Todas as atrocidades que caracterizam nossos tempos foram feitas com a cumplicidade do conhecimento científico. Parece que a inteligência dos maus é mais poderosa que a inteligência dos bons. Espaço para indagar: de que vale todo esse conhecimento sem compaixão?

A falta de compaixão é uma perturbação do olhar. Olhamos, vemos, mas a coisa que vemos fica fora de nós. Vejo os idosos e posso até mesmo escrever algo sobre eles, como professor universitário, mas a tristeza do idoso é só dele, não entra em mim. Nossas florestas vão aos poucos se transformando em desertos, mas isso não me faz sofrer. Não as sinto como uma ferida na minha carne. Vejo crianças mendigando nos semáforos, mas não me sinto como elas. Vejo meus alunos nas salas de aula, mas meu dever de professor é dar o programa sem sentir o que os alunos estão sentindo.

Sabemos como ensinar saberes. Há muita ciência escrita sobre isso. Não me lembro, no entanto, de nenhum texto pedagógico que se proponha a ensinar a compaixão. Talvez o livrinho "Como Amar uma Criança", do Janusz Korczak. Mas Korczak é uma exceção! Ele sabia que, para ensinar algo a uma criança, é preciso amá-la primeiro. Korczak era um romântico. Por isso dou-lhe o destaque.

Aí, fiz a mim mesmo a pergunta pedagógica: "Como ensinar a compaixão?". Conversando sobre isso com a filha de um amigo, juíza, ela se lembrou de um incidente dos seus primeiros anos de escola. Seria o aniversário da faxineira, uma mulher que todos amavam. A classe se reuniu e ganhou por unanimidade que, no dia do seu aniversário, as crianças fariam o seu trabalho de faxina. Disse-me a juíza que a faxineira chorou.

Sei que as crianças aprendem com um olhar especial, o olhar de seus professores. Elas sabem quando os professores as olham com os mesmos olhos com os quais um poeta talentoso olha um jardim quando escreve um poema. Sei também que as histórias provocam compaixão quando o leitor se identifica com um personagem, mas como ensinar compaixão?


Raul Rodrigues é mestre em Engenharia e ex-professor universitário.