Sabe-se que, a princípio, qualquer pessoa depois de alfabetizada tem condições de ler. Mas poder ler não significa querer ou mesmo saber ler (no sentido de interpretar, debater, contradizer, desestruturar e recompor o texto no âmbito do pensamento). Há uma parcela expressiva de analfabetos funcionais (aqueles que sabem escrever e reconhecer o próprio nome, mas não sabem tirar informações de uma página escrita). É por demais repetida a ideia de que a escola alfabetiza (com relativo sucesso) mas não consegue formar leitores. Infelizmente isso pode ser confirmado com a simples observação de alguns dados.

Por outro lado, no âmbito do discurso docente, ouve-se também com frequência que "os alunos não gostam de ler nem de escrever". No entanto, eles lêem revistinhas e letras de música, trocam bilhetes, escrevem nas agendas, compõem canções, põem em circulação piadas e trocadilhos, e, quando têm acesso ao computador, são inclusive capazes de criar uma linguagem própria para comunicação rápida pela Internet. O que eles não lêem, com a gratuidade de que falam alguns escrtores, como um romance, é o cânone imposto pela escola, por ela considerado como "leitura legítima". Assim é preciso saber utilizar aquilo que a norma escolar rejeita como um suporte para dar acesso à leitura na sua plenitude, isto é, ao encontro de textos densos e capazes de transformar a visão de mundo, as maneiras de sentir e de pensar.

Assim a leitura e a escrita que os alunos desenvolvem espontaneamente se insere diretamente no cotidiano, na sua história pessoal de vida. Para um professor atento, essa bagagem de experiências linguísticas e sociais constitui um material riquíssimo, que pode tornar-se ponto de partida para despertar nos alunos o interesse de buscar novas experiências e perspectivas, como por exemplo a do encontro com o texto literário. Através do confronto entre diferentes tipos de texto, os horizontes de expectativas dos alunos alteram-se e ampliam-se. Se o professor, por uma extrema sorte for de fato um professor-leitor. 

Raul Rodrigues é mestre em Engenharia e ex-professor universitário.