Entre milhares de chatices do mundo atual, incluíram você, minha querida Barbie. Resolveram te politizar num filme que está dando o que falar. Minha boneca preferida, que tanto me fez companhia na infância, com minhas amigas, nas tardes em que brincávamos, que fase essa a sua, viu? Se ser boneca já não era tarefa fácil, imagina ser live action, também, e em tempos em que fala-se muito em liberdade, mas tudo parece proibido e não politicamente correto.
Você fez parte da infância de milhares de crianças. E como era incrível ter acesso a você em suas mais diferentes versões. Isso nos permitia imaginar, criar inúmeras histórias, cheias de fantasias e de alegrias, e, principalmente - ali, podíamos ser quem quiséssemos: de astronauta a professora; de nadadora a médica-veterinária, só para citar algumas possibilidades de profissões.
Você, Barbie, tinha sua representabilidade e empoderamento - estava à frente do seu tempo. Dirigia seu próprio carro, tinha barco, helicóptero; tinha a sua própria casa, até com piscina. Usava a roupa que queria, incluindo maiô e biquíni. Tinha seu dinheiro. Tudo isso era lúdico, puro e mágico - como, de fato, deve ser a tenra idade.
E, não menos importante: você, Barbie, também nos ensinou o valor da diversidade e da igualdade de gênero. O Ken sempre estava por perto, mas também outras Barbies de ocupações, raças, status e condições diferentes. Até numa cadeira de rodas você brilhou, se posicionou e marcou tempo.
Assistir ao seu filme foi reviver o passado, com direito à ingenuidade da primeira infância e à inocência que todos tivemos um dia na vida.
Hoje, Barbie, percebo que este mundo onde uma boneca pode tudo e ser tudo o que ela quiser é meio cruel, cinzento, permeado por preconceitos e por julgamentos disfarçados de opinião. A cada dia, nos distanciamos mais da fantasia que aprendemos a exercitar quando crianças e estamos mais envoltos a um universo sério, engessado, rígido, julgador e infeliz. Mas, não fique triste com isso, querida Barbie, nem ansiosa. Seu mundo é imortal e cor-de-rosa e, justamente por isso, incomoda.
Dra. Luciana Inocêncio é psicóloga e psicanalista; especialista em Transtornos Graves das Psicoses; em Psicologia Hospitalar e em Especialidades Médicas; e em Psicologia Clínica e em Teoria Psicanalítica.