Uma frase de Leila Santos, cofundadora da ONG Social Skate: "Skate é bom, com educação é ótimo" é um dos pontos de partida do trabalho que, desde 2011, tem transformado a vida de crianças e jovens em Poá. O novo episódio do Café com Mogi News, produzido em parceria com a Padaria Tita, destaca o skate, como esporte e ferramenta de inclusão e transformação social, com o entrevistado Sandro Soares, o Sandro Testinha, que conta sua trajetória e da ONG, que hoje atende 150 crianças e adolescentes, com idades entre 6 e 17 anos. Saiba mais nesta entrevista. 

Café com Mogi News: Conte um pouco da sua história. Quem é o Sandro?

Sandro Testinha: Eu não sei se começo falando pelos anos, que já entrega a idade, mas não tem problema não, porque o skate nos deixa sempre com esse ar jovial, eu acho. Eu nasci na Vila Matilde, em São Paulo, em 1978, e vim para Poá já tem 31 anos. Era um momento da minha vida, que o que o skate estava entrando como um brinquedo, porque eu sou da época do impresso, das revistas. Então, a gente só tinha acesso as revistas, galera. Para quem não sabe, quem é mais jovem, era nosso Instagram. A gente ia folheando ali como se tivesse passando um feed e eu tive a honra, eu falo que o destino foi legal comigo, porque tinha uma banca de jornal na Vila Matilde. O filho do dono colocava as revistas que ele gostava de verdade para ficar na frente, e a gente via as revistas de skate. Eu lembro que eu comprava revista para sanar essa vontade de ter um skate. Até que um dia, em um Natal, a empresa que meu pai trabalhava, um frigorífico, presenteava as crianças e veio um skate. 

Veio esse skate e tudo bem querer um skate que não tinha tanta coisa, mas, para mim, que sempre sonhava em ter, era o melhor skate do mundo. Aí, o skate virou uma brincadeira, que virou um hobby e quando eu descobri que, mesmo naquela época, no início dos anos 90, já tinha uma galera se organizando, andando e se encontrando em pequenos eventos, virou um estilo de vida. O skate, a galera que acompanha vai poder concordar, ou não, ele como esporte traz umas coisas a mais. Vou dar um exemplo aqui, tem a tal da "skate music". A gente pode falar do maior ícone, que já não está com nós, que é o Chorão do Charlie Brown Jr.. É claro que eu amo o esporte, mas eu não vejo o "futebol music", a música do futebol. 


Café com MN: Mas tem até a vestimenta.

Sandro: Pro mundo da moda criou-se o nome "Streetwear", a moda de rua, que são as roupas mais largas, mais confortáveis, mais despojadas. É uma coisa do skate também, que a gente não vê em outros esportes. Então, o skate, quando a gente fala desse tipo de vida, é porque ele vai além da prática esportiva. Entra todas essas conexões com moda, música, comportamento... e isso me contagiou naquela fase de início da adolescência. E eu confesso que, naquele momento, eu não sabia nem como, mas, eu coloquei na minha cabeça que eu ia ficar naquilo para sempre na minha vida. Aí passei a andar direto e procurar os eventos e eram muito pouco nos anos 90. Para falar uma coisa legal para a galera de São Paulo, que acompanha, o Vale do Anhangabaú era um local recém-reformado, a galera olhou aquilo e era muito parecido com um lugar de São Francisco, o Embarcadero. 

Eram cem skatistas em São Paulo inteiro, e hoje tem 8 milhões no Brasil com skate, uma pesquisa revelou esse dado. A galera se encontrava no Anhangabaú, assim como é adolescência, com o skate foi isso. De estar ali, ter aquilo que a gente sonhava: "Vou para a Califórnia". Os sonhos ficavam altos, então a ambição era maior, uma ambição boa de você ir atrás, até para nos manter afastados de confusão. A gente foi pesquisar e falou: "Quem tiver problema com a Justiça, seja por briga da rua ou por coisas menores, já não consegue tirar o visto, fica mais difícil. E aí brecava aquele sonho de ir para os Estados Unidos, que nem realizei dessa maneira, realizei de outra. Mas, aquilo nos manteve um pouco contidos em coisas que adolescentes que hoje acabam se envolvendo, infelizmente.

