O Café com Mogi News desta terça-feira (2) traz uma entrevista com a bacharel em Lazer e Turismo pela Universidade de São Paulo (USP), Debora Mello, idealizadora do projeto Mogi Por Dentro. Durante a conversa, Debora revela seus primeiros passos ao enveredar no turismo, a importância de resgatar a história do município e os avanços do segmento desde a iniciação do projeto. "Eu sempre acreditei que as pessoas tinham que primeiro gostar da cidade, praticar o lazer dela aqui, para que depois a cidade pudesse se tornar turística", destacou.
Com o projeto Mogi Por Dentro, Debora oferece roteiros turísticos que integram a comunidade local e os setores público e privado, com o objetivo de promover lazer e interação com a natureza, e também o resgate dos patrimônios sociais e culturais de Mogi das Cruzes. Assim, a guia vai para além dos pontos tradicionais da cidade, e apresenta outras opções de turismo mapeados de porta em porta por ela, sobretudo no que diz respeito a preservação da Mata Atlântica, a valorização da cultura regional e a participação ativa das comunidades locais nos atrativos de cada um dos passeios. Confira a entrevista completa!
Café com Mogi News: Como que você enveredou para o turismo?
Debora Mello: Como moradora de Mogi, eu sempre quis trabalhar com turismo, mas as pessoas falavam para eu ir para fora, mas a minha vontade era um turismo local. Eu ingressei na Faculdade de Lazer e Turismo, porque eu sempre acreditei que as pessoas tinham que primeiro gostar da cidade, praticar o lazer na cidade, para depois ela se tornar uma cidade turística.
Minha faculdade na USP era o primeiro curso de Lazer no Brasil. Eu tive excelentes professores de Lazer e Turismo. Como não achava muito trabalho na cidade, eu fui para São Paulo e trabalhei em diversas empresas, como a Associação Brasileira das Operadoras de Turismo, a Braztoa. Trabalhei em outras agências de incentivo, tive experiência com eventos e entrei na área de projetos com o “Viaja Mais Melhor Idade”, do Ministério do Turismo. Eu já adorava trabalhar em políticas públicas através de programas, e depois entrei no “Bem Receber Copas”, que era um trabalho de qualificação e desenvolvimento do Brasil, também do Ministério do Turismo, para receber bem o pessoal na Copa em 2014.
CCMN: Como surgiu “Mogi por Dentro”?
Debora: A minha vontade sempre foi atuar na cidade. Com a experiência de São Paulo e do Brasil como um todo, eu abri em 2011 a minha empresa que foi a “Deb Mogi Projetos Turísticos”, onde a proposta era escrever projetos de turismo na nossa cidade, mas não foi naquele momento. Eu fui vendo que o mercado e o próprio cenário estava ainda muito cru, precisava conhecer e os anfitriões de Mogi tinham que estar bem preparados para começar uma divulgação mas incisiva. Eu resolvi fazer o curso de guia de turismo pela Etec e pude também ser essa anfitriã, ficar mais na linha de frente, porque até então eu ficava mais nos bastidores, na parte operacional dentro de uma agência.
Como guia, eu não tinha quem me contratasse, porque não tinha agência de turismo. Então eu coloquei um novo nome na empresa, “Quintal de Vó - Roteiros e Passeios”. Era uma agência que preparava passeios com roteiros para o turismo social do Sesc, para grupos da terceira idade e excursões.
CCMN: Quais foram lugares que você encontrou e como foi esse processo?
Debora: A parte mais gostosa são os bastidores. A gente ir até o lugar, geralmente um sítio, desbravar, bater na porta, conversar com as pessoas e explicar o que é o turismo, o que seria um passeio. ‘Você tem no seu sítio este lago, esta trilha que só você e sua família desfruta, que tal começar a abrir também para outras pessoas e começar a ter um rendimento com isso?’. Eu ia fazendo esta sensibilização, trazendo grupos de caminhada.
Eu sempre coloco uma parte histórica daquela estrada, depois volto para o sítio ou vamos para outro almoçar o que a própria família preparou e depois a gente visita algum outro lugar e encerra o roteiro assim. Sempre foi algo muito personalizado e exclusivo. Por exemplo, tem uma cachoeira simples e pequena na Serra do Itapeti, e eu trazia esta conexão com a natureza, conduzindo este encontro entre a pessoa, a natureza, um visitante, um visitado e a Serra.
CCMN: Como foram montados os roteiros?
Debora: Pela minha agência, eu fazia um misto, primeiro como se fosse uma experimentação com os próprios mogianos com um preço mais de custo. Os mogianos eram parte do processo de elaboração daquele roteiro, depois já tínhamos fotos e vídeos para fazer a campanha. Eu vendia para agências de São Paulo e de outros lugares, para o Sesc também.
