envolvendo órgãos municipais, estaduais, federais, profissionais da saúde, da assistência social e da segurança, na Cracolândia de São Paulo. O acolhimento humanizado dos usuários de drogas, a recuperação do espaço público e a desarticulação de traficantes, apresentam resultados promissores até o momento. Se realmente for esse cenário de trabalho, o fim da Cracolândia pode ser um começo, menos histórias tristes, e quem sabe, inspiração para outros municípios.
Marcelo Barbosa é jornalista, pedagogo e psicanalista. Autor da trilogia “Favela no divã” e “A vida de cão do Requis”.