Café com MN: As pistas de skate são mais recentes?

Sandro: Antes disso tinham poucas pistas, que eu me lembre, em São Bernardo, São Caetano, sempre assim no ABC. Um dado legal, é que em Mogi, deve ter vindo em 1993, no Parque Botyra, e que agora está sendo revitalizada, muito bom, inclusive, o projeto. Mas ela é uma das pioneiras no Estado de São Paulo nessa década. Não tinha nem os CEUs (Centros Educacionais Unificados), as escolas de São Paulo que têm pistas de skate. Mogi é a pioneira nisso, mas foi nessa fase ainda que eu percebi, e aí vem um link que eu faço hoje, que eu não evoluía tecnicamente quanto a rapaziada que estava ali andando. E vou te falar que, naquela época do Anhangabaú, por exemplo, o Bob Burnquist, que é super famoso pela mega rampa. Então, você vê o nível da galera, mas, todo mundo moleque. Só que você percebia que os caras evoluíam numa rapidez, numa velocidade, e eu não conseguia evoluir. Aí, eu falei: "vou ter que arrumar outros meios de estar no skate, dentro do skate, vivendo o skate sem precisar ser o campeão", porque eu me divirto andando. 

Café com MN:  Como no futebol, nem todo mundo vai ser o grande craque. 

Sandro: Nem todo mundo vai ser o craque, o profissional, mas pode ser em outras frentes. É assim no skate também, mas imagina, lá nos anos 90, a criança pensando isso. Mas era aquela vontade de continuar agarrado com skate. E eu fui fazer um monte de coisa, fui trabalhar em lojas de skate, trabalhei aqui em Mogi, no Mogi Shopping, cheguei a trabalhar na loja do Rubens. Falo assim porque foi um cara que dava oportunidade para muitos meninos jovens e somou muito na minha trajetória, porque se eu não arrumasse um trabalho naquela época, não tinha como continuar andando de skate, e a cobrança também vem. 

Eu lembro desse trabalho, que um dia eu estava ali tentando vender um skate da loja e, entrou uma criança correndo, aí a mãe falou assim: "Não porque você não sabe andar", e eu falei: "Opa, calma aí, eu posso ensinar um pouco". Aí fui lá e coloquei o menininho em cima, segurava pela mão e ensinei dentro da loja. A mãe comprou o skate, e depois de um tempo, ligou falando que morava em um condomínio em Mogi e que estava indicando para mais pessoas comprar e convidando o vendedor para dar uma aula lá. Foi nesse segmento e fizemos as experiências, depois em outros lugares. Eu posso ensinar skate, o básico eu posso ensinar. Hoje tem uns treinadores olímpicos, mas, lá atrás, a gente foi um pouco pioneiro nisso, com toda modéstia que me cabe. Dessas idas e vindas começam as experiências para se manter no skate. 

Um amigo falou: "Vai ter uma apresentação de skate, em 1998/99, na Febem (Fundação Casa) do bairro Tatuapé, em São Paulo". Mas a galera era conhecida por violentas rebeliões. Então, a gente ficou curioso para saber aquilo, mas, ao mesmo tempo, com um pouco de medo, como todos os jovens. "Ai, nunca entrei em um lugar assim, e vamos lá desmistificar isso". Ali teve a virada de chave para eu estar na Social Skate até hoje, porque eu vi muito menino ali parecido com a gente, que assim, negro, com a cabeça raspada, hoje eu sou careca por natureza, naquela época a cabeça era raspada. "Muito menino de onde a gente vem, igual a gente, e por que que eles estão nessa e a gente não está?"

Café com MN: Realidades nem tão diferentes assim. 