CCMN: Como foi até chegar ao Mogi por Dentro, como o projeto fuciona?
Debora: O que eu fiz no Mogi Por Dentro em aproximadamente dois anos, eu já vinha fazendo desde 2006, que era o processo de mapeamento, de conhecer as pessoas e visitar os lugares. Você tem que visitar pelo menos umas três vezes para realmente criar um vínculo com aquela família, com aqueles anfitriões. Quando chega o Mogi Por Dentro a gente já tem uma rede conhecida de pessoas com quem já tenho uma familiaridade e abrindo oportunidade para muita gente nova. É um processo demorado, que exige tempo, envolvimento, dedicação.
Eu queria que as pessoas se conhecessem e então marcamos encontros coletivos com até 50 pessoas, um falando com o outro, já não precisando mais da minha intermediação sobre como podiam se relacionar e estabelecer uma parceria. Um roteiro não se faz sozinho, você precisa de outros prestadores de serviços, e se abrir para novas parcerias. Este era o grande movimento do Mogi por Dentro. A gente realizou diversos encontros com temas de elaboração de roteiros, colaborativos, relacionados. Assim foram os “Fam Tour”, que vem de familiarização, e é um tour de experimentação. Foram oito na cidade num período de dois meses praticamente. A gente elaborou o roteiro com 15 parceiros de Taiaçupeba, onde um trouxe o café, outro o artesanato, outro a apresentação artística, outro uma monitoria pelo bairro.
CCMN: Também tem o cinema itinerante?
Debora: A gente assistiu o documentário “Serráqueos” e foi super legal. Todo mundo queria assistir, e isso faz parte de um roteiro turístico, você ter um momento de lazer, um entretenimento e também conhecimento. As pessoas saíram de lá aprendendo mais sobre aquele roteiro e sobre aquele lugar. Foi a oportunidade de assistir o filme, dentro da Serra do Itapeti, em volta da fogueira, na presença dos indígenas. É diferente de assistir em casa sozinho. Foi uma experiência riquíssima, junto com o cineasta, com o diretor do filme, com bate-papo, tomando um caldo. Isso é uma experiência turística.
CCMN: O que a gente tem aqui em Mogi que é mais desconhecido?
Debora: Mogi é muito extensa. Para você atravessar a cidade é quase que uma viagem. A gente falava que o mundo estava em Mogi. Acho que Quatinga foi um dos lugares mais longes que a gente foi, que é divisa com Paranapiacaba e Bertioga. É um lugar incrível, que todo mundo amou. Um roteiro que é da Estrada do Quilombo, e trazemos um pouquinho desta história dos negros naquele bairro, naquele distrito, e a relação com a Serra do Mar. Muita gente pensa que a Serra do Mar é só a Mogi-Bertioga, não tem ideia deste outro lado. Ela é gigantesca e muito bonita. Temos essa proximidade com a serra, estamos dentro dela, daquelas neblinas.
CCMN: Na região do centro, como é feito o levantamento e pesquisa para valorização do patrimônio histórico?
Debora: Foi feito de forma participativa. Tem toda a minha bagagem destes mais de 15 anos, a participação dos historiadores e de pessoas, principalmente, de moradores antigos, por que o que é a história da cidade? Não é aquela história que só está nos livros de Isaac Grinberg, do Mario Sergio de Moras. Eu uso bastante os livros, mas também as histórias contadas e as memórias afetivas. São histórias de famílias que compõem a história de Mogi, esse é o nosso grande objeto de estudo.
CCMN: Como a Lei de Incentivo à Cultura (LIC) a auxiliar esse processo também?
Debora: Em 2011, eu não tinha conseguido, e finalmente em 2019, saiu o edital. Todo mundo me jogava para o turismo, só que o turismo não tem verba na cidade pensando em política pública, e não tem edital de fomento. Então eu peguei um projeto turístico e coloquei uma linguagem totalmente patrimonial e cultural. Eu não falava: ‘vamos desenvolver o turismo’, eu falava: ‘vamos valorizar nosso patrimônio através dos moradores da cidade’.
Eu escrevi o projeto baseado em várias oficinas que eu tive, vários encontros com muitos atores da cidade. Todo o processo foram três anos, foi bem demorado por conta da captação. A gente teve o Grupo Marbor que se prontificou a apoiar o projeto através desta lei, doando seu IPTU para o projeto. Foi quando conseguimos custear tanto os meus honorários, quanto do fotógrafo para criar um acervo de fotos da cidade; do cinegrafista e dos produtores audiovisuais para a produção de vários vídeos; a gestão das redes sociais, do designer gráfico e também os custos dos “Fam Tours”, que são degustações.
*Texto supervisionado pelo editor.
(Colaborou Fabiana Oldra e Eduarda Martins)