Já faz um certo tempo que o mundo anda um tanto estranho. Mas tenho a impressão de que esse processo tem se intensificado muito. Muitas coisas horríveis acontecendo sem que haja um grande intervalo de tempo entre elas.
Com tanto desenvolvimento tecnológico a disposição como temos hoje, é triste constatar que ainda temos tanta fome pelo mundo afora. Em 2023, cerca de 2,33 bilhões de indivíduos enfrentaram insegurança alimentar moderada ou grave. E isso considerando só os países que dispõem de dados, o que significa que o número pode ser maior. Só na África esse número é 256 milhões de pessoas. Na América Latina, onde havia sido registrado um recuo nas duas últimas décadas, a fome voltou a crescer, afetando 32 milhões de pessoas.
O grau de severidade dessa crise é tão grande que, em 2020, o PMA (Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas) recebeu o prêmio Nobel da Paz, numa decisão que serviu de alerta ao planeta sobre o impacto sem precedentes da pandemia que estamos enfrentando. Para a ONU, a intensificação da miséria, eleva o risco de termos uma "pandemia da fome". O resultado poderá ser a transformação da crise sanitária numa crise social que ameaçaria a paz.
A maior parte das pessoas que apresentam tal vulnerabilidade são pessoas negras. Idosos, homens, mulheres e crianças negras constituem a grande maioria desse exército de famintos. Mas o problema não é só a fome que atinge a tanta gente. Pessoas negras morrem mais de forma violenta. Jovens negros morrem mais. A população carcerária no Brasil, que já supera a casa dos 800 mil é em sua grande maioria composta de jovens negros.
Temos um Dia da Consciência Negra no Brasil, como forma de chamar a atenção para o racismo que permanece muito vivo a nossa volta. Ele é estrutural e não é mimimi. Escuto com muita frequência pessoas brancas com discurso de relativização desta questão. Ela é séria.
Os casos de manifestações racistas estão aumentando numa escalada assustadora. Pessoas que antes costumavam esconder sua opinião sobre isso, hoje estão sendo encorajadas a praticar ataques racistas sem nenhum pudor ou constrangimento.
Estamos presenciando um processo de normalização e institucionalização de algumas práticas, que antes eram socialmente reprovadas. E o que mais tem contribuído para isso, é o fato de termos pessoas em postos importantes com falas e atitudes de discriminação contra determinados segmentos.
Estamos caminhando a passos largos para a barbárie.
Afonso Pola (afonsopola@uol.com.br) é sociólogo e professor.