Sandro: Eu comecei pensar assim, acredita? Falei: "É o skate, cara. O skate que está fazendo a gente ir para esse lado, porque a gente está tendo o mesmo tipo de vida deles, de seguir por esse caminho nas escolhas que a rua traz", como eu disse aqui. Mesmo com os pais educando bem, sabe, tem criança que vai, jovem, e se sente atraído por isso por "n" motivos. Nós não sentimos porque estávamos no skate, é a minha realidade. Eu fiquei com essa vontade de falar: "E se mais meninos tivessem oportunidade de conhecer o skate? Pelo menos ter acesso, essa palavra importante até hoje, acesso ao skate. Eles podem também escolher seguir para nossa direção, e não estar envolvido com um lado infracional. Eu saí dessa apresentação e comecei a insistir em querer voltar para dentro da Febem, na época, hoje Fundação CASA, e descobri que tinha que fazer concurso que era muito difícil para entrar ali para trabalhar, esse papo de voluntário já tinha dado uns problemas lá dentro, então, eles estavam evitando na época. Estava nessa transição para Fundação Casa em 99 para 2000, mas eu consegui, em uma influência de ir atrás de pessoas do Governo na época.

Café com MN: Conseguiu trabalhar na então Febem?

Sandro: Consegui um estágio, e aí foram falar "Você tem que estar na faculdade de Educação Física". Olha que legal, uma coisa estimula a outra. Você vê que para fazer o meu sonho tinha que estar continuando no estudo. Vim aqui em Mogi, fiz a inscrição e entrei na faculdade de Educação Física. Fiquei seis meses no estágio, porque daí eu não tinha dinheiro para pagar a universidade, mas depois de um tempo eles me chamaram. Acho que a gente plantou uma boa semente lá e aí chamaram para um outro programa, e eu fui contratado. Fiquei 10 anos na Fundação Casa, antiga Febem, começando no Tatuapé e passamos para a cidade de São Paulo, em todas unidades. 

Depois, montamos um meio que, eu falo um circo, porque era bonito, era uma Kombi cheia de skate. Eu e o professor de futebol de salão, os meninos adoravam aquilo, e você ia viajando pelo Estado, capacitando a galera das unidades pra continuar. Tanto que tem gente que fala até hoje na Fundação Casa. Foram 10 anos, e cada coisa incrível, eu falo por experiência mesmo. "Ah, mas é atividade ocupacional", não, a gente criou. Vou dar um exemplo, talvez dois, o primeiro é a Bienal do Livro. Tinha um programa que uns meninos saíam acompanhados para ir na Bienal do Livro, e aí, eu chamei um grupo de meninos que praticava skate comigo e ele falou: "Não, senhor, eu não estudei lá fora, eu não sei ler ainda. Vou passar vergonha, lá é feira de livro". E eu falei: "Não, a gente não precisa se comunicar só lendo, têm vários tipos de comunicação e a gente pode tentar pôr em prática". 

A gente fez uma apresentação na Bienal em que tinha uma caixinha de papelão escrito, eram obstáculos e que era para saltar, e tinha que escrever um obstáculo também na vida, então tinha drogacidade, violência familiar, até falta de emprego. Tudo problemas que eles vão enfrentar e, que num momento da vida, eles já enfrentaram e caíram. Eles começaram a fazer com o skate, saltar por lá. Quando acertava, eu falava: "O que você usou para saltar aquele obstáculo?". As respostas eram "atenção, determinação, foco e ouvir uma dica do professor". Falei: "O que está escrito no obstáculo?", e a resposta: "Violência". Então, para soltar saltar o obstáculo violência, na vida real, então até criou uma história de que "o skate imita vida" ou vice-versa, foi muito legal essa atividade. Depois foi reproduzida por uma ONG nos Estados Unidos, eu vi as caixinhas lá tudo escrito em inglês.

Como esse exemplo da Bienal tem muitos, e aí acabou um dia, é programa governamental, então troca Governo. Tinha também a professora Leila Vieira, que acompanhava as meninas da Fundação, ela também era de Poá, e a gente já foi marido e mulher, hoje não somos mais, mas trabalhando juntos somos melhores amigos. No país do feminicídio, a gente consegue estar ali. A Leila que falou: "Vamos fazer algo fora. Se para o governo não funciona, vamos fazer algo fora, nós aqui fora". 

