O mundo tem andado um tanto estranho já faz algum tempo. Mas tenho a impressão que esse processo tem se intensificado muito. Muitas coisas horríveis acontecendo sem que haja um grande intervalo de tempo entre elas.
Nunca tivemos tanta tecnologia a disposição como temos hoje. Mas também nunca tivemos tanta fome pelo mundo afora. Dados de 2020 indicavam a existência de quase um bilhão de famintos (821 milhões). E isso considerando só os países que dispõem de dados, o que significa que o número pode ser maior.
A severidade dessa crise é tão grande que, em 2020, o PMA (Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas) recebeu o prêmio Nobel da Paz, numa decisão que serviu de alerta ao planeta sobre o impacto sem precedentes da pandemia que estamos enfrentando.
Isso sem contar que, durante a pandemia, esses números aumentaram com bastante intensidade, o que, para a entidade da ONU, eleva o risco de termos uma "pandemia da fome". O resultado será a transformação da crise sanitária numa crise social que ameaçaria a paz.
A maior parte das vítimas da fome são pessoas negras. Idosos, homens, mulheres e crianças negras constituem a grande maioria desse exército de famintos. Mas o problema não é só a fome que atinge a tanta gente. Pessoas negras morrem mais de forma violenta. Jovens negros morrem mais. A população carcerária no Brasil, que já supera a casa dos 800 mil é em sua grande maioria composta de jovens negros.
Temos um Dia da Consciência Negra no Brasil, como forma de chamar a atenção para o racismo que permanece muito vivo a nossa volta. Os casos de manifestações racistas estão aumentando numa escalada assustadora. Estamos presenciando um processo de normalização e institucionalização de algumas práticas, que antes eram socialmente reprovadas. E o que mais tem contribuído para isso, é o fato de termos pessoas em postos importantes com falas e atitudes de discriminação contra determinados segmentos.
Estamos caminhando a passos largos para a barbárie.
Afonso Pola é sociólogo e professor.