O primeiro dia é o mais engraçado. Eu coloquei três skates, eu tinha uma rampa que meu pai, seu Severino, que Deus o tenha, era soldador e fez de ferro, cobrindo com madeira, e colocamos na rua. Os meus filhos eram os primeiros alunos, a Brenda e o Breno, acho que tinham sete e quatro anos de idade, e juntou a molecada. Eu falei: "Tranquilo, na Fundação Casa eu chegava, a rapaziada me esperando, todo mundo comportado, direitinho". O que? A molecada estava numa época, eu falo 13 anos atrás, porque hoje quem vai lá na comunidade percebe a diferença na educação, até na rua, no dia a dia. Nada estava assim, os pais trabalham fora para manter o dia a dia então, não tem ninguém olhando. É a lei do mais forte, é palavrão, é agressão. 

Aí ela (Leila) praticamente jogou no caixote um caderno e uma canetinha, um lápis ali, e falou: "Todo mundo vem aqui dar o nome". Em nenhum lugar na na rua se fazia isso, essa atenção. Acho que tem esse caderno guardado até hoje, e era assim, nome, sua idade, onde você mora, onde você estuda. E aí já dava para marcar o horário e ali acolheu a criançada. Eu senti que ali, aquele momento, que a gente falou: "O skate é boa com educação é ótimo mesmo".

Café com MN: Isso foi em que ano?

Sandro: Nós estamos com 13 anos, 2011 por. E ali começou na rua, timidamente. "Ah, quando vai ter de novo?", "Sábado que vem", porque, mesmo tendo ali o início do trabalho, tinha que trabalhar para pagar as contas, para fazer aquilo funcionar. Aquilo ali era um embrião, não tinha investimento, não tinha patrocínio, não tinha lei de incentivo, não tinha nada, a gente não tinha CNPJ, era informal.

Café com MN: Quando vocês foram ter CNPJ?

Sandro: Foi uma história que assim, estava no informal, mas, sabe um lance legal nessa informalidade que a gente soube usar? Era o início das redes sociais, já tinha Orkut, tinha o início do Facebook e do Instagram. Mas assim, era um computador de tubo, uma máquina digital, a linha telefônica e um cabo. Era tirar uma foto da atividade, plugar a máquina. Plugar lá e esperar, ia subindo e o barulho que ficava na linha telefônica. Demorava umas três horas para foto ir pro pro ar. Mas quando ia, ia para o mundo inteiro, e ali a gente começou a se comunicar com a galera de skate que eu já conhecia, com a galera que estava chegando, com a galera que eu não tinha visto mais, tudo pela rede social. E esse pessoal foi o nosso primeiro investidor, porque um falou: "Tem um shape [que é a prancha], usado, mas em bom estado", e eu disse: "Manda". "Tenho quatro rodinhas usadas, mas dá para usar", "Manda", então a gente montou os skates. 

A gente conseguiu dar um um passo Inicial, mas tinha que trabalhar para bancar a coisa. E as leis de incentivo, essas coisas, CNPJ, que era importante para a gente começar a ir atrás de um apoio, patrocínio, recurso público ou privado, ele veio numa visita de um amigo que foi lá com uma funcionária de uma empresa multinacional de calçados. E foi a primeira coisa que ela perguntou: "Que trabalho lindo, mas e o documento? O CNPJ da entidade?". Ali que eu descobri o que era uma entidade, nem sabia isso.

A Leila falou: "Não, não tenho porque está saindo, daqui uns 40 dias está pronto". Quando a mulher foi embora, ela (Leila) falou para pesquisarmos, foi lá no computador de tubo, jogou no Google, pesquisou e montou tudo, e registrou. Ela falou 40 dias que era um prazo de cartório que ela já sabia. Aí começamos entender que dava pra ir atrás e visibilidade. Foram três anos ali carregando o piano nas costas, todo final de semana. Em 2014, a gente teve uma visibilidade grande no programa de televisão.

O Luciano Huck reformou a sede. Eles derrubaram a garagem e construíram a sede, e também nos deram uma estrutura melhor e o principal: a visibilidade. Qual? Ficou famoso, amigo do Luciano? Não. Como era na época, a gente pegou aquele programa, foi na lan house e pediu para gravar um DVD, porque eles não tinham como mandar arquivo. Eu fiz umas 20 cópias daquele DVD e ia nas empresas, nas agências, nas repartições públicas deixar uma cópia do DVD, falando: "Esse aqui é um trabalho que a gente tá fazendo, estamos procurando apoio". Como eu falo, a visibilidade foi boa nisso.

Café com MN: Traz uma chancela, uma visibilidade.

Sandro: Mas você vê, a gente pegou aquele aquele produto final, colocou em baixo do braço, que eram os DVDs e foi indo e indo, foi levando, até que começou a ter um retorno. Uma agência: "Vai precisar inscrever um projeto na lei de incentivo. É uma lei do governo que as empresas que pagam ICMS podem destinar uma porcentagem para o governo, para um projeto social". Tem que estar inscrito nas regras da Secretaria Estadual de Esporte e tem também que procurar uma empresa e falar: "Olha, eu estou aqui", porque assim, queira ou não queira, hoje, institutos, ONGs e etc, tem umas gigantes, muito famosas, que acabam tendo maior visibilidade e conseguem dialogar melhor com essas empresas, ou dialogar primeiro. Temos que estar ali garimpando. E olha que sucesso, que a gente ainda não é conhecido, mas, hoje no Brasil tem 125 projetos sociais com skate, de Rondonópolis (MT) a Amazônia.

Café com MN: Vocês têm uma rede dos projetos? Vocês se comunicam?

Sandro: Tem uma rede, não um site ainda, mas estamos nos grupos tentando montar, porque a galera é aguerrida. Tem muitos que estão naquela fase do Testinha lá atrás, trabalhando e fazendo um projeto no fim de semana.

Café com MN: Hoje vocês atendem quantas pessoas?

Sandro: 150 crianças, diariamente, no contraturno escolar, de segunda  a sexta-feira, nos período da manhã ou da tarde.  Quem não está na ONG, está na escola e quem não está na escola, está na ONG, nos horários respectivos.


Café com MN: Qual a faixa etária?

Sandro: De 6 aos 17 anos. Tudo junto? Não. Tem a separação, tem a turma dos menores, que tem todo um processo pedagógico de aprendizado para cada um. Os jovens e adolescentes, eles já têm um aprendizado, já aprenderam o skate, seja na ONG ou fora dela. O que tem para eles lá é esse olhar para a profissionalização, não só no skate. Então, tem parceria com o CIEE, oferecendo curso para ele aprender, conhecer e poder escolher melhor uma profissão. Sabemos que é necessário trabalhar, é um país que não tem emprego para todo mundo, então, se puder escolher algo que você se assemelha, que você tenha um pouco de prazer em fazer, eu acho que que vale mais a pena até pra saúde mental do profissional. Então, temos essa preocupação e tem esses trabalhos oferecidos. Outra coisa legal, quando a gente fixou base ali em Calmon Viana, Poá, numa quadra ali embaixo do trecho do Rodoanel Mário Covas, era uma área que ia ser demolida por conta do Rodoanel. Por ventura, universo, Deus, a obra andou para o lado um pouco e sobrou uma quadra ali, um banheiro exatamente, porque era um miniparque de Calmon Viana.

Café com MN: Vocês tinham o projeto de uma horta, também, ele acontece ainda?

Sandro: Está rolando. Primeiro, ocupamos a quadra e colocamos o projeto lá. Revitalização, manutenção, é tudo  a gente que faz, porque é um espaço que realmente ficou fora do escopo do poder público, um espaço meio sem dono. É entre Suzano e Poá, e falamos: "Quer saber? Obrigado pelo presente, quem ganhou cuida". Eu tenho uma roçadeira, porque o mato cresce e o pessoal não consegue limpar, o poder público. Fora isso, esses são problemas que acontecem em todas as comunidades. Tinha um espaço, que a galera, por conta das águas, entendeu que podia jogar entulho de obras e lixo.

Aquele espaço é assim porque ele passa embaixo da rede de transmissão de energia elétrica, então, não pode se construir nada, porque eles falam que construções altas naquele espaço podem ter risco para quem estiver utilizando dessa maneira. A EDP, que é a distribuidora de energia elétrica aqui da região, entrou em contato conosco e falou: "Tem um problema aí, que é o descarte regular, e tem um programa para tentar solucionar, que é a horta comunitária". Eu nunca fui desse ramo, sempre fui do asfalto. Erroneamente, eu imaginava, quando era menino, e falava que não tinha que ter nada de terra, que tinha que asfaltar tudo para  a gente poder andar de skate, mas não que eu fosse contra o ecossistema ou a ecologia, porque eu enxergava o skate.

Não tinha nenhuma intimidade com a coisa  da terra, de plantar. Já tinha, claro, uma consciência ambiental melhor quando adulto, mas não tinha essa prática. E eles colocaram lá uma ONG também que faz isso muito bem, a Cidades sem Fome para capacitar a nossa galera, no caso eu, e aí eu aprendi e hoje eu amo aquilo. Então, sai o entulho, e as crianças começam a plantar. 

Café com MN: Essa produção é distribuída para comunidade? Como funciona?

Sandro: É para comunidade, é onde tem uma empresa de telemarketing em frente. Tem época que vendemos a preço simbólico de R$ 1, R$ 2. Mas tem época também que falamos: "Pega aí", porque a ideia da horta é ser comunitária mesmo. Hoje ela ainda é cercada, mas nosso sonho é não ter cerca, e as pessoas entrarem, pegarem um pé de alface ali, que é o suficiente para a refeição dela. Estamos preparando, educando cada vez mais a galera para chegar nesse ponto. Mas o legal é quando conseguimos as mudinhas, e as crianças vão plantar.  Tem criança que entrevistamos antes, que falam que não gostam. E ela começa a plantar, cuidar, e ela fala que aquele pé de alface que ela plantou é dela. Ela quer cuidar até ele crescer para ela comer. Então, isso é legal, porque trabalha a alimentação saudável, porque a gente só trabalha com orgânico.  É a preservação ali.

Café com MN: E a consciência ambiental, também.

Sandro: O meio ambiente. A pessoa fala: "A preservação do meio ambiente, vou fazer um post falando da Amazônia", não. Meio ambiente é onde você vive. Então, é evitar que se jogue lixo, evitar que se jogue papel, qualquer coisa que agrida o ambiente que você vive, você está preservando o seu meio ambiente também. 

Café com MN: Você falou das leis de incentivo, dos editais, como é que vocês mantêm o dia a dia da ONG? Tem voluntários?

Sandro: Temos um projeto aprovado em lei de incentivo, que todo ano a gente reconduz. A empresa de calçados  continua sendo nossa maior apoiadora, ela coloca o ICMS deles ali, e é assim que a gente mantém. Vou tentar simplificar, lei de incentivo é assim: "Me escreve aí o que você vai fazer, se você tiver x dinheiro". "Ah, vou pagar pessoas, vou comprar material, vou comprar lanche, comprar uniforme",  tudo detalhado, de onde é, quanto é etc. Quando o dinheiro vem é para fazer aquilo que você escreveu ali, senão, na hora da prestação de contas, você não consegue informar corretamente e se complica, porque pode estar usando dinheiro de forma errada, dinheiro público, não é nosso. 

Então, quando a gente escreveu, colocamos tudo que precisava mesmo, os funcionários, professores, instrutores, o uniforme, lanche etc. Então, hoje nós mantemos com esse dinheiro,  mas é anual.  Então, uma comparação mais popular, você já viu o carnavalesco quando termina o desfile? Ele fala: "Valeu, obrigado, mas já vamos pensar no ano que vem", e no outro dia ele já está ali trabalhando. Então, assim, aprova e contrata um professor, ele começa a dar aula, o Sandro, a Leila e a equipe técnica começam a correr atrás de outro, enquanto ele está dando aula para poder, quando terminar agora em dezembro, para em janeiro já começar outro. Tem ano que a gente consegue mais, tem ano que a gente consegue menos.

Café com MN: E parceiros, outras empresas?

Sandro: É, tem pontuais. É muito difícil uma empresa manter ali, no dia a dia, é um custo alto para oferecer tudo gratuito para as crianças da comunidade. Mas, assim, pontuais, que nem agora no Dia das Crianças,  temos um parceiro que vai mandar presentes. Tem parceiro que que fabrica nossos produtos e a gente consegue um preço bom com ele, um prazo bom para pagar e consegue fazer isso chegar. Por exemplo, nossa camiseta, ela custa R$ 50, é a camisa mais barata no mercado do skate, como a gente fala.

Café com MN: É vendida no site, nas redes sociais? O boné também?

Sandro: Pelas redes sociais, entrou em contato ali, eu mesmo vou falando com a galera. O boné também. Então, o parceiro entra nisso. Ele produz pra gente com preço melhor e a gente consegue fazer isso chegar também no nosso consumidor. Ao invés de pedir dinheiro como doação, não, compra uma camisa, porque você vai doar, vai ter uma camiseta legal. Estamos ficando bem conhecidos. O pessoal compra e fala que os skatistas param eles na rua e falam: "Você está de Social Skate, hein!". A camisa é uma colaboração legal. Ao invés de só pedir a doação, queremos dar algo em troca. São engrenagens, todas tem que girar. "Ah, não consigo acessar a engrenagem maior lá em cima", vamos girar as pequenas, aqui, entre nós.

Café com MN: Você estava falando, também, nos bastidores, que se de repente a pessoa não pode colaborar com dinheiro, comprando produtos, engajar nas redes sociais, compartilhar.

Sandro: Compartilhar, mostrar pra um amigo, porque as redes sociais são bolhas. E na bolha do skate, estamos bem.

Café com MN: Na bolha do skate, já é internacional!

Sandro: Tem vídeo da Rayssa Leal mandando um abraço e beijo para a gente. 

Café com MN: E como você vê se reconhecimento?

Sandro: Assim, a gente não fez para isso, como que esse menino, que lá atrás mal sabia andar de skate ia pensar nisso? Não tem como, não tem cabimento, se eu falar que eu pensei, estou mentindo. Mas é gratificante, porque você transmitir algo que as pessoas gostam ali, se sentem bem e até reproduzem. E o que que a gente faz? O bem. Então, a partir do momento que você é reconhecido por isso e tem pessoas reproduzindo o que você faz, que é fazer o bem, aí você fala: "Aquele troféu que eu não ganhei do campeonato, quando a técnica não era tão boa, agora tenho ele". Cadê? Ele não é físico, pode ser espiritual, pode ser sentimental, se sentir bem com isso.

Café com MN:  Os ganhos são outros.

Sandro: É, e outra coisa que eu também quero deixar bem claro aqui. O pessoal fala não pode fazer o bem e ficar mostrando. Desculpem,  mas nessa época de rede social, e quem disser que eu estou mentindo, está mentindo: são tantos vídeos chatos de acidentes que chegam no feed, que vêm os grupos de WhatsApp, notícias, que acontecem, infelizmente, que não dá para tapar o olho. Mas é muita coisa negativa circulando, e isso contamina. Quando falava contaminar a pessoa já pensa em doença, vírus. Agora, o bem contamina? O bom exemplo não contamina? Se a gente a gente usa essa frase, é porque sabemos quem está fazendo para se promover e quem está fazendo para promover o bem. Então vamos seguir promovendo bem.

Café com MN: Seguir promovendo o bem, e o futuro da ONG?

Sandro: Então, o futuro a Deus pertence. Essa frase é muito muito básica. Mas assim, melhorar sempre, a gente sempre acha que tem algo a melhorar.  Atender mais e mais crianças e o futuro é que esses jovens que estão lá hoje possam assumir esses lugares onde a gente está hoje. Eu acho que a ideia é essa, o plano é esse. Hoje, quando eu vejo os meninos que saíram de lá seguindo em outras profissões, vejo que eles pegaram bem o exemplo. Eles também entenderam que de repente não precisavam ser skatistas profissionais. Tem gerente de farmácia, tem policial militar, feirante. É que eles vão me encontrando. Eles crescem e ficam maiores que eu. Eles me encontram e falam que foram meus alunos.  Entregadores de moto que já foram alunos vão muito lá, e contam que ficam felizes quando olham o endereço. Acho que é isso, esses troféus, o futuro é conquistar mais troféus desses.

Café com MN: De repente, um dia, os filhos desses aí vindo também.

Sandro: É, então, há 11 anos atrás, quem tinha 13 tem 24 hoje, e já tem filho, e já estão levando. Eu brinco falando quando for o filho dele, ou seja, seu neto, não é possível que eu esteja aqui ainda. Mas o objetivo é esse, e os projetos sociais que se dizem inspirados em nós hoje, eu vejo uns aí que que eu falo que no fundo estão melhor que a gente, porque são mais jovens, estão mais antenados em tudo que está acontecendo, pegaram bem a lição e aprimoraram. Eu acho que para quem ensina, que se coloca nessa profissão, nesse papel de professor, de educador, o maior orgulho é ver o seu aluno fazer melhor que você.

Eu acho que às vezes tem outros lugares que "não, o cara ali eu ensinei, mas não posso ensinar tudo". Aqui na nossa área é o contrário. É ver eles crescerem, chegar mais longe, não cobre ninguém, se um dia ficar famoso, mais famoso que a gente, e não quiser falar também que que é "cria" das nossas ações, também não tem problema. Mas tem uns e outros aí, que nem a Raíssa falar no documentário do Canal Off que lembra, as mensagens nos primeiros momentos dela na rede social, e ela fala realmente as mensagens que a gente mandava. 

É bacana ver esse maior expoente hoje do skate brasileiro que a Rayssa Leal, e teve assim Tóquio (Olimpíadas). A galera aqui da região acompanhou um pouco nas redes sociais, pouca gente sabe disso e também a gente combinou que não era necessário ter uma divulgação em massa disso, mas em Tóquio, quando ela ganhou a primeira medalha de prata, ela concorreu ao The Visa Award, que é da Visa, e do Comitê Olímpico Internacional (COI). E aí tinha imagens da Olimpíadas e o público tinha que escolher por votação popular qual era a imagem que representava melhor o espírito olímpico, e lá de Tóquio, tinha uma imagem dela meio que consolando a skatista oriental que não ganhou. Ela ganhou, mas que ela não levaria o prêmio, porque ela tinha que escolher uma entidade social para receber. E chegou em nós, mas primeiro, pediram uma série de documentos que eu acho que talvez na época ali, só a gente tinha.  

Olha como o destino é perfeito, a gente tinha essa documentação no momento certo, na hora certa. Ela nos indicou e depois de um ano dessa indicação nós recebemos 50 mil dólares, e ali a gente comprou um imóvel maior no bairro, que é aquela garagem que o Luciano Huck reformou. Esse imóvel, um prédio sobrado já com salas de aula, um escritório mais organizado, sala de jogos, refeitório, cozinha, banheiros, sala de computação, então tenho uma estrutura melhor hoje. Lembra que a Leila trouxe que skate é bom, com educação é ótimo? Na quadra está ok, a educação na horta, ok, precisava desse espaço para essa educação formal das crianças.

Café com MN: Deixe uma mensagem final pra gente, com o skate só crescendo.

Sandro: Obrigado mais uma vez pela oportunidade e pelo espaço de estarmos aqui, obrigado Tita Padaria, e é isso, procurem olhar mais, entender, conhecer. É legal esse boom todo, mas por trás até desse mais visível, que são as Olimpíadas, por trás disso sempre tem muitas coisas rolando, e já estavam rolando antes. Agora é uma boa oportunidade para quem está chegando, vendo skate pela primeira vez. Tem mais além disso muitos projetos sociais, como eu disse. No Brasil todo tem muitas ações legais, linkadas com educação e skate. Eu acredito que o esporte e a educação são as verdadeiras armas que podem melhorar esse país.

Saiba mais no site da Social Skate - https://socialskate.org/ e também no perfil no Instagram - @ongsocialskate